Amanhã há escola

O primeiro dia de aulas traz-me sempre recordações aprazíveis. Esta costumava ser a minha época favorita do ano. No início de Setembro já os pais tinham voltado ao trabalho, os dias ficavam menos quentes, os amigos regressavam. Acordava sempre por volta das 10 da manhã, onde o calor brando se misturava com o gentil cheiro a madeira acabadinha de cortar da serralharia mesmo por baixo de casa.

Dava uma volta pelo parque onde os aspersores regavam a relva já sem a mesma fúria dos dias mais quentes de Agosto. Almoçava sempre hamburguers ou cachorros com batatas fritas, passava as tardes a jogar snooker com os amigos. Jantava cedo e passeava com a namorada aproveitando os últimos raios de sol. Bebíamos um café na esplanada, ainda de manga curta e calções. Era o tempo das últimas noitadas, dos últimos filmes alugados no Videomania, dos primeiros discos do ano.

Depois era a excitação da primeira ida à escola, ver as turmas, quem ficou com quem, os horários, contar quantas tardes livres ia ter por semana (as aulas à tarde eram sempre as mais chatinhas). Naquele tempo as aulas começavam no início de Outubro ou finais de Setembro. Hoje em dia começam logo nos primeiros dias de Setembro. Vêem os miúdos da praia, e ainda sem tempo para assentar o bronzeado, já estão nos bancos da escola. Não que os currículos ou seja lá que desculpa arranjaram para esta pressa toda tenham melhorado. Nada disso. Não sei se é por estar a ficar velho, mas para mim os livros escolares andam cada vez mais cheios de disparates.

Na noite anterior ao primeiro dia dormia-se sempre mal, mas acordava-se cedo. Era sempre um dia descontraído, com as apresentações, os professores que faltavam, os primeiros furos. Revíamos os colegas, contávamos as aventuras do Verão ido, suspirávamos com a promessa de mais um ano juntos. Alguns, os mais matulões, vinham mal dispostos, aos pontapés nas pedras, a murmurar “porcaria de escola”. Hoje são uns infelizes que colocam etiquetas nos produtos dos supermercados, varrem a rua ou carregam bilhas de gás. Coitados.

Como tenho pena dos professores a quem pregávamos partidas, alguns dos quais fazíamos a vida negra. Se pudesse hoje pedia-lhes desculpa. Uns mestres, uns poços de sabedoria, pagos para aturar os filhos dos outros. Só quem está na sua posição pode perceber bem o que isso é. Quase me sinto arrepiado quando penso nos jovens de hoje que se queixam das aulas de compensação em que têm que "aturar os professores". Quem atura quem, afinal?

Depois a cantina da escola. Uma maravilha. Um almoço composto sempre de sopa, um prato de carne ou peixe, e fruta ou sobremesa, ao preço de cem paus ou lá o que era. Hoje em dia penso que era quase dado. os que se queixavam do peixe cozido ou das iscas com elas (como é possível não gostar de iscas?) deviam saber o que era passar fome a sério.

Como tratava bem de nós, o ensino público. Era tão feliz nesse tempo, tinha praticamente tudo e ainda me queixava da vida. Aproveitem o primeiro dia de aulas, jovens. Sobretudo aproveitem a escola, que é um tempo que, por muito que queiram, nunca mais vai voltar.