quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Very typical


Uma das dúvidas existenciais que me assola é a seguinte: não temos em Macau alguém capaz de dirigir o Festival de Música, que se realiza anualmente, e é, pasme-se, o evento cultural de maior relevância no território? Já sei, não existe entre as cabecinhas pensadoras da nossa praça uma com a experiência internacional e o know-how para levar a cabo tal tarefa. Aparentemente a culpa é nossa, e das nossas garras de colonizadores, que manteve o povo num marasmo sem igual. A administração que se seguiu fez igualmente um excelso trabalho nesse sentido, senão até melhor.

Já não basta em Macau termos que levar com os restos de Hong Kong e a sua divina misericórdia na comida, roupas de marca, nas ostras, etc, mas ao que parece também na música. E Warren Mok é isso mesmo, um resto. Não questiono que talvez o orçamento seja escasso para trazer os três pianos, de Bernardo Sasseti, Mário Laginha e Pedro Burmester, mas agora justificar a escolha de Júlio Pereira por ser "very typical portuguese", só pode ser anedota. Nada contra o JP, que é um excelente músico, mas se essa é a razão, porque não trazer Quim Barreiros, que é também "very typical" e ainda mais barato? Ou se o problema é mesmo o dinheiro, ficávamos mesmo pelo rancho do João Fonseca & companhia. Mais "typical" não há.

Se a moda pega, um dia vamos trazer de Itália os gondoleiros de Veneza para cantar o Sole Mio. Ah mas esperem, basta trazer os da Venetian, que o resultado é o mesmo. Do México podiam vir os mariachis e a sua rendição de México Lindo y Querido, da Rússia os cossacos, e da Áustria os cantores de tirolês, com oferta de tampões para os ouvidos à entrada do Centro Cultural.

Isto de organizar e dirigir o FIM é bastante fácil. É só chamar um cantor lírico qualquer de Hong Kong (lírico=arte=bom gosto, perceberam?) e dizer-lhe: "Ó Warren, monta aí um Festival como fazem lá em Hong Kong". E nem precisa de ser igual, pode ser só parecido. E já nem falo da pouca vergonha da aquisição dos bilhetes, sempre fora do alcance de quem quer mesmo ir ver o Festival. É tudo "very typical".

5 comentários:

Anónimo disse...

Leocardo,

Arranjar bilhetes não é difícil:

a) Somos VIP e podemos usas um dos muitos lugares vazios que existem sempre reservados para o peixe-graúdo;

b) Fazemos como os chineses e compramos os bilhetes logo no dia em que ficam à venda, que é sempre ao fim-de-semana.

Eu, como não sou VIP, fiz a segunda. E, apesar de muitos lugares estarem já ocupados, consegui ter bilhetinho para todos os espectáculos que quis e em lugares não muito maus.

Reverências

Anónimo disse...

Acho que o homem tem razão no que diz: Júlio Pereira é, de facto, tipicamente português, não há igual no resto do mundo. Agora música erudita é mais ou menos igual em todo o mundo, para que é que se há-de gastar uma fortuna com portugueses quando se arranja bem mais barato?

Leocardo disse...

1º anónimo: seria ainda mais fácil se metade dos bilhetes não ficasse logo à disposição dos "amigos".

2º anónimo: Discordo com essa lógica; e porque não o Qukm Barreiros, mais típico e ainda mais barato? Como já disse não tenha nada contra o Júlio Pereira, mas essa do "typical" torna o trabalho mais fácil. É só trzer o mais "typical" de qualquer coisa. Para isso até eu sou director do FIM.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Mas o Leocardo tem de admitir que há uma grande diferença qualitativa entre Júlio Pereira e Quim Barreiros. E se o Júlio Pereira fica mais caro do que o Quim Barreiros, e mesmo assim é ele que vem, isso talvez prove que o tal director sabe distinguir o trigo do joio.

Leocardo disse...

Pode ser. Mas ao dizer que é "very typical", não fez lá um grande esforço. Achou que somos o país do cavaquinho, dos ranchos e do faduncho, e lá vai alho. A questão é: será Júlio Pereira o melhor que Warren Mok podia fazer? Ou foi um "toma lá um bilhete e anda cá para ver se os portugueses se calam?". Foi a aposta do FIM em Júlio Pereira uma aposta na qualidade ou uma noblesse oblige?