quinta-feira, 29 de maio de 2008

Fogo fátuo


O assessor da secretaria para a Segurança, Luciano Correia de Oliveira, afirmou ontem numa palestra sobre a qualidade da acção policial que "o uso da arma de fogo por parte dos agentes da autoridade só deve ser feito em último recurso". Aquele jurista afirma ainda que o polícia que disparou os cinco tiros para o ar na manifestação do 1 de Maio do ano passado não deve ser punido, e que o número de situações que os agentes em Macau recorreram ao uso de armas de fogo é insignificante em relação a outros países, até mesmo Portugal.

Permitam-me rejeitar esta última análise. Será que nos devemos dar por satisfeitos por não ter agentes da autoridade a abrir fogo a torto e a direito? Se por acaso Macau se pode orgulhar dos baixos números da criminalidade violenta em que seja necessário o uso da pistola, o ideal seria que o número de casos em que se utiliza esse recurso fosse zero. Devíamos estar a olhar para cima, e depois que se definisse uma vez por todas em que situações os agentes da autoridade devem usar a arma de fogo.

Para quem não se recorda, no dia 1 de Maio de 2007 um agente da PSP disparou cinco tiros para o ar durante uma manifestação de trabalhadores, alegadamente para proteger uma idosa que se encontrava na frente do grupo, e que tinha caído. O caso foi muito comentado nos dias e meses que se seguiram, e as autoridades defenderam desde o início a acção do agente em causa, como seria de esperar, considerando o comportamento correcto.

O incidente dividiu opiniões. Houve quem achasse mal, houve quem achasse que o comportamento foi adequado, dada a situação. Eu já deixei aqui claro que não concordo com as acções do agente, mas digamos por um minuto que foi adequado. Mas...cinco tiros? Cinco? Não seriam um ou dois mais que suficientes? Uma das balas atingiu um motociclista que se encontrava a 300 metros do local, um misterioso sr. Leong, de que nada se sabe, a não ser que foi operado de emergência nessa mesma tarde.

E por onde anda o agente que efectuou os disparos? Será que mais alguém o viu? Alguém sabe dele? Por onde anda? Será que não tem o direito de ser ouvido e achado neste caso? De contar a sua versão dos acontecimentos? Se agiu bem, então nada terá significado para a sua carreira ou para a sua vida quotidiana. Ou será mais um caso de "fechar na gaveta" para proteger dos elementos externos?

Não é correcto nem necessário que se aplique um castigo exemplar ao agente. Uma mera repreensão verbal seria suficiente. Agora fincar o pé e insistir na tese de que "foi bem feito", é teimosia. Teimosia que aliás só serve para consumo interno, uma vez que nem estes responsáveis acreditam no que dizem. Se tivesse sido mesmo "bem feito" teria sido aberto um precedente perigosíssimo, e já se tinham sucedido outros casos de disparos por agentes da autoridade por dá cá aquela palha. Era bom que se repensasse a versão oficial, para que não restassem dúvidas.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sigo com muita atenção o Blogue. Excelente, prudente e de "romper"quando é preciso!Os meus parabéns. Bom, sobre o Uso de Armas de Fogo, na qualidade de autor da palestra que se inseriu num seminário relacionado com a Qualidade Policial ( Boas práticas policiais) gostaria, , de dizer o seguinte: Nao foi por mim afirmado, aliàs a notícia, penso, também nao o refer,que o Agente agiu correctamente. O que eu afirmei foi que o agente NAO DEVERIA SER PUNIDO. Afirmei-o, desde o inicio, contra muitas correntes,algumas delas até de natureza "corporativa", o que me surpreendeu pela falta de solidariedade. Da actuação incorrecta até à infracção disciplinar vai algum caminho!Estamos no domínio dos comportamentos negligentes,ou meramente culposos em que aquilo que se censura é um determinado grau de culpa,diferente do dolo.Punir alguém que, em stress agravado, perante um clima de alta agressividade ( visível na foto publicada pelo Hoje Macau) e descontrolo emocional dos manifestantes,na qualidade de agente policial, apenas pretendia manter, legitimado por ordens e determinações do Governo de Macau, a ordem, missão para que fora mandatado, sob pena, isso sim, de, em caso de omissão,ser censurado disciplinarmente, recorreu à arma de fogo para “sinalizar”a sua autoridade, em atitude de “aviso prévio”, procedimento a que, estatutariamente, está obrigado, parece-me pouco justo e muito menos ajuizado!
Coincidentemente com os factos, alguém foi atingido por um projéctil que se presume ser oriundo de um dos seus disparos!aconteceu a 300 metros do local! Estou seguro que a distância percorrida, nao dependeu da força como o agente premiu o gatilho...a inércia conduziu o projéctil a um destino nao querido para infelicidade do seu autor e da vítima ( a opinião pública parece ter ficado, aliás muito mais preocupada do que esta, que presumo ser pessoa de carácter!!).O agente agiu no cumprimento da sua missão, nao se podendo estabelecer um nexo de intencionalidade entre o disparo e o ferimento. Nao é razoável nem expectável que tal aconteça. A experiência dita esta minha conclusão!então porque responsabilizar o agente? Nao significa isto que o dano nao possa ser indemnizável, que o conceito operacional patente no momento dos factos nao possa merecer algum reparo ( faço-o, ao nível doutrinário e batendo no peito em mea culpa, porquanto a matriz da nossa Policia é portuguesa, quando outras há que privilegiam policiamentos desarmados, sem prejuizo de apoios fortes na rectaguarda), mas seguramente a justiça relativa ensina-me que aquele agente policial agiu no cumprimento do dever e, castigá-lo, era fazer dele bode expiatório de eventuais erros( eventualmente dos proprios manifestantes e/ou seus promotoroes)que , em bom rigor , nao cometeu!

Leocardo disse...

Muitíssimo obrigado, em primeiro lugar pela atenção que presta a este espaço, e depois pela sua opinião de perito, que não só é posta de forma bastante esclarecedora e diplomática, mas é também muito bem vinda.

Repare que quando digo no primeiro parágrafo que "Aquele jurista afirma ainda que o polícia que disparou os cinco tiros para o ar na manifestação do 1 de Maio do ano passado não deve ser punido", não digo nem sequer insinuo que o sr. dr. terá dito ou sequer pensado que o agente agiu correctamente.

É natural que numa cidade pacífica como Macau, em que os tiros foram associados em tempos a um certo tipo de criminalidade, a opinião pública não tome de ânimo leve o facto de um agente da autoridade ter disparado cinco tiros para o ar numa manifestação do 1º de Maio. Convenhamos que não é algo normal, e só é compreensível e natural que se comente.

E faço questão de sublinhar que nem eu acho que o agente deve ser punido. Uma mera repreensão verbal seria suficiente, mas quando as autoridades insistem na versão de que a acção do agente foi "adequada", fica difícil saber em que circunstâncias se pode utilizar a arma de fogo.

Mais uma vez obrigado, e parabéns pela palestra. É a falar que a gente se entende.

Cumprimentos

jose luciano disse...

hSim! Nao ponho nem pus em causa a seriedade do seu comentário. Felizmente, para mim, também as noticias consequentes da palestra foram rigorosas!
Será com todo o gosto que lhe enviarei, brevemente, o texto que serviu de base à palestra! por esta via...

Nota: Verifico varias gralhas no meu comentario...num Blogue tao asseado como o que gere, fica muito mal!Do facto e do pouco cuidado me penitencio,,,
Cumprimentos