segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Macau: deserto cultural?


Macau é o deserto cultural da RP China. É uma frase que se tem ouvido vezes sem conta. Será mesmo verdade? Ao contrário da vizinha Hong Kong, que pulsa de excitação com todo o tipo de eventos culturais, não conseguimos trazer cá nada de interessante – ou poucas vezes conseguimos. Chovem críticas ao Instituto Cultural, que no fundo, faz o que pode. E quem faz o que pode, mais não deve. Os miliardários da Venetian teimam em trazer circos, Avril Lavigne e quejandos, o melhor é mesmo não contar com eles para salvar a honra do convento.

E porque é Macau um deserto cultural? Primeiro, e ao contrário de Hong Kong que sempre foi uma praça financeira de seis milhões de habitantes e cheio de gente rica e culta, Macau era um lugar militarizado, embrutecido, empobrecido, de meia dúzia de boas famílias e milhares de ‘coolies’. Enquanto no território vizinho se davam os “swinging sixties”, em Macau batia-se a pala, levantavam-se as posições fortificadas, enfim, era um marasmo sem igual. Parece que chegou a vir cá o Benfica e houve uma ou duas touradas.

Hoje em dia Macau mudou muito mas não melhorou muito no que toca à cultura. A população não se interessa pela cultura, pela arte e pelos artistas, considera os espectáculos “caros” (muito mais baratos que em Hong Kong, no entanto). Mas papa todos os que são de borla, mesmo que não seja do seu especial interesse. Uma das únicas excepções é talvez a ópera cantonense, em dias de festa. Ora ali perto do Templo de A-Má, ou perto do Mercado Municipal, uma manifestação genuína de cultura, se bem que fechada, limitada ao seu público.

Outra excepção é a “nossa” Festa da Lusofonia, realizada todos os anos ali no Largo do Carmo, onde vamos expressar a nossa “portugalidade” na forma de comes e bebes, matraquilhos e alegres cantorias, que atrai muita malta de Hong Kong, talvez com inveja de terem ficado de fora do pacote da “anglofonia”. Um exemplo ímpar de multiculturalidade, quem sabe único no mundo, e só possível em Macau pela força da tradição. Mas mesmo isto parece estar ameaçado, pois este ano correm rumores de falta de orçamento.

O problema principal passa pela educação. Os jovens em Macau têm uma enorme falta de cultura geral. Não sabem nada de História, não sabem localizar um país num mapa, enfim, sofrem do mesmo mal que alguns americanos, daqueles tipo Miss Carolina do Norte ou George W. Bush que fazem parte do anedotário mundial. Com a agravante de não se justificar tanto desinteresse pela cultura; Macau é um local privilegiado, onde não falta tempo, dinheiro e condições para que os mais jovens se ocupem da literatura, das artes, das ciências, e que estas sejam estimuladas.

Em vez disso foca-se a economia, os números, porque saber os países do hemisfério sul ou os trabalhos de Júlio Verne (deviam ser currículo obrigatório em qualquer país), não enche a barriga a ninguém. Mas a confiança nas instituições de ensino do território são o que são. Basta ver a quantidade de pais que mandam os seus filhos estudar para fora, e a quantidade de empresas que dão preferência a profissionais formados no estrangeiro.

Em Macau não existem cursos de medicina (a sério, o de medicina chinesa não conta), arquitectura, bioquímica, veterinária, nutrição, enfim, falta muita coisa. O investimento na educação nunca saíu do chão. A oferta de museus é anedótica para uma cidade que se diz do "secular encontro de culturas", e já está provado que a gastronomia é feita de restos. A formação dos dirigentes passa toda por imitar exemplos de Hong Kong ou Singapura. Não fossem as igrejas, o que tinhamos para oferecer aos turistas além do jogo?

Não quero acreditar que se tenha desistido de tudo isto. Macau tem uma história riquíssima de sobrevivência em todos os aspectos, é um lugar único no mundo, e foi isso mesmo que me fez ficar, a mim e muitos outros que podiam ter ido pastar para campos mais verdes. Só falta mesmo é vontade. A RAEM custa a arrancar no que toca à cultura e às artes criativas, mas quem sabe vamos encontrar o oásis.

11 comentários:

Anónimo disse...

nao é verdade que as pessoas nao se interessam pela cultura.
muitos espectaculos que eu vejo no centro cultural tem uma moldura humana bastante razoavel.
e nao desdenho aquilo que o venetian ou o winn tem trazido a macau.
alguma vez seria possivel trazer a celine dion ou o cats se nao fossem eles?
o problema é que macau é uma cidade pequena, nao se podem fazer comparaçoes com hk.
aliás a vida cultural de hk, para uma cidade com a sua pujança económica, nao é nada de especial.
lisboa tem uma vida cultural incomparavelmente mais interessante que hk.

Leocardo disse...

Claro que não se pode tomar a árvore pela floresta, mas do meu ponto de vista, acho que as pessoas não se interessam pela cultura. Ou melhor: não se interessam em pagar pela cultura, e a cultura custa dinheiro, e como se sabe, se não há dinheiro, não há palhaços.

Referiu o caso da Celine Dion (gostos são gostos...) e do Cats (idem, idem, aspas, aspas) ou do Sound of Music, mas essas são excepções ao horror das Pussycat Dolls, Beyoncé ou da Avril Lavigne (e mesmo assim esses concertos não passam de uma hora, são 'rapidinhas'). Ou seja, so tão raros que são notícia.

Quanto à questão da vida cultural de HK ser inferior à de, por exemplo, Lisboa, sem dúvida (e mesmo assim Portugal só começou a ser rota dos grandes eventos culturais nos últimos anos), mas no contexto geográfico regional, Macau ainda está muito atrás da RAEHK.

Em todo o caso, não perco a esperança. Existem condições para melhorar, e para que não tenhamos artistas a pedinchar, como acontece agora, e outros a virar as costas e dizer "Macau nunca mais", como já aconteceu vastas vezes.

Obrigado pelo seu comentário, e abraço.

Anónimo disse...

Não é que conheça muitos macaenses (mesmo macaenses), mas os que conheço ou que ouvi aqui e ali parecem-me, de uma maneira geral, cultos que baste. São é cada vez menos. A maioria da população é chinesa e, desses, uma grandíssima parte só está em Macau por causa das oportunidades que não têm do outro lado da fronteira. Ou seja, afectivamente, nada os liga a Macau e a sua mentalidade fechada a tudo o que não é chinês não ajuda a combater a ignorância. No que diz respeito a ignorância, portanto, não me parece que seja um problema de Macau, mas da China. Só que se reflecte aqui.

Quanto à falta de oferta cultural, parece-me que o anónimo anterior tem razão: num território deste tamanho era difícil que fosse melhor.

Anónimo disse...

Oferta cultural com este tamanho ridículo !!!
Ouçam as notícias. Tudo me parece ridículo. Essa Avril Lavigne, de que ouvi falar pela primeira vez, está à altura de Macau. Quando o Nelson Ned, um anão brasileiro, foi a Luanda uns anos anos do 25 de Abril, foi um êxito enorme. Estava de acordo com o nível cultural dos brancos angolanos.

Anónimo disse...

Nao é por comparar, mas quantas bandas de musica ha em Macau, quantos jovens se interessam pela criaçao musical, literaria, plastica em Macau? Isso é o que faz crescer a cultura num territorio, nao os concertos, etc.

Anónimo disse...

A nível musical só vem cá parar o lixo da MTV.

Anónimo disse...

Festa da Lusofonia é o expoente máximo da cultura portuguesa na ásia.
é a cultura do garrafão de 5 litros e da sardinha assada, depois só falta o quim barreiros para a festa ser beleza.

Anónimo disse...

"O Instituto Inter-Universitário de Macau (IIUM) vai lançar a licenciatura de Arquitectura(...)a estratégia do estabelecimento de ensino superior é o investimento na área da Saúde, lançando cursos de Enfermagem, Medicina e Biomédica"in Hoje macau 11-9-08

Anónimo disse...

Não me parece que as ofertas do Venetian sejam assim tão más, a começar pelo fantástico Cirque du Soleil. Quanto ao concerto da Avril Lavigne foi de facto triste ter durado só 1h mas eu pessoalmente gosto da maior parte das músicas. Tal como gosto por exemplo de Maria João e Mário Laginha. Ou de Marisa. Ou dos Madredeus. Etc. Diversidade é o que se quer.

VICI disse...

Ao anónimo das 13:09, por acaso conhece algum branco Angolano? Sabe sequer o que está a afirmar?

Anónimo disse...

Eu não sou o anónimo das 13.09, mas por acaso até conheço alguns brancos angolanos. Talvez o mais conhecido seja o escritor José Luandino Vieira, só para dar um exemplo.