sábado, 19 de janeiro de 2013

Retornados - E depois do adeus


O programa “Cinco para a meia-noite”, de regresso para a sétima série esta semana, contou com os actores Ana Nave e José Carlos Garcia como convidados no programa de sexta, apresentado por Nílton e exibido esta manhã na RTPi. Os dois actores participam agora na série “E depois do Adeus”, sobre a temática do pós-25 de Abril, época onde, como Nílton gracejou, “éramos ainda mais pobres que agora”. O que o humorista e o apresentador do “Cinco” e o actor José Carlos Garcia têm em comum é o facto de serem retornados das ex-colónias.

Esta palavra, “retornados” provoca ainda, quase quatro décadas depois, uma sensação de mal-estar entre os portugueses que se viram obrigados a abandonar Angola e Moçambique (de onde Nílton e Garcia são originários, respectivamente), e causa-lhes algum transtorno emocional. A própria etimologia da palavra tem o que se lhe diga. Muitos destes portugueses nascidos nas ex-colónias nunca tinham estado em Portugal, e mesmo os seus pais e avós nasceram em África. A designação era normalmente utilizada no sentido pejorativo, no calor pós-revolucionário, e dirigida a estes colonialistas que usufruíam de uma vida muito mais descontraída do que os portugueses da metrópole, sufocados pelo regime do Estado Novo.

Até ao início da Guerra Colonial, em 1961, e mesmo alguns anos depois disso, a vida em Luanda e na antiga Lourenço Marques e actual Maputo era um permanente Carnaval, e os portugueses ali residentes eram em grande parte “proprietários” de profissão, e eram servidos por uma legião de escravos, perdão, empregados, praticamente na ordem de um para cada função doméstica. Depois da independência de Angola e Moçambique, foram obrigados a viver num país em tudo semelhante à Albânia, apenas na posse da roupa que traziam no corpo, e graças à misericórdia dos americanos, que providenciaram o seu transporte em aviões militares. Muitos viviam em vastas fazendas, e subitamente encontraram-se a viver em barracões ou na casa de familiares que mal conheciam.

A adaptação foi bastante difícil, pois a vida em Portugal de 1975 não tinha nada a ver com o “glamour” das metrópoles coloniais africanas. Alguns destes retornados, que foram mais de meio milhão, chegaram a viver e trabalhar em Macau durante o tempo da administração portuguesa. Eram gente habituada à vida longe do país dos seus ancestrais, boa gente, mesmo que um pouco complexada, o que é natural. Aqui encontraram um ambiente mais próximo das origens, e conseguiram um pé-de-meia decente para voltar a encarar a vida em Portugal, para onde regressaram ainda antes de 1999 – gato escaldado…

Foram poucos os portugueses que resistiram nas ex-colónias africanas, e ao contrário do que receravam receios dos tais retornados, não foram mortos nem torturados, apesar de terem passado pelas dificuldades comuns aos restantes cidadãos daqueles países mergulhados numa sangrenta guerra civil após a independência. É um episódio triste da história do nosso país, de que ainda há sobreviventes, que ainda sentem um nó na garganta quando ouvem a palavra “retornado”.

6 comentários:

Unknown disse...

Só de pensar que Angola e Moçambique já foram as maiores potências africanas a seguir à África do Sul - onde, recordemos, reinava uma tal coisa maldita que era o Apharteid - e que hoje são dois antros de miséria apesar dum hipotético desenvolvimento galopante (e enganador) de Angola, até me dói a lusa alma. O 25 de Abril de 1974 continua com a sua obra de destruição, tanto nas ex-províncias do Ultramar como também em Portugal.

Nuno Castelo-Branco disse...

Este comentário será longo, seguirá por partes.
Não sei onde foi buscar essa ideia do permanente Carnaval em Lourenço Marques. De Luanda, apenas conheço o terminal do aeroporto onde fizemos - tinha eu 15 anos - escala na noite de 30 de Agosto de 74. Ouvia-se nitidamente o tiroteio na cidade e ficámos logo cientes da risonha evolução permitida pela imbecilizada tropa portuguesa e isto num território onde em 24 de Abril de 1974, a guerra consistia em missões de patrulhas e recontros espaçados e ocasionais.
Ao contrário daquilo que a propaganda lhe martelou, em Lourenço Marques fazia-se a vida normal de qualquer cidade, os dias de festa não eram diferentes daqueles outros que aconteciam na Metrópole: feriado e aniversários, eram celebrados com toda a naturalidade. Aquilo que o Leonardo não deveria escrever - mas a liberdade serve para isso mesmo, diga o que lhe apetecer, mas isso nada tem a ver com a realidade de outros tempos - é o enraizar de "lendas e narrativas" propagadas pela escória responsável pelo desastre de 1975. Essa da "legião de escravos" - quanto muito, as famílias tinham um criado - agora é mais correcto chamar-lhes empregados, tal como se passa hoje em dia em Lisboa - e os mais abastados, uma ínfima minoria como os Almeidas santos, os Santos Gil, os Neves Anacletos - este era o avô do santarrão Louçã - , poderiam ter dois ou três e luxo dos luxos, mais um jardineiro para o rol.

Nuno Castelo-Branco disse...

Outra asneira consiste na profissão de "proprietário". Que insensatez, Leonardo! A maior parte dos residentes em Lourenço Marques trabalhava em escritórios, lojas e departamentos do Estado e nem sequer eram donos dos apartamentos ou casas onde viviam! A minha família lá estava desde 1885 e NUNCA tivemos casa própria. Nunca. Nada lá deixámos. A imensa maioria era gente que podemos classificar como "remediada" para os padrões locais. Sem dúvida, a vida no Ultramar era infinitamente melhor do que aquilo que se via por cá. As pessoas eram menos preconceituosas, havia mais liberdade de costumes, mais abertura de espírito para o mundo da época, lía-mos o que queríamos, a música estrangeira chegava lá mais depressa do que a Lisboa, as mulheres já vestiam reduzidíssimos fatos de banho em 1945, etc.

Nuno Castelo-Branco disse...

Agora, deixo-lhe aqui algumas questões: como classifica as mulheres a dias que labutam no Portugal de 2013? Escravas, criadas ou empregadas? E o que tem o leonardo a dizer acerca das criadas de "dentro e de fora" que foram a pedra de toque da organização caseira da classe média portuguesa durante todo o século XX, muitas vezes usadas e abusadas pelos patrões e ainda por cima regularmente esbofeteadas? Não contam porque eram brancas? O que tem a dizer acerca do facto, esse sim muito verdadeiro e actual, da situação que se verifica agora no Maputo, onde o Leonardo se se decidir a viver em Moçambique, poderá ter então a tal "legião de criados pelo preço de um" e então, isso sim, um para cada função doméstica? Está enganado no tempo, mas realmente a questão dos criados, empregados, mainatos e moleques é o fulcro de todo o arrazoado de disparates que se têm dito e escrito a propósito dos pretensos "retornados" a coisa alguma. Poderiam criticar os aspectos políticos e socias, a teimosia do governo central de Lisboa em adiar ou estabelecer a conta gotas as reformas que os "colonos" exigiam no sentido da maior integração, auto-governo, etc. Mas não, os moleques são o ponto fundamental da coisa. Ridículo!

Nuno Castelo-Branco disse...

Lourenço Marques tinha "glamour"? Tinha, é verdade. Uma cidade nova, bem conseguida arquitectonicamente - o meu bisavô era agrimensor da Câmara Municipal de Lourenço Marques e foi o responsável pelo delinear da parte alta da cidade, coisa de que muito me orgulho - , com todas as infraestruturas necessárias a uma boa e grande capital. É certo L.M. não poder comparar-se com o colossal peso histórico e monumental da Lisboa daqueles tempos, cidade que embora já fosse vítima de algumas depredações - hoje num nível que ultrapassa o crime -, ainda era algo digno de se ver. LM tratava dos seus. As crianças iam à escola - sim, muitos negros também, bastas veze, como seria normal e os números ditavam, estavam em maioria nas classes, sabia? -, existia assistência médica às populações e de uma forma infinitamente mais organizada, permanente e qualitativamente superior ao que hoje os moçambicanos têm. As estradas eram cuidadas, as pontes mantidas com todo o cuidado, os portos e aeroportos eram modernos e de nível internacional. Existiam fábricas, refinarias, centrais de mercadorias, transportes públicos muito bem organizados e acessíveis, SEM aqueles dispatrates e crimes discriminatórios que víamos na África do Sul. O policiamento era bom e pluriracial se assim se pode escrever. O exército não fugia à regra, circulavam negros de uniforme português em todos os cantos da cidade. Era a normalidade feita regra.

Nuno Castelo-Branco disse...

Leonardo, quando cá cheguei, Portugal estava muito longe de se comparar à miserável Albânia, ou Roménia, Bulgária, etc. Os estragos do PC e comparsas não ocultavam a verdade e embora Lisboa não fosse - nunca foi, nunca será nem deverá querer ser - Paris, Amesterdão ou Viena, era uma cidade que nada tinha em comum com o 3º mundo. Lisboa estava congestionada de tráfego rodoviário, existiam lojas cheias de todo o tipo de produtos - é verdade que o PREC as esvaziou, mas logo em 1978 começou a regressar a normalidade - , incontáveis e ricas livrarias, exposições e galerias de arte, grandes cinemas/teatros que este regime de pacotilha fez demolir, um pujante teatro nacional com espectadores, orquetras, etc. Quando comparados com as preferências dos ultramarinos, aqui os gostos urbanos eram um tanto ou quanto pardos, acinzentados e tímidos, é verdade. No entanto, bem ao contrário daquilo que as mandantes luminárias de oitenta e tal anos - os ainda donos do esquema vigente - tentam fazer passar, Lisboa era uma capital europeia, aliás sempre foi! A mentira descarada convém-lhes, mas hoje em dia é difícil prosseguir nessa senda. O país foi-se alfabetizando, mau grado as ancestrais resistências a tal "aleivosia" e "inutilidade". É certo podermos hoje contar com um sistema de ensino básico muito inferior ao dos tempos da ditadura, mas sem dúvida é mais aberto e receptivo a um grande número de estudantes que melhor ou pior acendem algumas luzes. Se a democracia é um estado de coisas melhor do que a ditadura? Incontestável, é verdade, nós próprios, no Ultramar, desde cedo nos habituávamos á ideia das "manias inglesas" aqui propagadas por salazar, mas sempre rejeitadas no momento de as adoptar. Até o seu colega Franco foi mais realista, deixou o regime preparado para a evolução e um João carlos que aqui também poderíamos ter tido logo em 1952.
Quanto à capitanagem da tropa fandanga, hoje balofa, disforme, grotesca e bocas de arrotos, corrupta de negociatas com os seus ex-camaradas de trincheira oposta - os sátrapas bem instalados na extorsão em Angola e Moçambique do séc. XXI -, deixo-lhe aqui a minha opinião: http://estadosentido.blogs.sapo.pt/2486173.html
Os adjectivos são mansos e consentâneos com os brandos costumes euro-lusos, pois facilmente poderia ter recorrido ao palavrório dos taxistas de Lisboa, coisa que sem qualquer dúvida lhes assentaria que nem uma luva branca.