Macau das comunidades (revisto)

Durante uma limpeza à estante de livros, dei com “Porto Interior”, de Carlos Morais José (edição do autor), uma colectânea de crónicas escritas para o semanário Tribuna de Macau (quem diria…), que tive o prazer de reler rapidamente (cento e poucas páginas…). Uma passagem despertou-me, no entanto, a curiosidade. Do capítulo Macau das Comunidades (p.39) o nosso CMJ diz:

"Veja-se o caso da comunidade tailandesa (…) num espaço de tempo relativamente curto, começamos a ver cada vez mais letreiros escritos em tailandês, a notar constantemente a sua presença junto das outras comunidades e uma disseminação alarmante dos costumes (…) Não é de excluir uma importante influência tailandesa no futuro de Macau (…) Sem grande alarido, a comunidade tailandesa poderá influenciar, de perto, o desenrolar da vida política e económica do território, ainda que em privado, de forma esporádica e contingente."

É curioso que passados tantos anos, quase 20, a previsão de CMJ (bem como a de muito boa gente) não se tenha concretizado. Nos finais dos anos 80 e inícios dos anos 90 os tailandeses (e as tailandesas, principalemente) eram “moda”. Mas como todas as modas, também passam. O número de tailandeses é reduzido, fecharam-se os cabeleireiros, os restaurantes cingem-se a pequenas tascas, e mesmo o sobrevivente Kruatheque não tem o mesmo fulgor de outros tempos. A Rua Abreu Nunes, que outrora pulsava de luz e cor a qualquer hora do dia, é hoje cinzenta, triste e deprimida. Talvez isto se deva ao carácter quase impenetrável dos tailandeses, à capacidade de se adaptarem a Macau melhor do que fazer com que Macau se adapte a eles. Por exemplo vive no meu prédio uma senhora tailandesa que casou com um residente e tornou-se…chinesa de Macau.

No entanto, vejamos o que CMJ dizia da comunidade Filipina no território:

"Já a comunidade Filipina desempenha um papel mais subterrâneo, talvez mais sinistro. Tão unida como a tailandesa, mas mais discreta, são uma comunidade ambígua, a começar pela mania de quererem ser os latinos da Ásia, o que não deixa de ter a sua graça (…) Prevê-se uma queda rápida da sua influência com a saída da comunidade portuguesa."

Com os Filipinos deu-se exactamente o oposto. Os Filipinos reeinventaram-se depois do fim da Administração Portuguesa. Pode mesmo dizer-se que os portugueses atrofiavam a sua ambição, limitando-os a exercerem profissões de empregadas domésticas, seguranças ou músicos. Hoje são praticamente tudo, até comerciantes. Quem passar pela Rua da Alfândega, atrás da Av. Almeida Ribeiro, percebe a enorme expansão que a comunidade teve. Restaurantes, padarias, mercearias, cyber-cafés, cabeleireiros e salões de beleza, tudo. Eram pouco mais de cinco mil há 10 anos, hoje são quase doze mil (dezassete, se contarmos cidadãos de ascendência Filipina). São a terceira maior comunidade em Macau. E agora até já têm um cônsul-geral, coisa impensável até há alguns anos. Se pudessem votar teríamos muito provavelmente um deputado Filipino na AL. Se são mesmo os latinos da Ásia. Talvez. São um povo musical e festivo. Fazem-me lembrar um pouco os mexicanos, e no fundo não são muito diferentes de nós portugueses. Com os mesmo muitos pequenos defeitos e a virtudes, poucas mas grandes, do tamanho do mundo. Só que em macau tiveram que lutar, enquanto nos fomos acomodando.