Ho Chio Meng, ex-procurador do Ministério Público da RAEM, foi detido sob suspeita de crimes de burla, participação económica em negócio, abuso de poder e falsificação de documento, em conluio com outros quatro elementos do MP. Em causa estão 2000 adjudicações feitas durante o período entre 2004 e 2014, de obras de construção, de assessoria, segurança e limpeza, que eram atribuídas em alguns casos a empresas inexistentes, que de seguida as sub-concessionavam a empresas locais, existindo "fortes suspeitas de corrupção". Ho Chio Meng foi surpreendido pelas autoridades na sexta-feira ao meio-dia no Terminal do Porto Exterior, quando se preparava para ir a Hong Kong, não sendo certo se fazia planos de fugir, mas segundo o CCAC o ex-procurador havia sido constituído arguido em Julho do ano passado, após uma denúncia que deu abertura à investigação, que agora se sabe envolver quantias na ordem dos 140 milhões de patacas. Ho Chio Meng teve um percurso acidentado até chegar ao MP em 2004, e durante os 10 anos que esteve no cargo de Procurador transmitiu uma imagem austera, que juntando a um discurso tutelar e sem meias palavras, valeram-lhe o epíteto de "Justiceiro", chegando mesmo a ser adiantado o seu nome para a corrida ao cargo de Chefe do Executivo em 2009, apesar de nunca ter assumido essa ambição. Em Novembro de 2014 foi anunciada a equipa do IV Executivo que com alguma surpresa deixou de fora Ho Chio Meng, que a partir daí "eclipsou-se". Parecia confirmar-se a regra do "congelador", de que falarei mais à frente.
Foi no Sábado pelo final de tarde que a Rádio Macau deu a notícia, e eu poderia até dizer que "caiu como uma bomba", mas não é completamente verdade - e por isto não significa que já se sabia, ou que se previa, atenção. É pena que tenha que acrescentar estas salvaguardas como se estivesse a explicar isto a bebés de colo, mas acabamos por aprender que é mesmo necessário, pronto, e ninguém me garante que não se façam segundas leituras, ou dali se retire alguma outra ideia que não exactamente aquela que ali está, e pode ser que o faça com intenção maldosa, mas no fim acaba por acrescentar mais um galão à ombreira da sua imbecilidade. Se é para me tentar intimidar, então ainda mais grave, e desconfio que isso possa ser já um sintoma de demência - chama-se a isso "tentativa"? E o que quero dizer eu com "não é completamente verdade"? Bem, se eu me quisesse justificar pela teoria do Big-Bang que criou o Universo, diria que nada é garantido nem absoluto, mas prefiro ficar por uma citação de um grande pensador, que não podia ter explicado isto melhor: "as pessoas não são programáveis como as máquinas de lavar". Ah sim, o tal "pensador" sou eu, e lá está, penso, mas não significa que esteja sempre certo. Aqui estou pelo menos seguro que sim, é difícil refutar aquela afirmação: ninguém é programável para sentir o mesmo ou ter uma opinião normalizada.
Ontem o CCAC convocou uma conferência de imprensa, e aqui as diferenças com o caso Ao Man Long foram evidentes, e a começar pela figura do comissário, pois ao contrário de Cheong U, que anunciou a detenção do ex-secretário com um pesar que dava a entender um falecimento na família, André Cheong foi...normal. Eu não diria que "frio", ou que ficou indiferente, e até comentou que se tratava de um caso "triste" (já vou falar melhor deste conceito). Foi portanto o que se pode esperar de uma pessoa naquela posição. Ponto. Já no Telejornal das 20:30 - e recordo que a detenção foi conhecida por volta dessa mesma hora no dia anterior, não se sabendo o suficiente para incluir no alinhamento desse bloco noticiário - o director do JTM, José Rocha Dinis, fez um regresso que talvez não tivesse desejado ser tão rápido. Recordo que Rocha Dinis despediu-se da sua rubrica "Opiniões" no dia 11, prometendo "dar descanso" aos telespectadores depois alguns anos de presenças regulares à segunda-feira. Ora essa, eu seguia religiosamente as opiniões do director do JTM, e se por um lado por ter sido cínico de quando em vez, de tudo o que não me dava na gana de vir para aqui esmiuçar havia também momentos de grande inspiração. Sinto que ontem JRD terá tentado colocar alguma água na fervura, mas nem havia fervura alguma, nem caso contrário seria ele capaz de concretizar essa tarefa ingrata. Seria como tentar apagar um incêndio florestal com um borrifador de passar a roupa.
Senti que JRD tinha e tem consciência de que no sistema de "checks and balances" que vigora no território à margem do que consta nos recibos, Ho Chio Meng teria uma conta demasiado elevada para pagar. E antes que me acusem de estar aqui a especular, deixo claro que apenas me cingi à tal regra do "congelador" de que falei no fim do primeiro parágrafo, e que passo a explicar. No sistema altamente hierarquizado que vigora e sempre vigorou na sociedade chinesa, só há duas direcções a tomar: para cima ou para o lado, e neste caso, ficar-se onde está pode ser considerado a mesma coisa. Se repararmos bem no que tem sido a estrutura dirigente da RAEM desde 1999, notamos que as únicas saídas airosas são a aposentação ou a doença, e na pior das hipóteses a morte. Não é preciso estar por dentro da Administração para saber que é mesmo assim: uma despromoção é a humilhação suprema, e como em algumas situações as hierarquias são cumpridas rigidamente, há o receio de ficar numa posição onde se fica subordinado a...ex-subordinados. Isto é pior que a mordida de uma cobra. Tenho sérias dúvidas, e sou mesmo capaz de apostar que não há um único caso em que um director ou outro cargo de topo se tenha resignado a regressar à sua posição de origem - e é preciso recordar que estes altos cargos são normalmente desempenhados em regime de comissão de serviço. No caso de Ho Chio Meng e outros, e recordo aqui o ex-presidente do IPIM Lee Peng Hong, outrora uma "jovem promessa" e entretanto "desaparecido" em 2010 após deixar o cargo, envolvido numa polémica relacionada com uma bolsa de estudo alegadamente financiada com dinheiros públicos, e ainda mais recentemente Cheong U, que depois do CCAC esteve encarregado da pasta dos Assuntos Sociais e Cultura, e não resistiu a um "verão quente" em 2014, com a tutela ensino superior a provar ser uma "batata" demasiado quente para ele.
Assim talvez se explique a demora de Florinda Chan, Francis Tam e vários directores que foram resistindo a ventos e marés (Serviços de Saúde um óptimo exemplo), ou ainda esta estranha "dança das cadeiras" que teve início com a suspensão de Tam Wai Man, e que fez António Tavares bater uma espécie de recorde: de vice-director do IDM, e depois director chega agora a presidente do IACM, e tudo a uma velocidade estonteante, que mal dá para que se possa dizer que "marcou uma era" pelo cargo de dirigente maior do desporto da RAEM. Outros tiveram saídas discretas (Manuel Silvério), e outros nem por isso, exemplo de Orieta Lau, das Finanças, e por consequência Carlos Ávila, que havia passado para o Centro de Ciência, vítimas do caso das senhas de presença em 2010. Talvez o único "saco de pancada" tenha sido Wong Wan, cujo afastamento se deveu a um fraco desempenho, mas muito por culpa da sua falta de carisma (e vendo bem é possível que tenham deixado os papéis todos nos braços do rapaz, coitado), e mais tristemente tivemos os casos de Alexandre Ho, na altura no Conselho de Consumidores, e mais recentemente Lao Wai Man, da Alfândega, que são dois exemplos de como nem toda a gente tem estômago para a intriga palaciana. A verdade é esta: qualquer demissão, despromoção ou transferência inesperada são entendidas como um sinal de que o detentor do cargo que acabou de perder "fez qualquer coisa". Estratégia? Podia ser - podia, se não ficasse demonstrado recentemente com a ida de Alex Vong, ex-desporto e ex-IACM, para o lugar da malograda Lam Wai Man, e sem qualquer experiência para o cargo. São peças de uma xadrez, máquinas de assinar despachos, sempre na corda-bamba dos interesses políticos, sujeitos a tentações e sempre olhando por cima do ombro para cuidar que não lhe deixam um punhal nas costas. Em compensação, se não existir uma secretaria, direcção, instituto, centro ou fundação para ele, inventa-se um logo ali.
Finalmente há ainda o caso de Ao Man Long, que inaugurou a tasca do descontentamento e tornou a opinião pública mais atenta à governação, e se aí sim, teremos ficamos todos surpreendidos. Ou mais ou menos. Mas se a população ficou mais atenta, continuou passiva - ficou "à coca". E é aqui é que entra o conflito com aquilo que tanto eu como o JRD acredita, e que devemos continuar a acreditar, e quanto mais soubermos e ficarmos atentos a este respeito melhor: a legalidade, ou o primado da lei. É sempre muito bom saber se não se dá um passo em falso, e para isso nem é preciso ter conhecimentos ao nível de um jurista, e vendo bem, que tal o do Procurador? Esta é uma ironia tão flagrante que nem se discute. Pois então, atirando com a lei quando é preciso (exibicionismo é quase sempre sinal de ignorância), mas não esperar chegar muito longe, o que para mim é óptimo: basta que não me chateiem. É um bocado difícil este conceito nos locais, pois a Lei é daquelas coisas que consideram "extremas", e o que nós chamamos de "corrupção" chama-se "óleo que faz andar a máquina". Mesmo perante este paradoxo que é ter um "justiceiro" à margem da lei, ainda há quem fique muito indignado quando ouve coisas do tipo "a lei não foi feita para estes tipos obedecerem", mas é a mesma coisa quando se discute a pena de morte, a prostituição, ou tudo o que tem a ver com o valor da vida humana. Eles nascem com o "equipamento" para aguentar certos golpes.
Fui pesquisar o que tinha escrito no blogue sobre este personagem, e seleccionei estas duas passagens, a primeira sobre um artigo dedicado ao aumento das penas pelos crimes de droga, e o segundo sobre um comentário que havia sido apagado na edição electrónica do Hoje Macau por ordem judicial, a propósito do caso das campas - o tal onde nunca se ficou a saber a quem foram atribuídas as tais campas, um detalhe de somenos importância, suponho. Isto não é determinante quanto à minha opinião sobre o ex-procurador (eu diria que fica aquém), e este caso à parte, nunca o ouvi dizer nada que me deixasse boa impressão dele. Todos se devem recordar da "gaffe" a propósito da pena de morte, que mais tarde viria a ser esclarecido por ele como tendo sido "um mal entendido". Não deixa contudo de me surpreender este enredo das adjudicações, uma daquelas coisas que...bom, quando se queimam etapas "para o bem", ainda se vem dizer "que é bom para a economia", e aqui o "bem" é de quem decide queimar as etapas. Hoje o presidente da AAM, Neto Valente, veio falar desse problema da aplicação do erário público em serviços providenciados pelo sector privado, e basta olhar para esta disparidade e perceber que há logo aí lugar a especulação, e fica a sensação de que isto não sendo legal de todo, é "tolerado". Sabem que no outro dia falava com alguém sobre o número permitido de faltas por doença, que é de 15 dias por ano, e ouvi qualquer coisa como "quem não aproveitar é parvo". Uh uh, ou gasto os 15 dias a que eles chamam "direito" ficando doente, ou cometendo fraude, e sou um tipo esperto que nem uma raposa, que "aproveita os direitos e regalias", ou opto por ser saudável e honesto, e nesse caso sou "parvo". Isto diz tudo do que vale aquilo que para mim e para as pessoas de bem prezam. O resto é conversa, e quem não pode fazer fica com inveja - e admite que sim, tem inveja mesmo.
É talvez por isso que a opinião pública salta facilmente no comboio da condenação, quando para nós vigora o sacrossanto princípio da presunção da inocência, de que o arguido é inocente até o processo esgotar as possibilidades de recurso e transitar em julgado, e case se prove a culpa, é um criminoso. E atenção, é e passará sempre a ser, mesmo que cumpra a pena e se regenere. Temos que perceber que aqui o método preventivo tem primazia sobre o correctivo, e o mais provável é que quem possa estar numa posição em que tem acesso ao tesouro do reino, só possa ser mesmo culpado daquilo que o acusam: se não foi ele e dinheiro não está lá, foi quem? E não ajuda nada quando certa imprensa imprime títulos em letras garrafais a dizer que fulano roubou, matou ou desancou a sogra de porrada, acompanhado de fotografias sugestivas com capuz na cabeça em frente a uma mesa onde estão meros objectos, que à luz desta montagem passam a ser "provas". É difícil conseguir provar a inocência com estes "julgamentos em praça pública", como lhes chamamos, mas na maior parte destes casos a expressão "não há fumo se fogo" adquire uma dimensão dantesca. Pode-se dizer que "não há cheiro a esturro sem um inferno de chamas". E de facto as comparações com Ao Man Long podem-se mesmo ficar pela história das adjudicações, e para quem não é de Macau ficará certamente com a pulga atrás da orelha, questionando-se o que tem um magistrado a ver com obras, equipamento ou fornecimento de bens que nada têm a ver com a sua profissão. Foi talvez esse o critério que levou a que os tribunais de tornassem independentes da DSAJ, mas aí está, a "independência do poder judicial" falou mais alto, e levou com ela as adjudicações. É o que dá, pensar que nos podemos dar ao luxo de tão "elevado grau de autonomia"?
Compreendo que JRD apele à moderação, que chame ao silêncio "de ouro", mas já se sabe, por vezes há desaforos que se vão acumulando e depois saem todos de uma vez só, e quanto ao que se conhece do ex-procurador, bem, antes dele ser procurador é Ho Chio Meng, e é nessa condição que vai ser julgado, e se tudo correr bem no fim pode-se chamar-se-lhe todos os nomes, ou não. Pessoalmente já conhecia Ho Chio Meng, o procurador, desde o tempo anterior à transição, talvez 1998 ou antes, e penso que muito boa gente que fala no café ou escreve nas redes sociais, já o conhecia antes, anteriormente às redes sociais propriamente ditas. Fica-lhe bem a moderação, sempre uma opção inteligente seja em que caso for, mas não posso deixar de sorrir com candura ao ouvi-lo dizer que "afinal o CCAC morde". Lá morder morde, todos mordem, mas é preciso apanhar o naco a jeito, e penso que quanto a isso está tudo dito. O que me assusta mesmo é que se fale de "tráfico de influências", e que recaiam sobre o procurador suspeitas dessa natureza. Não me assusta tanto a mim, que não tenho qualquer receio pessoal, mas quando vejo Scott Chiang e Neto Valente em sintonia no que a essa suspeita diz respeito, fico deveras preocupado. Será um sinal do Apocalipse?
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