sábado, 5 de janeiro de 2013

Mataram? Estavam com os copos...


O caso do jovem assassinado no passado dia 20 no NAPE por um grupo de outros adolescentes gerou uma discussão que me custa a entender. Então a culpa do sucedido é do álcool? A minha alma cai-me aos pés, de tão descabida que é esta análise. A culpa da altercação, uma das muitas que se dá no território, é do deus Baco. Os instintos homicidas dos adolescentes que agrediram até à morte aquele infeliz foram despertados por um ou dois copos a mais. É fantástico como existe uma ténue linha entre um comportamento civilizado e normal, e a selvajaria. E tudo à distância de algumas cervejas.

O incidente foi analisado na Assembleia Legislativa, entre as cabecinhas pensadoras que nos representam, e o diagnóstico é elementar: os bares não devem servir bebidas alcoólicas a menores de 18 anos. Tivesse este crime hediondo sido cometido por maiores de 18 anos, e estava tudo bem. A culpa já é não seria do que se bebeu, mas sim da natureza homicida dos seus intérpretes. Mas a partir do momento em que a um puto de 15 ou 16 anos é permitido comprar bebidas que legalmente só deviam estar acessíveis a adultos, então mau, mau Maria, anda alguém a mijar fora do penico.

De acordo com a versão oficial dos factos, a vítima “cumprimentou” uma menina que acompanhava os homicidas essa noite. Eram todos jovens menores de idade, e tendo o crime ocorrido na madrugada do dia 20, estariam na rua a comemorar mais um aniversário da RAEM. Uma testemunha terá ouvido um dos agressores a dizer qualquer coisa como “amanhã é o fim do mundo, vamos gastar todas as nossas forças”. Quem sabe? Quando se diz que “cumprimentou”, não se sabe ao certo se terá tirado o chapéu e dito “boa noite, menina”, ou se terá mandado algum piropo mais atrevido. A verdade é que o grupo de matulões que acompanhava a menina não gostou da gentileza, e agrediu brutalmente o jovem cavalheiro, que viria a falecer mais tarde no hospital. Um outro jovem tentou acalmar a situação, mas foi também agredido. As autoridades detiveram vários suspeitos nos dias seguintes, e deu-se mais uma tragédia, a perda de uma vida humana que é de lamentar.

Quem conhece Macau sabe que muitas vezes acontecem casos semelhantes a este, se bem que nem sempre com consequências tão dramáticas, felizmente. É comum encontrar muitos jovens menores de 18 anos em estabelecimentos de diversão nocturna, ou simplesmente vagueando pela rua em grupos. São normalmente jovens da classe média, alguns deles filhos de trabalhadores da indústria do jogo e afins, que exercem a sua profissão por turnos, e nem sempre podem estar inteirados do paradeiro dos jovens. Um casal em que ambos exerçam a função de croupier num casino não tem meios para garantir que o seu filho adolescente está na caminha às 10 da noite ou na rua a cometer delitos, e torna-se complicado estar a par das suas companhias.

Tive algumas experiências neste sentido. Já encarei várias vezes grupos destes jovens, muitos deles atrevidotes que nunca levaram um puxão de orelhas bem dado, e uma vez em grupo não conhecem os valores mais básicos da educação e do respeito. Cheguei a frequentar discotecas “da pesada” onde muitos deles consumiam drogas sintéticas à vista de todos, e que davam a entender que qualquer interferência exterior seria mal recebida. Estavam visivelmente preparados para a confrontação física, se isso fosse necessário para salvaguardar a “face”. A melhor opção era mesmo ignorá-los, deixá-los no seu mundo. Os tempos eram outros, e quem sabe se hoje são menos estes jovens “em risco”, mas dizer que este problema já não existe é como tapar o sol com uma peneira.

Um jovem oriundo de uma família dispersa ou que não tenha tempo e capacidade para o orientar e fazê-lo distinguir o bem do mal está entregue à bicharada. É normal que os jovens se deslumbrem com a perspectiva de dinheiro fácil ou de impunidade, e que se juntem a outros que perseguem os mesmos objectivos. É sabido que algumas associações criminosas se aproveitam destes jovens e da sua apetecível imputabilidade criminal, usando-os para levar a cabo actividades que vão do tráfico de estupefacientes a ajustes de contas, fogo posto ou outros actos de violência. Os jovens iludem-se facilmente com o poder dos “tai-lous” (irmãos mais velhos), malandrins que se movem facilmente no submundo, sempre acompanhados de mulheres atraentes, em carros luxuosos, e que nunca levam desaforo para casa. As meninas em idade adolescente ficam encantandas com a possibilidade de os acompanhar, comprar o que lhes apetece e entrar onde quiserem. As meninas boas vão para o céu, as más vão a todo o lado.

Quem conhece por dentro o instituto de menores, localizado nas imediações do Estabelecimento Prisional de Macau, sabe que alguns destes jovens são mais perigosos que muitos delinquentes adultos. Quando o nosso processo de maturação não passa pela fase de distinção do bem e do mal, do que é permitido para se obter o que se deseja ou que limites são impostos, está-se a criar um monstro. Alguém que desde a mais tenra idade está exposto a uma vida rodeada pelo crime, dificilmente se tornará num adulto funcional, e cabe na definição de “árvore que nasce torta”, e jamais de endireita.

Apontar o dedo ao consumo do álcool para tentar explicar este fenómeno que tem uma origem social muito mais profunda é relativizar o problema. Vou mais longe: é tentar fazer-nos de parvos. Alguém acredita que um grupo de bêbados tem a energia e o discernimento para espancar uma pessoa até à morte? Podem atirar-nos areia para os olhos e tentar encontrar um bode expiatório na forma de um bar de karaoke mais desleixado que vende baldes cheios de garrafas de cerveja a grupos de jovens sem lhes pedir identificação, mas sabem tão bem como nós que a origem deste mal é outra. Agora a dúvida que deixo no ar: atrevem-se a tentar resolver este problema? Vão arregaçar as mangas e mexer neste ninho de vespas? Era mesmo bom que tivessem essa coragem.

1 comentário:

barbie disse...

Gostei muito de visitar seu blog. É simplesmente fantástico!. Muito obrigado