Gostava de dizer apenas bem da nova peça dos Doçi Papiaçam di Macau, "Sabroso, Nunca!", mas não posso deixar de fazer um ou dois reparos. A peça foi boa, melhor que nos dois anos anteriores, e teve momentos hilariantes, mas tinha a ganhar se fossem limadas algumas arestas. Fui com um grupo de pessoas, alguns portugueses, outros macaenses e outros chineses, e as reacções foram mistas. É difícil perceber algumas das piadas sem estar por dentro da realidade de Macau, e como é sabido, umas realidades são diferentes de outras.
Confesso que a
premise me fez torcer um pouco o nariz: um concurso culinário "por ordem de Pequim"? Mas o argumento conseguiu dar a volta a esse pormenor meio esquisito. Luís Machado regressou às lides do patuá no papel de Mateus Alves, um macaense proprietário de um restaurante, assim como muitos que conhecemos por aí. Mateus tem uma filha, Binina (Paula Carion), um tanto ou quanto esquecida, e um ajudante, Aziz (Miguel Costa), um canarim gago (apa-apa-apa-bico!). Luís Machado cumpriu, após quatro anos de ausência, se bem que pareceu em momentos se ter esquecido das falas (foi?), Paula Carion esteve bem como sempre, e Miguel Costa fez a sua estreia, e foi uma agradável surpresa. Excelente, é o mínimo que posso dizer da sua interpretação.
Do outro lado tinhamos José Luís Achiam no papel de Nano, um jovem macaense licenciado em Direito (?), que pede a ajuda do seu tio Ito (José Carion Júnior) para impressionar a sua namorada Sofia (Sofia Bento Ló), deixando-o passar por proprietário do seu restaurante. Assim os pais de Sofia, Crispim (Alfredo Ritchie) e Celsa (Fátima Gomes) deixariam-nos casar. Achiam voltou a demonstrar que tem talento, e é um regresso que se saúda aos Doçi Papiaçam, José Carion voltou a demonstrar ser um amador no sentido da palavra - ama o que faz - e Sofia Bento Ló teve uma estreia positiva,se bem que precisa de melhorar o patuá, que era o único que se conseguia perceber sem a ajuda das legendas. Alfredo Ritchie voltou a estar muito bem, e só foi pena não termos visto mais dele.
O grande destaque vai mais uma vez para os semi-profissionais. Herman Comandante esteve brilhante no papel de Jing Jing, o tal enviado de Pequim. Herman é actor num grupo de teatro amador, e isso nota-se no à vontade com que está no palco e na vida que dá aos seus personagens. Repetente do ano passado foi Babe Tabora no papel de Docelita, empregada filipina, que voltou a arrancar inúmeras gargalhadas e aplausos da plateia. Se todo o mais tivesse falhado, estes dois actores ainda dariam uma nota positiva a "Sabroso, Nunca!"
Podia-se ter feito um pouco mais do material. Se calhar ficou muito mais por desenvolver da "guerra das receitas" de que tanto se fala, do facto de muitas famílias macaenses quererem guardar as receitas, ou do esforço da tal Confraria da Gastronomia Macaense em compilar as receitas antes que, como muito bem referiram, vão "para a cova" com os seus donos. Podiamos ter visto mais do minchi, do tacho, da capela ou do porco tamarinho balichão, mas seria irrealista que alguém cozinhasse no palco do Centro Cultural. Parvoíce minha, cheguei a pensar que isso fosse mesmo acontecer.
A peça foi mais uma vez crítica em relação a alguns
happenings tão particulares de Macau, e gostei especialmente da sátira ao programa Montra do Lilau (Rita Cabral e Sónia Palmer estiveram excelentes), e é de louvar a forma como o argumento consegue manipular os nomes e os acontecimentos de forma a lhes dar um contorno humorístico. A primeira cena do segundo acto foi provavelmente o momento menos bem conseguido. Uma confusão envolvendo uma turista japonesa (Lina Shigemitsu, outra estreia), uns trocadilhos em japonês, e no fim ficamos a saber que o tio Ito foi para Okinawa e casou com ela. Ah? Foi um detalhe do argumento perfeitamente escusado. Gostei no entanto do trocadilho feito com o nome em Mandarim do personagem interpretado por Lou Pui Leong: "hai bai". Marotice...
Os momentos mais hilariantes foram, mais uma vez, os vídeos. O primeiro é mais um "Patuá em 1 minuto", antes do intervalo, novamente com a apresentação de Germano Guilherme, e depois do intervalo fomos brindados com um trailer de um filme de acção, um misto de Código da Vinci (Código do Minchi, ahahah), e os filmes de James Bond. O herói? Bronco. Jaime Bronco, interpretado por Nuno Senna Fernandes (cara chapada de irmão), e no papel de vilão tinhamos Fernando Eloy, expositor de fotografias de telemóvel. O vídeo contou ainda com a participação de outras figuras ilustres, casos de Hugo Bandeira, Anabela Ritchie ou Jorge Neto Valente, e ainda Isabela Pedruco e Catarina Pontes nos papéis de
femme fatales. Foi engraçado, mas pecou por ser demasiado longo.
No final o vídeo que provocou ataques histéricos de riso no auditório: uma versão do American Idol adaptada para Macau, o "Maquista Idol", que contou com as participações de Rudy Souza, o Elvis de Macau (Alves Pereira, ahahah), Casemiro Pinto (um verdadeiro desportista) e Isa Manhão, entre outros. O painel do júri, "chapado" do original norte-americano, contou com Daniel Pinto (o nosso Dani, verdadeiramente espectacular), Marina Senna Fernandes e André Ritchie com a difícil tarefa de imitar o controverso Simon Cowell. André Ritchie vestiu a pele do personagem sem se ter desmanchado a rir, o que no lugar dele, era o que eu faria.
Uma nota final para Germano Guilherme, este ano no papel de mestre de cerimónias. É pena que Germano já não possa estar onde pertence, no palco, e no papel principal, mas a sua nova carreira como cantor não lhe permite que se possa dedicar mais a este grupo que o lançou para o estrelato. É evidente que Germano tem um futuro brilhante pela frente, e é não só um prazer mas também uma honra ter visto este jovem macaense a dar os seus primeiros passos no mundo do espectáculo. Uma vénia do tamanho do mundo para ele.
Este ano a peça foi exibida pela primeira vez em três noites, o que deve ter sido bastante cansativo. Vê-se que houve ali muito trabalho, amor e dedicação, e o público presente no Centro Cultural retribuiu - chegavam a rir mesmo quando não havia razão para tal. O patuá continua vivo, nesta forma tão sui generis, e estas peças são a sua expressão anual. Será muito ou será pouco? Penso que será suficiente. Os Doçi Papiaçam di Macau estão mais uma vez de parabéns, e como prometeu Miguel Senna Fernandes, "para o ano há mais". E nós vamos estar lá mais uma vez para ver, e para aplaudir.
13 comentários:
Não faças crítica de teatro porque és tão fraquinho a criticar. Parece que foste ver outra peça...
É o que menos importa, porque estarei lá todos os anos na mesma, mas este ano foi melhor do que no ano passado? Não achei nada!
A personagem japonesa pode não ter sido nada de especial, mas serviu para pôr muita beleza em cima do palco, que a japonesa era mesmo bonita!
Bem ou mal, mais ninguem faz teatro em Macau, e este grupo e' de louvar porque ja la vao 17 anos e nao e' facil conseguir apresentar uma peca todos os anos.
Pequena correcção, caro Leocardo,
O Jaime Bronco foi interpretado pelo Nuno S. Fernandes e não Filipe S. Fernandes, que aparece no sketch a fazer de barman. Guiomar Pedruco fez de "Moneypenny", tendo a irmã Isabela Pedruco desempenhado o papel de "Bronco Girl".
Ufff...imaginem só se tivesse falado mal...
Obrigado ao anónimo das 21:02 pelas correcções. Não conhecendo pessoalmente os actores, e sendo alguns tão parecidos, fica mais difícil.
Anónimo das 14:17 disse "A personagem japonesa pode não ter sido nada de especial, mas serviu para pôr muita beleza em cima do palco, que a japonesa era mesmo bonita!". Pois é, pena que não se tratava de nenhum concurso de misses, ou de strip-tease.
Quanto aos restantes comentários, mais uma vez provam que em Macau só se pode falar bem, senão leva-se com a moca. Nada a que não esteja já habituado, enfim...
Cumprimentos
Pode-se falar mal. O que não faz sentido é avaliar um grupo de amadores como se faz com profissionais. Acho que é isto que os outros querem dizer.
AA
Eu fui este ano pela primeira vez, e até gostei. Mas é como tu dizes, é preciso estar por dentro dos assuntos para se perceberem algumas das piadas. Outras pessoas que foram comigo dizem que já viram melhor. Depende do gosto, portanto.
O Leocardo já devia ter preparado este "Ufff...imaginem só se tivesse falado mal...". Tirando o primeiro comentário, o que é que lhe disseram de mal?
A meu ver, desta vez o Leocardo até foi bem simpático. Para bom entendedor...
Anonimo 00:34 diz as pessoas que foram consigo que gostos nao se discutem, nem em Hollywood todos os filmes sao excelentes, o importante e' fazer qualquer coisa para a comunidade "macauense". O Leocardo desta fez foi muito imparcial e e' como o anonimo de 00:57 disse "para bom entendedor ate foi bem simpatico.
Voltando à japonesa, acho que tem todo o cabimento como personagem secundária, que até é o que é.
Estamos num café de Macau cujo dono está habituado à sua clientela. Macau está a tornar-se mais "global". A empregada filipina apercebe-se disso.
A japonesa é, sobretudo, uma turista estrangeira. Por acaso é japonesa mas podia ser de outro lado qualquer. A única "gaffe" nessa parte foi que a empregada lhe ofereceu "pish" mas depois não havia "sakana". Enfim, coisa sem importância.
Gostei muito da peça.
Para o ano, lá estarei outra vez.
Antes mais eu diria que as pessoas que estavam a assistir a peça e quando digo peça incluiu também os músicos deviam de respeitar todo o espectáculo.Atitude que não tiveram e talvez essa a razão de tanto o Leocardo como tantos outros portugueses não perceberem algumas das piadas.
Macau sã assim e para se perceber o teatro feito pelos Doçi Papiaçam há que viver Macau e não apenas ir ao Patuá porque é "in".
Acho que os portugueses enquanto não quiserem viver Macau por dentro e toda a sua cultura e as suas gentes jamais conseguiram até apreciar um teatro dos Doçi Papiaçam De Macau.
Quanto ao Nuno Senna Fernandes ele também é irmão do Miguel S. Fernandes, assim como o Filipe e a Marina.
O Nuno Senna Fernandes é irmão do Miguel Senna Fernandes??? Quem diria! Com nomes tão diferentes, tal coisa nunca me passaria pela cabeça...
Enviar um comentário