quarta-feira, 7 de maio de 2008

Em casa onde não há pão...


Os ânimos estiveram quentes ontem na AL, quando o deputado Au Kam San denunciava a situação precária dos trabalhadores residentes de sectores como a hotelaria ou a construção civil, e acusou o Governo de nada fazer pelos trabalhadores locais. Os números falam por si, e existem cerca de 80 mil trabalhadores não residentes, e com a tendência para o aumento da mão-de-obra importada, tudo indica que esse número possa atingir em breve os cem mil, ou seja, um quinto da população do território.

Se a lei laboral é injusta? Claro que é. Se há trabalhadores despedidos por se recusarem a trabalhar em condições quase desumanas e às vezes escravas? Há, pois. Se existem 16 mil trabalhadores a auferir vencimentos inferiores ao índice mínimo de sobrevivência? Concerteza. Mas tendo em conta que a maior parte do hemiciclo é constituído por elementos com ligações ao ramo da construção, do jogo, ou de ambos, Au Kam San estava a falar para quem? Não me surpreende que se tenham rido baixinho quando o deputado do NMD fez os seus apelos mais inflamados, o que me surpreende é que não o tenham mandado calar-se.

Uma das principais reivindicações é o salário mínimo. Macau deve ser uma das poucas democracias do mundo, senão a única, onde não está fixado um salário mínimo, ou seja, não existe uma regra do jogo que possa funcionar a favor dos trabalhadores. Os empregadores pagam o que querem, quando querem, e se não estiverem contentes com isso há sempre uma mina de trabalhadores ali do outro lado das Portas do Cerco que não se importa de trabalhar quase de graça. As grandes empresas usam a lei em seu proveito próprio, contratam trabalhadores ilegais (que recebem menos que os legais, naturalmente) e quando são apanhados pagam uma multa e volta tudo à estaca zero.

Aliás, assim como em qualquer parte do mundo onde a questão da mão-de-obra estrangeira é um problema, se os empregadores fossem obrigados a pagar o mesmo a residentes e não-residentes, essa questão nem se levantava, pois iam obviamente preferir os trabalhadores locais. No actual estado de coisas mandam embora alguém que trabalha por dois pacotes de amendoins para contratar alguém que trabalhe apenas por um pacote. Isto dos amendoins pode parecer um exagero, mas conhecendo a situação (ainda) vivida na China continental, onde uma empregada de mesa ganha menos de 1000 patacas mensais, não se pode dizer que os níveis de exigência sejam assim tão elevados.

No ultimo dia 1 de Maio, durante a tal manifestação que não contou com a presença de algumas associações (nomeadamente a Associação de Operários) que ficaram sentadas nas mãos a fazer contas ao lai si do Governo em vez de se fazerem ouvir, alguém exibiu um cartaz racista, onde se lia “Filipinos and Indonesians out”. A questão do racismo é antiga (basta lembrar este artigo e ainda este outro), mas o que mais me faz confusão não é isso, mas o pouco sentido que o cartaz faz, como se o mal de desemprego fosse da responsabilidade destas duas nacionalidades.

Senão vejamos, os Filipinos, por exemplo, que são hoje no território muitos mais do que no tempo da Administração Portuguesa (perto de dez mil actualmente), não andam nas obras nem nas fábricas a tirar o pão da boca aos operários. Fazem trabalhos que mais ninguém quer fazer; são seguranças (e para tal o apuro físico é essencial), são empregadas domésticas que cozinham, limpam, passam a ferro, trocam as fraldas dos jovens residentes e cuidam dos velhos, funções para as quais as indonésias começaram recentemente a surgir no mercado. São um luxo, portanto. Isto para não falar dos quadros superiores que vêm das Filipinas para alguns casinos do território.

E falando em trabalhadores residentes e filipinos, permitam-me que partilhe convosco uma pequena história: em 2001 mudei de casa e contratei os serviços de uma empresa de mudanças que contratava trabalhadores residentes no desemprego. Foram malcriados, exigiram mais dinheiro que o combinado, e achavam sempre o trabalho "muito pesado". Em 2006 fiz umas pequenas obras e arranjei dois filipinos que me fizeram o trabalho com todo o gosto e por quase metade do preço. Uma questão de vontade?

9 comentários:

Anónimo disse...

Caro Leocardo,

Aconselho-o a ter presente o sentido etimológico da palavra "democracia" ("poder do povo") antes de dizer que Macau é uma democracia.

Leocardo disse...

Diz que é uma espécie de democracia. Detalhes à parte...

Anónimo disse...

Exacto. O problema de Macau é ter chineses a mais, não é filipinos nem indonésios. Aliás, destes últimos até devia era haver mais, que Macau só tinha a ganhar com isso.

Anónimo disse...

Chineses a mais? Então mas eu pensava que Macau era China... querem lá ver que tenho andado equivocada!

Unknown disse...

proteger os trabalhadores filipinas...é igual a racismo contras as outras nacionalidades

Anónimo disse...

Pretendo contratar um(a) residente para trabalhar como assistente. Precisa apenas de saber cantonense e inglês e utilizar o computador. Será uma condição preferencial que não se ponha com ideias de mudar de emprego ao fim de 2 meses. Nada de especial portanto.

Uma vez que esta tentativa de contratação já dura desde Setembro de 2007 e como não consigo encontrar alternativas vou telefonar ao Ao Kam San para que ele me indique um ou dois nomes para esta posição e assim se possam proteger os residentes...a menos que ele não conheça ninguém e esteja apenas a reproduzir a cassete.

Anónimo disse...

Maria: Macau é China e não é. A partir do momento em que se trata de uma RAE com leis próprias, que até fronteira com a China tem, um chinês do outro lado da fronteira é tanto de fora como alguém de outra qualquer nacionalidade. Em Macau não se põe a questão da nacionalidade, põe-se a questão da residência (embora para chineses e portugueses esta seja mais fácil de obter).

Anónimo disse...

Anónimo das 4:16,
Onde aprendeu a escrever tanto e não explicar nada?
Maria, ficou esclarecida ?
Samuel

Anónimo disse...

Samuel: Se não consegue perceber a má explicação do anónimo anterior, por que não explica você à Maria? Parece-me que está a perder uma boa oportunidade para mostrar a sua capacidade de síntese.