terça-feira, 17 de setembro de 2013

A primeira vez


O primeiro homem e a primeira mulher estavam um dia a sós no Paraíso, quando Eva pergunta a Adão:
- Adão…amas-me?
Respondeu Adão:
- E lá tenho eu outra escolha?


Uma das nossas recordações mais vívidas é a da “primeira vez”. Isso mesmo, estou a falar de sexo, da perda da inocência, da estreia absoluta no mundo do chavascal e da pouca vergonha. Nestas coisas do sexo, de quem faz, de quem quer fazer mas não pode, de quem fez com quem, sempre fui um tipo muito liberal. Acredito piamente nas virtudes do banho, da menstruação e do Lactacyd, e não me incomoda se fulana com que me relaciono intimamente tenha dormido com A, B ou C – desde que não o tenha feito no mesmo dia, claro. Quando gostamos de alguém, devemos aceitá-lo como é, e se os seus defeitos se resumirem a uma ou outra escolha infeliz em termos amorosos, o que importa? Quando nos batem à porta perguntamos “quem é”, e não “quem foi”.

Há alguns anos conversava com uma amiga num café da Rua do Campo, entretanto já encerrado, e a certa altura mencionámos um amigo comum, que tinha recentemente perdido a virgindade…com uma prostituta. O indivíduo em causa sofria de uma timidez que o impedia relacionar-se de forma descomplexada com sexo oposto, e resolveu ir quebrar o fastio num clube nocturno (bem caro, por sinal), recorrendo para isso aos serviços de uma profissional do sexo. Tinha na altura 22 ou 23 anos, e sentia-se um pouco frustrado com a falta de experiência, quando muitos jovens da sua idade iam bem mais avançados nesse departamento. Para o efeito optou por “comprar” esse serviço, e resolver o que considerava ser um “problema”. Nada de ilegal ou anti-democrático, e não terá sido o primeiro nem será o último optar por esta saída mais “fácil”. A minha amiga achou isso “nojento, horrível”, e quando lhe perguntei porquê, atirou-me um uma justificação hilariante: “a primeira vez deve ser especial”.

Isto é típico das mulheres, que acreditam mais nos contos de fadas do que nos contos de fodas. O que quer dizer isto, “especial”? Jantar à luz das velas, banho de espuma, música ambiente, trufas e champanhe, pétalas de rosa em cima da cama de dossel, e tudo na companhia de um gajo super-giro com que já se tem uma cumplicidade ao ponto de se poder passar com segurança para o próximo nível da relação? Yeah, right. Andam a ver muitos filmes. De facto parece o cenário ideal para que uma cachopa mais teimosa aceite finalmente ser desflorada, mas nos tempos que correm, é cada vez mais uma utopia. Pouco importa se a primeira vez é especial, a não ser que seja também a última. Sei lá…uma jovem que esteja na fase terminal de uma doença prolongada e queira receber a extrema unção já como pecadora? Caso contrário não interessa. Especiais são todas as vezes que são…bem, especiais? Penso que entendem onde quero chegar.

A primeira vez é sempre memorável, mas não é, nem de perto nem de longe, a melhor. Para as mulheres pode ser uma experiência agradável, caso aconteça com um homem experiente, que saiba o que está a fazer. Para os homens a primeira vez é sempre uma trapalhada. Se foram ambos virgens, torna-se numa confusão, com os dois sem saberem o que fazer com o quê, como quem tenta montar uma estante pela primeira vez e as instruções estão em chinês. Não adianta aprender com os filmes pornográficos, pois isto é como os concursos de televisão: parecem sempre mais fáceis vistos de casa. Basicamente, a primeira vez é a primeira vez, e tal, a gente lembra-se, ou tenta esquecer mas não consegue, e pronto, fica-se por aí. O mais importante é o que vem depois, e se conseguimos alcançar a nossa realização sexual e a do nosso parceiro, dando e recebendo prazer. Isso sim, é especial.

A virgindade é uma coisa sobrevalorizada. Para os homens é um obstáculo, uma vergonha, enquanto para as mulheres é uma virtude. Pessoalmente desconfio de uma mulher que chegue aos 25 anos ainda virgem; se for feia/gorda/disforme até compreendo, mas se for razoavelmente apetecível ao ponto de ter recebido pelo menos algumas investidas, deverá estar motivada por algum motivo de ordem religiosa, uma fobia ou qualquer outro transtorno psiquiátrico ou emocional. Fisicamente, a virgindade é apenas uma membrana. Uma mulher que não seja virgem não é necessariamente uma devassa, uma rameira, ou uma ninfomaníaca. Essa associação da virgindade com a pureza é típica das sociedades menos civilizadas, medievais, e tem servido de pretexto para justificar as maiores atrocidades. Torna-se um fardo ainda mais pesado para a condição feminina se a “primeira vez” resultou de uma violação, ou foi indesejada. Um homem que se recuse a casar com uma mulher simplesmente porque já não é mais virgem, está parado na Idade Média. Ou é cigano. Se por acaso se considera “conservador”, então que me desculpe, mas está a ser é parvinho.

Se para muitas mulheres a virgindade é ainda uma questão de honra, para os homens é um incómodo, e qualquer adolescente heterossexual que se preze procura “perder os três” o mais rapidamente possível. É um pouco como o sarampo, que quanto mais cedo se apanha, melhor. Alguns orgulham-se de ter tido a sua primeira experiência sexual “aos 11 ou 12 anos” (os que dizem que não se lembram exactamente da idade que tinham estão a mentir). Desses fico a pensar que viviam integrados em alguma comunidade “hippie”, ou num bairro social referenciado pelas autoridades e pela assistência social. A idade normal para um homem será os 16-18 anos, e poderá ir até aos 20 ou 21, dependendo de se tem outros interesses que o distraíam desse fim, de querer acabar com essa “maldição”. Para quem não sente esta “pressão”, tudo bem, mas no caso de passar dos 23 anos ainda virgem, não convém contar aos amigos ou aos colegas de trabalho, arriscando-se a ser visto como “um tipo esquisito”. Ou gay, o que mesmo assim é preferível nos tempos que correm.

Não censuro o meu amigo por ter recorrido a uma profissional para se iniciar na vida sexual, e tenho a certeza que depois disso teve outras experiências certamente gratificantes, e de que se pode orgulhar. O único problema foi ter tornado este facto público. Qual é o homem que gosta de falar da sua primeira vez, especialmente depois de ter adquirido mais experiência? Quando os homens são desafiados a recordar a primeira vez, suspiram, fazem olhos de carneiro mal-morto, mas tanto ele como nós sabemos que foi uma merda. Um homem que tenha tido relações com 50, 100 ou 200 mulheres na sua vida é considerado um garanhão, um Don Juan. Uma mulher que se orgulhe do mesmo é vista como um urinol, um bocado de carne tão podre que nem um cão mais faminto era capaz de comer. Num mundo ideal – e estamos muito longe de viver num mundo ideal – ninguém se ralava com esse historial, de quem dormiu com quem ou fez o quê na cama. E aí viveriamos felizes para sempre, num belo conto de fodas.

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