Fazia planos de encerrar a emissão de hoje do blogue, neste primeiro dia do mês de Fevereiro, com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau, mas mudei de ideias. Pode ficar para amanhã, e com a malta do Hoje está também a gozar as férias do Ano Novo Lunar, não há sequer ligação para o artigo na edição electrónica do jornal - se eles não têm pressa, eu muito menos. O artigo, para quem já leu, é sobre o fenómeno no jogo em Macau, um tema que me tem sido bastante caro. No entanto, e apesar da carga irónica contida no texto, sinto que ficou algo por dizer, e não há ocasião mais pertinente que esta para fazê-lo. Portanto, "aqui vai alho", como dizia a malta lá no bairro quando eu era ainda chavalinho.
Portanto hoje estamos no segundo dia do Ano Lunar do Cavalo, e amanhã é o último do três dias destinados a comemorar formalmente a chegada do novo signo do zodíaco chinês. Tradições, contradições, superstições, e outras acabadas em "ões", como...uh..."lai-sis" (pensavam o quê?...malandrecos) estão em alta por estes dias, e há quem acredite genuinamente nos bons espíritos que alegadamente vêm da terra dos espíritos para comemorar a mudança da Lua. E é nessa onda "lunática" que muitos dos nossos bons cidadãos se juntam aos turistas nas mesas dos casinos do território, para ver se é desta que a deusa da fortuna os contempla, e ganham um barril de "pasta" sem mexer um dedo, ou sem ter feito nada de assinalável para o merecer. Até os funcionários públicos, interditados por lei de frequentar locais de jogos de fortuna ou azar, têm permissão para ir lá "molhar o bico", desde as 20:00 de quinta-feira, e até amanhã à meia-noite. Depois disso a carruagem transforma-se numa abóbora, os cavalos em ratos e o fatinho domingueiro em trapos rotos.
Agora o que eu tenho para dizer a este respeito, e aviso desde já que o meu cepticismo não vai bem com o espírito da quadra: não vão ganhar nada, seus palermas, acordem! Mais do que não ganhar nada, vão perder, e mesmo que prevaleça a possibilidade de 0,0001% de sairem do casino com os bolsos a transbordar de notas, é apenas porque são uns cabrões (ou umas cabronas) com muita sorte. Sorte não, acaso. Assim como neste preciso momento vos pode dar um aneurisma, sem que nenhum sintoma prévio se manifestasse, assim ganharam aquele dinheiro todo numa jogada no casino. E para que vocês ganhassem, foi preciso que centenas, senão mesmo milhares, de apostadores perdessem - alguns deles poderão mesmo ter ficado arruinados. Se ainda acreditam que os ganhos têm algo a ver com talento, perspicácia, inteligência ou "matreirice", desafio-vos a repetirem a proeza. Voltem lá com o vosso milhãozito ou dois que acabaram de ganhar, para ver se o multiplicam por quatro ou cinco, e vão ficar a conhecer uma nova forma de "evaporação". Vai ser um caso poético de "bom filho, à casa torna", ou de "o seu a seu dono".
É que para os casinos, esta época do Ano Novo Lunar não é uma das mais importantes do ano por ser o período em que se tornam especialmente generosos e começam a distribuir dinheiro. Para eles esta é a abertura da "caça aos patos", onde ocorrem rios de gente delirante, crente em conceitos abstractos como a "sorte". Adultos que ainda acreditam no Pai Natal e na fada-madrinha. Os casinos investem, dão no duro, incentivam ao jogo, facilitam o acesso às salas de jogo e tudo porque sabem que vão ter lucros astronómicos. Os seus olhos são cifrões, e não estão ali para dar nada a ninguém. E mesmo para quem ganhar, para quem lhes conseguir "passar a perna", vão tentar provar que houve batota ou qualquer outra irregularidade, ou como já aconteceu com um vencedor de um "jackpot" nas "slot machines", que a máquina "estava avariada". Se não conseguirem provar nada disto, vão fazer tudo o que estiver ao seu alcançe para que o sortudo vencedor continue a apostar, e se for preciso oferecem-lhe brindes, estadia e outras vantagens, até ficar completamente "depenado". E no fim ainda se despedem dele com um pontapé no traseiro, caso levante muitas ondas ou se queixe de ter sido ludibriado. A casa ganha sempre, e quando não ganha protesta o jogo na secretaria.
Pronto, já sei o que estão a pensar, que é "mesmo assim", e "não me digas que ainda não sabias", "acordaste agora", ou "conta qualquer coisa que ainda não soubessemos". Sei, sei, e de facto dá-nos a todos imenso jeito isto das receitas do jogo, e eu não me queixo em relação a esse particular - se bem que sinto (e muitos sentem) que não estão a "distribuir" tão bem este "bolo" como podiam. O que acontece é o seguinte: acho óptimo que venham os gajos lá de cima com aquele dinheiro todo de origem duvidosa, que o "lavem" na nossa "lavandaria", ou que aqueles patetas de Hong Kong venham aqui torrar a massa toda e tenham que voltar para casa a nado. Não os conheço de lado nenhum, e longe de mim pretender que os males do mundo fiquem todos resolvidos com um passe de mágica. O que acho mau é que toda esta reverência que se faz à jogatina, e toda esta boa aura suportada por um lado místico da treta venha trazer prejuízo a uma boa parte da nossa população. As receitas que o nosso Governo arrecada deveriam supostamente beneficiar a população de Macau, mas os casinos estão-se nas tintas para a quem chupam o dinheiro. É dinheiro? Então é bem-vindo.
Agora nada como aproveitar os bons ventos da nova Lua que chegou, e tal como o Cavalo que agora entra, ir a galope até ao casino tentar a sorte. Até os jogadores compulsivos em recuperação têm um pretexto para lá dar um pulinho, e nem vale a pena recordá-los do seu problema, pois "hoje é excepção" - e a partir daí passa a ser outra vez "regra". Enquanto as concessionárias do jogo nos convidam a começar o Ano do Cavalo endividados ou para nos livrarmos dos ganhos obtidos no Ano da Serpente e assim "começar do zero" (que simpáticos), vamos continuar a assistir ao habitual drama durante o resto do ano: famílias liquidadas e desfeitas pelo jogo, roubos, fraudes, assaltos e outros expedientes para obter dinheiro para alimentar o vício, a agiotagem em grande, autoridades sem mãos que aguentem tudo isto. Quem acredita na sorte e preferiu ficar em casa a jogar mah-jong (a dinheiro, claro), pode ser que até consiga ver uma as peças deste dominó chinês a piscar-lhe o olho. Tudo é possível.
Mas quem sou eu para ser tão aziago neste dia em que os pós de pirilim-pim-pim da sorte andam no ar? Não passo de um velho do Restelo a dizer mal das naus que partem em direcção ao desconhecido, prontos para dar mais mundos ao mundo. Sou o velho do Porto Interior, que pragueja enquanto vê o saudoso casino flutuante e os seus náufragos. E eles são naúfrugos inconscientes, que nem sonham que vão a bordo de um Titanic em potencial. Pobres almas condenadas, e tão ingénuas...
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