Enquanto revia “O Convento” de Manoel “com ‘o’” de Oliveira, transmitido esta noite pela TDM, três ideias passaram-me pela cabeça:
- O que estava John Malkovich a pensar?
- O que estava Agustina Bessa-Luís a pensar?
- Porque fui perder eu o meu tempo?
O filme, assim como todos do “mestre” que é mais conhecido por ser o realizador mais velho em actividade, campeão das menções honrosas no festival de Cannes (será que é com a ténue esperança que ele não volte lá mais?) é mau. É péssimo. É deprimente, mal escrito, mal filmado, mal realizado. Foi uma desilusão, para quem tinha ainda alguma esperança, entenda-se. Agustina Bessa-Luís partilha os créditos pelo argumento. Eu pessoalmente preferia partilhar uma seringa.
Quem não o viu fez bem, e não perdeu nada. Foi filmado no convento da Serra da Arrábida, e conta a história de um professor, Michael Padovic (Malkovich) e a sua esposa Helene (Catherine Deneuve) que procuram provas de que Shakespeare não era inglês, mas sim um judeu espanhol cuja família fugiu de Espanha primeiro para Portugal, depois para Florença. Tivesse sido este um filme de sucesso e não uma cagada do tipo “B” que ninguém com uma cabeça pensadora em cima dos ombros viu, a malta em Stratford-Upon-Avon tinha ficado furiosa.
Agora porque conta o filme com actores da classe de Malkovich ou Deneuve? O primeiro é um lírico, um homem inteligente que não sabe distinguir uma esturcha de duas horas de um bom filme. Um diletante que acredita nas virtudes do “Cinema europeu da caca” de que Oliveira é o maior embaixador. Catherine Deneuve teve um enorme sucesso dois anos antes com “Indochine”, mas estava muito longe dos tempos gloriosos de “Les Parisiennes” ou “Belle de Jour” (ah, Belle de Jour, Deneuve mon amour).
Luís Miguel Cintra (sobrinho de Oliveira) e Leonor Silveira (neta) entram também o filme, como não podia deixar de ser. O primeiro é Baltar, um empregado do convento, de cabelo penteado para trás, fato preto e camisa vermelha, a lembrar Al Pacino. A segunda é Piedade (é sempre uma Francisca, uma Jacinta, uma Alfreda, uma Piedade), assistente do professor Padovic, uma mosca-morta. Os dois falam bem inglês, francês e alemão (um elemento presente nos filmes “europeus” de Oliveira) mas representam mal.
Quando chegam ao convento, Padovic e Helene são apresentados ao restante pessoal do convento. Duarte de Almeida no papel de Baltazar (Baltar e Baltazar, que interessante), e Berta (Heloísa Miranda). No meio da sala está um pentagrama gigante, o símbolo do satanismo. Ninguém explica o porquê disto. Se calhar foi alguma decoração de Natal que ficou do ano anterior.
Como em outros filmes de Oliveira, usa-se e abusa-se dos longos planos, dos diálogos mortos e estúpidos, do elemento artístico sem o mínimo de realismo ou credibilidade. As referências a “Fausto” de Goethe so tantas que penso que preferiria assistir a Malkovich a ler a obra do pensador alemão durante três horas. Atente-se a um diálogo entre Baltar e um pescador:
Baltar: “Trabalho no convento”
Pescador: “Acredito, sr. Baltar, acredito...”
A outro entre Piedade e Baltar:
Piedade: “E porque gostam esses portugueses tanto de trocadilhos?”
Baltar: “Porque enganam o Diabo com eles...”
Imaginem uma cena em que Padovic recebe uma prenda, que se depreende imediatamente que seja um livro. Abana, chocalha e ouve, faz uma cara de quem nem faz ideia que seja um livro, e depois dá-lhe uma dentada. Devia ser um livro de cozinha.
Numa outra cena Helene e Baltar visitam uma gruta onde alegadamente estava localizada uma fornalha abandonada por Lúcifer (sim, o Diabo), e possuído por uma força incontrolável, Baltar solta sonoras gargalhadas nos ouvidos da senhora, e depois pede-lhe desculpa e diz que a ama.
Quando saem da gruta, passeam-se por um bosque. Baltar diz a Helene que repare numa árvore com troncos grossos. Ignorando as mais básicas regras do bom senso e da higiene, Helene abraça e acaricia os ramos como se fossem um falo. Baltar diz-lhe que os ramos “defendem a ameaça da obscuridade do pré-sol”. Clássico. É a este tipo de diálogos que assistimos durante todo o filme. Mais tarde ela beija-o e ele faz cara de quem acabou de enganar a vizinha.
Enquanto Baltazar (o outro empregado do convento, não Baltar) leva Padovic e Helene a visitar uma casa que ostenta a porta um símbolo que o parece incomodar. Na melhor tradição dos filmes de Drácula, Baltazar leva o braço à cara, e fica imóvel à porta da casa. O casal passa por ele e entra. Se calhar pensam que se trata de alguma tradição portuguesa.
A música é outro aspecto interessante do filme. Filma-se a praia, o bosque, o interior do convento, um mocho e imediatamente passa uma música assustadora e decrépita. Assim também consigo fazer um filme de “terror”. Basta passar imagens dos
joggers na Guia ou dos deputados da AL com a banda sonora do “Shinning” ou do “2001”.
O filme termina com uma nota que nos informa que houve um grande incêndio, que destruíu todos os livros e não sei quê. Baltar e Piedade desapareceram depois do incêndio, e foram substituídos por Baltazar e Berta. O pescador ouviu dizer que o professor e a sua mulher voltaram a Paris, e o professor abandonou a sua investigação sobre Shakespeare (porra, assim nunca ficamos a saber a verdade) e dedicou-se aos estudos sobre o oculto. Mas “não devemos acreditar em tudo o que diz o pescador”. Se calhar estava com uma enorme bebedeira ou então é um grande mentiroso.