terça-feira, 27 de maio de 2008

Perder cansa


Segui com atenção a edição de ontem do TDM Desporto, em que foi convidado Rui Cardoso, o José Mourinho de Macau (no bom sentido), a propósito da conquista do título do campeonato de futebol da III Divisão pelo FC Porto de Macau. Rui Cardoso, benfiquista radicado no território há mais de duas décadas, tem sido a face do semi-profissionalismo do futebol do território,e quem melhor que ele para falar da situação lamentável em que se encontra não só o campeonato local, mas também o sector de formação.

Ao que parece a prática do desporto em Macau é encorajada, sim senhor, mas desde que não se leve a sério. Já falei aqui da ténue linha que, de acordo com as cabecinhas pensadoras em Macau, separa a prática do desporto da queda no abismo da droga. Até aqui tudo bem, só que caso um jovem tenha o azar de pensar em fazer do desporto a sua profissão, o melhor mesmo é que se torne professor de educação física, caso contrário, acaba no desemprego.

Quando cheguei a Macau existia um campeonato de futebol mais ou menos bem organizado, onde pontificavam muitos portugueses, incluíndo, é claro, o próprio Rui Cardoso. Se bem me lembro a PSP ganhou o campeonato nesse ano, no ano seguinte foi o Leng Ngan, e depois o Negro Rubro. Eram os tempos de jogadores como Palecas, Pereirinha, Peixoto, Francisco Rodrigues, Dédé, Mandinho, Carlos Alberto, entre outros. A selecção de Macau confundia-se então com o clube campeão, que era normalmente a espinha dorsal da selecção macaense, e chegava-se a assistir a jogos com alguma qualidade, e mais importante que isso, espectadores nas bancadas.

Hoje o campeonato de futebol é uma farsa, meia dúzia de espectadores nas bancadas, jogos deprimentes entre equipas que não treinam, arbitragens toscas e um desinteresse gritante. Que os jogos se realizem no estádio de Macau é um desperdício de luz e de relva. A nível internacional a selecção de Macau não existe, joga duas ou três vezes por ano, e os jogadores convocados dependem ainda do absurdo das dispensas dos respectivos serviços. Vastas vezes a desculpa de que Macau "perde por muitos" é razão para que se baixem os braços e se encolham os ombros, que se desista de melhorar.

Rui Cardoso tem sublinhado o facto de não existirem campeonatos jovens, de sub-14, sub-16 e sub-18, o que significa que os novos talentos que vão despontando não têm oportunidade de evoluir, e vêem esse mesmo potencial talento estrangulado na fonte. Digam o que disserem, pelo menos durante o tempo da administração portuguesa esses campeonatos eram, bem ou mal, organizados. E agora que existe um manancial de estádios e equipamentos desportivos de qualidade, graças aos muitos milhões investidos por esta administração qual é a desculpa? Que é preciso não mexer para não estragar? Não toques que desafinas?

Não surpreende o desabafo do ex-treinador Masanaga quando diz que "quem se interessava pelo futebol foi embora", ou o pragmatismo de Rui Cardoso ao considerar que nem o melhor treinador do mundo conseguia fazer qualquer coisa pelo futebol de Macau. Eu diria mais: qualquer treinador que eventualmente se cansa de perder ou de remar contra a maré, depressa desiste.

Só em nota de rodapé, parabéns à equipa do FC Porto de Macau. Não é nem nunca foi fácil a uma equipa “portuguesa” triunfar nos campeonatos de Macau. Ora são as arbitragens, ou as jogadas de bastidores, e todas as tricas que muitas vezes acabam com aquelas bocas do tipo "voltem para Portugal". Ossos do ofício.

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