terça-feira, 15 de março de 2016

Nicolau, o bon-vivant



Deixou-nos de repente a apanhou-nos a todos de surpresa, e acho que ele próprio também não estava à espera - Nicolau Breyner morreu ontem aos 75 anos, vítima de ataque cardíaco. Não esteve doente, pelo menos recentemente (curou um cancro da próstata em fase inicial há alguns anos) e tinha projectos em agenda, estando mesmo de viagem marcada para o Brasil. Da sua partida tão súbita e abrupta apetece-me citar o Herman José, que muito deve a Nicolau Breyner: partiu da vida sem sofrer. Por mais difícil que seja encontrar um lado positivo na morte de alguém, eis um que torna tudo mais digerível.

Foram 75 anos bem vividos, e talvez por isso o actor, produtor e numa faceta mais discreta, político, nunca se apresentava com um semblante carregado. Transpirava alegria e boa disposição. Lembro-me de um programa de televisão apresentado por Manuela Moura Guedes cujo nome não me recordo agora, em que foi convidado e falou de um dos seus vários casamentos, penso que o segundo: "arrependi-me no mesmo dia, liguei para um amigo meu e disse-lhe: tira-me daqui, ajuda-me; no mesmo dia fomos para Espanha, e mais tarde resolvemos aquilo pacificamente". Nicolau Breyner era o nosso Picasso. Com as devidas distâncias, lá está.

Era um homem que não conseguia esconder quais eram as duas paixões da sua vida para além da representação: as mulheres e a comida. Pode-se dizer que gostava de uma do mesmo jeito que gostava da outra, e não me entendam mal, pois eu duvido que ele maltratasse a comida, de todo. A única vez que o vi foi aqui em Macau, descia ele a Travessa de S. Domingos acompanhado do seu séquito, todos na galhofa, parecia costumeiro, e o que me chamou a atenção nele foi a barriga, que se anunciava, imponente, antes do resto do homem. Teve sempre um problema de peso que nunca escondeu nem nunca se envergonhou, apesar de há quatro anos ter perdido "quase trinta quilos". Ora bolas, quem vive até aos 75 com aquela cintura, precisa de preocupar com isso porquê?

Começou a carreira como artista de variedades, com inclinação para o canto. Participou no Festival da Canção, e fez um sucesso estrondoso com um número musical ao lado de Herman José, "Sr. Feliz e Sr. Contente", que era parte integrante da primeira série televisiva de humor depois do 25 de Abril, "Nicolau no País das Maravilhas", que se pode dizer em sua defesa ter sido "refrescante". A faceta de comediante não era a mais forte em Nicolau Breyner, talvez por culpa do seu tipo de humor demasiado refinado, pessoal. Era Alentejano, e os alentejanos riem de coisas que só eles sabem, e não nos dizem. E foi Serpa, a sua terra natal, que veio a revelar o seu lado político, aquando de uma candidatura à Câmara Municipal em 1993, condenada ao fracasso logo à partida, visto ser aquele um bastião comunista, e ele concorrer com o apoio do CDS/PP, força política com apoio residual em todo o Alentejo.

Foi como actor dramático que Nicolau Breyner brilhou, e pode-se dizer que deixou um reportório memorável. Teve a honra de encabeçar o elenco da primeira telenovela portuguesa, "Vila Faia", foi o carismático mordomo de "Lá em casa tudo bem", e até no género da acção fez um pézinho, ao lado de Tozé Martinho na série "Homens da Segurança". Participou em mais telenovelas, que também produziu através da sua empresa NBP, e chegou até a apresentar um concurso, o "Jogo de Cartas", que celebrizou a então (e ainda?) desconhecida modelo Filipa Garnel, que tratava carinhosamente por Pipinha. Foi um dos "monstros sagrados" da nossa televisão que nos deixou ontem, traído pelo coração que encheu de paixão, e apesar da queda para o drama, saiu de cena sem dramas. E sem dor, recorde-se. Que descanse em paz.


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