quarta-feira, 7 de maio de 2008

Outra vez a língua


Leio na edição de hoje do Hoje Macau uma carta ao Director de um leitor identificado que exprime a sua angústia pelo facto da actual Administração “não querer saber da lingua portuguesa”, um problema que não é de ontem, e de como é difícil a um falante de português conseguir um emprego nessa mesma Administração, e de como o melhor mesmo é fazer com que os miúdos estudem nas escolas chinesas ou internacionais, de modo a dominar a lingua chinesa e salvaguardar o seu futuro.

Tem toda a razão o leitor, esta Administração tem dispensado a lingua portuguesa em tudo o que importa, sejam eventos internacionais, concursos públicos, ou até em algumas circulares e ofícios que passam nos serviços públicos. Mas a questão é esta: será mesmo por má vontade? Ou será que em vez de aguardar que se cumpra escrupolosamente o protocolo a Administração faz antes uma fuga para a frente e ignora a pequena percentagem da população que ainda se exprime em português?

Parece óbvio que a Administração, que é chinesa, não privilegie os falantes do português, mas também não é menos verdade que o bilinguismo é uma condição muito apreciada, e preferida, até. Basta ver a quantidade de académicos que reiteram que “um chinês que saiba português tem sempre emprego em Macau”. Não podemos é no entanto esquecer que vivemos em democracia, e sendo que a esmagadora maioria da população não domina a lingua de Camões (mas estava receptiva a aprende-la, se tivesse tido a oportunidade), está-se nas tintas para o cumprimento ou não dos acordos que estabelecem as duas línguas oficiais.

É claro que respeito a opção daquele leitor, mas sendo eu português e o meu filho também, apesar de mestiço e nascido em Macau, só vejo o ensino em português como alternativa plausível. Não acredito muito no ensino em chinês que se ministra no território, que privilegia o raciocínio lógico em deterimento do abstracto, que leva a que os miúdos sejam uns geniozinhos do cálculo, mas não consigam apontar um país no mapa, ou profiram alarvidades, como ouvi no outro dia um dizer, que no Canadá se falava “canadiano”. E assim como muitos outros portugueses da classe média, não tenho condições financeiras para inscrever os meus filhos nas carérrimas escolas internacionais que por aí andam.

Não sou apologista do conceito de que “se não souber falar chinês não tem emprego”. O simples facto de se saber uma lingua não é suficiente para conseguir um bom emprego. É bem possível que no futuro Mercado de trabalho seja cada vez mais vedado o acesso aos falantes do português, mas isso não os impede que aprendam, além da lingua materna, o chinês, de modo a que fiquem em pé de igualdade com a competição, e até em vantagem por saberem outro idioma além do predominante. E isto até pode parecer surpresa para muitos, mas há muito boa gente que apesar de não saber uma palavra de chinês tem empregos muito bem pagos. É tudo uma questão de talento, oportunidade, e porque não, sorte.

A tendência generalizada entre os macaenses e mesmo alguns portugueses nos anos seguintes à transferência de soberania (e mesmo antes, para quem sabia que ia ficar) foi de inscrever os seus filhos, que têm quase todos nomes e apelidos portugueses, no ensino em lingua veicular chinesa, de forma a garantir o seu futuro a longo prazo. Não os censuro, mas é natural que este virar de costas ao Português faça com que a importância do idioma se esbata, para que perca força, até que para tal o cada vez menor número de alunos inscritos na EPM não ajuda.

Se fomos nós próprios a virar as costas à nossa lingua, o que podemos esperar da Administração? Que nos venha implorar que não a deixemos, caso contrário dissipa-se? Se fomos nós mesmos a virar-lhe as costas, naquilo a que chamamos “pragmatismo” mas eu prefiro chamar “derrotismo”. Como já cheguei a referir neste espaço, nem foi necessário que a China se obstasse ao Português como uma das línguas oficiais; nós próprios tratariamos de a fazer desaparecer.

O que teria sido do nosso Império se nos limitassemos a navegar nas tranquilas águas do Atlântico e chegar à costa da África Ocidental e do Brasil onde os nativos se rendiam sem luta? Também foi preciso dar um salto no escuro e enfrentar os piratas na Índia e na China, de aparência atroz de espadas nas mãos e faca nos dentes. Nada disto foi conseguido sem esforço, e se for para virar as costas, que seja eu um dos últimos.

9 comentários:

Anónimo disse...

A maioria da população estava receptiva a aprender português? Acho que a maioria da população não está receptiva é a aprender coisa nenhuma, muito menos línguas. Quanto a Portugal, restam alguns portugueses, que os que mandam lá na choldra já há muito viraram costas a tudo o que não lhes cheire a europeu e de consciência histórica não têm nem um bocadinho. É um país que tem quase tantos nacionais fora como em Portugal, mas que se está nas tintas para tudo. Se não fosse o Brasil, o português já estava em vias de ser uma língua morta.

C disse...

Caro Leocardo,

Concordo com a maioria do que foi exposto, contudo queria só recordar que:

"Não podemos é no entanto esquecer que vivemos em democracia"

Referiu-se à Democracia Popular ou à Democracia Liberal?

Se for relativa à primeira, chamemos-lhe de totalitarismo, em que a sua afirmação "e sendo que a esmagadora maioria da população não domina a lingua de Camões (mas estava receptiva a aprende-la, se tivesse tido a oportunidade), está-se nas tintas para o cumprimento ou não dos acordos que estabelecem as duas línguas oficiais." assentar-se-ia perfeitamente à ideia que nem uma luva.

Mas

se se referiu à Democracia de moldes Ocidentais (Europeus Britânicos ou Norte-Americanos) é a Liberal como sabe, e as minorias têm os seus Direitos, a sua igualdade de oportunidades, os seus interesses salvaguardados, sem o perigo do "esmagamento" pela maioria.

Neste sentido, creio que se referia ao sistema de Macau como a mais próxima da Democracia Liberal, legada por Portugal, e pelo que foi exposto por si, conclúo que apontou claramente falhas da Administração ou pelo menos das chefias médias, que por vezes poderão estar confiadas aos zelotas, como em qualquer parte do mundo...

Em termos pragmáticos e à chinesa, enquanto a China tiver interesse no espaço geográfico de fala portuguesa e com petróleo e outros recursos importantes ao desenvolvimento, interessa manter na Administração a colaboração da comunidade estrangeira que é a portuguesa. Posso até ser criticado por certa arrogância ao afirmar o seguinte, ainda são os portugueses que "seguram" o bom funcionamento das instituições na RAEM. Uma vez que o ponto fraco dos novíssimos chefes é o medo de assunção de responsabilidades, responsabilidades essas que rapidamente analisadas e sem tergiversações, o português as assume e desenrasca.

O último Anónimo colocou bem fundo o dedo na ferida!

Saudações,

Anónimo disse...

Caramba que compatriotas macaenses mais derrotistas. Até parecem os mandantes cá da choldra. Quando estive há pouco tempo em Macau tive oportunidade de verificar a existência de muitos jovens de nacionalidade portuguesa, com nomes e apelidos bem portugueses, que não sabiam falar nada de português, mas meus senhores, que apesar disso me mostraram orgulho de o serem. Portanto, se o pragmatismo está a vencer e tem na sua base interesses específicos, então é preciso que, de facto, a Administração da RAEM, dos governos de Portugal e da China, se unam para proporcionar a esses jovens meios para aprenderem português. Aliás, para dizer a verdade, acredito, que será mais provável que sejam os filhos desses jovens a reivindicarem o ensino da lingua portuguesa. Não se surpreendam que as próximas gerações o exijam, em defesa da sua identidade macaense. Claro que seria preferível que fosse agora. Afinal quantos portugueses existem em Macau que não falam português?

C disse...

Caro Anónimo,

No que toca à sua boa e "naíve" intenção:

"então é preciso que, de facto, a Administração da RAEM, dos governos de Portugal e da China, se unam para proporcionar a esses jovens meios para aprenderem português."

A questão é que os actuais políticos portugueses estão mais interessados em desmantelar a Nação e Pátria portuguesa, e onde é que já vai a cooperação...e a China prefere investir nos seus próprios recursos, ou seja ensinarem os chineses a dominarem a Língua de Camões e onde é que já iam os macaenses (portugueses de Macau), principalmente aquelas gerações dos jogos consolas "video games"...Para quando a intervenção dos jovens macaenses (portugueses de Macau) nos assuntos da Pólis, do Bem Público, tanto em Macau como em Portugal e no Mundo? "Cadê" as pontes?

Saudações,

C disse...

Será que a mais nova geração de macaenses na política é aquela que está circunscrita na equipa do Dr. José Pereira Coutinho, "Máno" Armando, a Manhão? E os mais novos, dos 18 aos 35 anos onde é que eles estão? quem é que eles são? alguém sabe? que bagagem levam eles? estarão eles preparados? Alguém pensou nisso?

Anónimo disse...

O portugues nunca foi uma disciplina obrigatoria nas escolas chinesas em macau e ai foi o grande erro da Administração Portuguesa.Se fosse disciplina obrigatoria então teriamos muitos chineses em macau a falar portugues

Anónimo disse...

Lá está, anónimo (ou deverei escrever "anônimo", que é a variante que vai sobreviver?)das 3.43, é a tal miserável política linguística à portuguesa. Para os idiotas que tomaram conta de Portugal, é mais importante pôr crianças de 6 anos a aprender inglês do que ensinar portugueses e estrangeiros a falar português. Ora, sem o apoio de Portugal, é óbvio que o português não pode singrar em lado nenhum (a não ser que o Brasil nos salve).

Anónimo disse...

Caro Vitório, de boas intenções está o que bem sabemos cheio até ao tutano. Nem vejo a minha como uma boa ou "naíf" intenção, apenas opino que essa deveria ser a solução encontrada pelas partes interessadas. O que no caso do governo português parece algo arreado, sem dúvida. Apenas isso, se de facto as partes querem mesmo ter interesse em tal projecto, claro. Podem chamar-se crente, ingénuo ou visionário, mas a minha opinião é a de que o interesse pela língua portuguesa pelos portugueses de Macau será ressuscitado pelas gerações vindouras, quando os interesses da Polis forem relevantes para os macaenses. As actuais gerações estão mais viradas para as patacas que, nos tempos que correm em Macau, teimam em cair da árvore sem grande esforço.. (salvo seja). Mas que já fizerem os líderes da comunidade portuguesa de Macau para levar, ao menos, o governo português a colocar a aprendizagem da língua portuguesa no território? Ou ao menos junto da opinião pública nacional?

C disse...

Caro Anónimo,

Há dez anos pensei no seguinte, quem seriam os próximos jovens macaenses (portugueses de Macau) a intervir na sociedade, a embandeirar a lusa causa e interesses em Macau?

Fico deveras escandalizado de não conseguir encontrar UM colega de carteira seja da primária (Geração de 78), seja do Liceu em Macau, ou doutras gerações próximas que esteja ou tenha intervindo na sociedade, na "Pólis", UMA vez.

É um dos perigos que Alexis de Tocqueville recorda, o excesso de individualismo, o alheamento dos assuntos da "Pólis", do Bem Público, do Bem Comum, que leva ao Estado a ocupar-se dos vazios de poder que por sua vez é comparável a um gás volátil e expansivo, com uma consequência final, o totalitarismo.

A pressão deve ser feita no sentido da sociedade civil entrosar-se cada vez mais com as sociedades civis e organizações públicas e privadas dos Países da fala de Camões, sejam elas de ordem de cooperação bi-lateral ou multi. Até lá... é preciso aguardar que em Portugal se evolua para as suas naturais prioridades estratégicas localizadas no sentido marítimo, no além-mar, regressarmos às naus, à redescoberta. Das palavras de uma pessoa que muito prezo, o Prof. Ernani Lopes, um apaixonado por estes temas, disse ontem "Nós só seremos nós, quando formos além de nós", até lá...das boas intenções às boas acções vão uma grande distância.

Saudações,