Maldita melamina

A vida não anda fácil para os hipocondríacos. O escândalo da melamina no leite - um químico usado na produção de placas e plásticos - atingiu as regiões administrativas especiais de Macau e Hong Kong. Na China continental quatro bebés morreram e mais de 6 mil estão internados devido ao consumo de leite que contém o produto. Muitos têm cálculos renais e correm perigo de vida, o governo accionou um plano de emergência. Este é caso de falta de escrúpulos sem precedentes. Brincar com a vida de crianças inocentes só para obter um pouco mais de lucro? A situação não é nova. Há alguns anos um fabricante de pevides de melancia utilizou um lubrificante industrial para dar "mais brilho" ao seu produto. O seu próprio filho foi vítima da sua ganância, e sofreu uma trombose devido ao excessivo consumo do produto. Como é poética a justiça, às vezes...

Em Macau e Hong Kong vários produtos da marca mongol Yili - bastante popular na região - foram retirados do mercado por conterem vestigíos do produto. Não só leite, mas também iogurtes, gelados e refrigerantes. Curiosamente a minha filha afirmou quando viu na TV o produto: "eu gosto deste leite". Expliquei-lhe pacientemente que não podia mais bebê-lo. Isto é terrível para um pai e trágico para o consumidor, saber que foi enganado e que brincaram com a sua saúde, e a dos seus. E o pior é que estes gajos ainda se deram ao luxo de se afirmarem "bebida oficial dos Jogos Olímpicos de Pequim". Já o meu filho, como só gosta de leite com chocolate, mantém-se fiel à marca Mimosa e Dairy Farm.

A notícia da contaminação por este químico até agora desconhecido (menos pelos profissionais da produção de plásticos, no mínimo) teve um impacto imediato. Esta tarde eram vários os supermercados onde os consumidores verificavam a origem do leite. As marcas australianas têm vendido bastante bem, e alguns cidadãos da China continental vêm a Macau e Hong Kong comprar leite em pó nas farmácias. O conselho de consumidores já veio afirmar que se mantém atento aos preços, de modo a evitar a habitual especulação nestes casos. A Educação adiou o programa de distribuição de leite gratuito nas escolas e o Estabelecimento Prisional de Macau trocou o leite que estava a distribuír pelos reclusos.

Esta situação vem reavivar o estigma dos produtos produzidos na China. A minha mulher anda cheia de razão estes dias (as mulheres adoram ter razão), uma vez que sempre desconfiou do que é feito do outro lado das Portas do Cerco. Para mim, que considero que o conceito de que "tudo o que vem da China é mau" é exagerado, é uma enorme desilusão. Alguns vão deixar de comprar produtos chineses, e os mais radicais podem mesmo deixar de beber leite. E como dizia o outro, leite é juventude.

A economia do país do meio vai ficar afectada. A notícia do leite contaminado já correu mundo. De tudo, foram logo brincar com o leite. Com o leite e a água, e porque não dizê-lo, com o que se mete no "bucho" não se brinca. Mais uma vez se levanta a questão do controlo de qualidade, ou melhor, o da falta dele. No seu artigo semanal no Hoje Macau, Pinto Fernandes sugeriu que os responsáveis por esta brincadeira fossem condenados a beber o leite contaminado. Parece-me bem, qual Sócrates condenado a beber a cicuta, só que sem o génio ou a graça do filósofo grego.

Razões para desconfiar de tudo ou mesmo entrar em pânico? Muitas. Os avisos foram dados no passado pela gripe aviária, a crise da carne de porco ou a tal bactéria encontrada nos tanques das enguias. Isto para não falar da salinidade. Tudo o que se consome nos mercados de Macau, desde vegetais, carne, peixe e ovos vem da China. Como se sabe os chineses pelam-se pela frescura dos produtos que consomem, e não estão habituados à carne congelada, por exemplo. É caso para dizer que estão muito mal habituados...