sábado, 26 de janeiro de 2013

Um pequeno T2


Ajudei agora um casal amigo a encontrar uma casa em Macau, tarefa que como se sabe pode tornar-se numa grande dor de cabeça. O casal em questão vivia numa casa da Taipa e pagava 7 mil patacas por mês, e a perspectiva de um aumento da renda na ordem dos 30% tornava-se dirimente da renovação do contrato. Além disso ambos fazem a vida em Macau, pelo que não se justificava a continuidade nas ilhas, uma ponte à distância da peninsula e do centro económico da RAEM. Quem não comprou ou vai comprar casa – o que é actualmente inacessível a qualquer bolsa da classe média – sujeita-se à oscilação das rendas, aos caprichos das agências e dos senhorios, um mundo onde não se conhece dó nem piedade, e onde a palavra “compreensão” não consta do dicionário.

É falso que não se consegue encontrar um apartamento em Macau por cerca de 5 mil patacas ou menos por mês. É uma questão de perspectiva. Os portugueses residentes no território têm um grau de exigência acima da média, e “uma casa em condições” implica uma sala grande, uma cozinha ampla, uma varanda e pelos menos dois ou três quartos – de preferência três. Outros factores como a localização e idade do prédio, a luz natural ou a vista (?) pesam na decisão da escolha. Escusado será dizer que a maioria dos nossos camaradas não se importa de pagar à volta de 10 mil patacas mensais por um apartamento que lhes encha estas medidas.

Para quem tem filhos menores a procura de casa complica-se, e muito. Um casal com dois filhos, por exemplo, procura normalmente um T3, num prédio com elevador e de preferência num edifício “conhecido”, com vizinhança respeitável e acima de qualquer suspeita. Junto com o apartamento existe a necessidade de um lugar para o automóvel, despesa que actualmente significa o desembolso de mais 1500 patacas mensais em média. A despesa com habitação, estacionamento e condomínio é sempre a que mais pesa nas contas do fim do mês. O que continuo sem perceber é porque tantos solteiros, enamorados ou casais sem filhos precisam de uma casa com mais de 60 m2 para viver. Sinceramente não encontro outra explicação a não ser a ostentação ou a teimosia. Para quem vive sozinho um T1 chega muito bem, e um casal sem filhos pode optar por um T2 num prédio antigo, mesmo sem elevador, que ainda se consegue encontrar por um preço amigo, que não dê a sensação que estamos a trabalhar para chulos, perdoem-me a expressão.

As agências de fomento predial, existentes no território à ordem de meia dúzia em cada rua, são conhecidas pelo apetite vampiresco pelo lucro. Os dois meses de depósito, a “comissão” e os contratos de apenas um ano, são as condições exigidas para o arrendamento, apesar das dúvidas em termos de legalidade, mas impera sobretudo o princípio do “pegar ou largar”, e pouco adianta socorrer-se da lei. Se o cliente é português, existe o preconceito de que aufere um salário elevado, o que nem sempre é verdade. Existem muitos portugueses em Macau com empregos mundanos, nem todos são advogados ou engenheiros, e o problema do aumento compulsivo e desregrado das rendas afecta-os tanto como a qualquer outro residente. Vigora a mentalidade de que um ocidental não se importa de pagar por algo que os chineses consideram “caro”, e isto serve tanto para a habitação como para outra coisa qualquer.

Se um português ou qualquer outro ocidental entra numa destas agências e mostra interesse por um T2 anunciado na montra por 4500 patacas mensais, dizem-lhe logo que “o anúncio é antigo”, e que agora a renda “aumentou”, ou que a casa já foi alugada e “não têm nenhuma por aquele preço”. Que diabo, se o anúncio é antigo, porque é que não o actualizam? Se já foi alugada, porque é que não o retiram do mostruário? É mais que falta de escrúpulos: é aldrabice pura e simples. Um filipino ou uma indonésia que procurem um T2, que normalmente partilham com vários compatriotas seus, conseguem encontrá-lo por 4000 patacas ou menos. Os restantes estrangeiros pagam a “taxa do kwai-lou”, que nunca fica por menos de 1000 patacas sobre o preço original da renda. Se o senhorio visita a casa juntamente com o agente, mostra-se sempre inflexível em negociar o preço da renda; “és estrangeiro, tens dinheiro, por isso não me lixes”.

Na zona onde vivo actualmente, entre a Barra e o Hospital Kiang Wu, existe uma oferta de apartamentos bastante habitáveis a preços módicos, com uma vizinhança simpática, de gente simples e trabalhadora, emigrantes de outras origens, comércio tradicional e outras comodidades típicas de uma cidade antiga, pequena e chinesa como é Macau. Viver nos blocos dos Jardins Lisboa, do Le Baie du Noble ou dos Ocean Gardens pode ser muito giro, rodeado de confortos mil, mas é uma fantasia. Não se aprende nada, e no fim só se desembolsa dinheiro que podia ser poupado optando por uma moradia mais modesta. E depois ainda se queixam. Quem quer vir para cá a prazo apenas para fazer um pé-de-meia pouco importa que da janela se veja a montanha e o mar ou as cuecas da vizinha penduradas na varanda da frente.

O que mais impressiona quando se opta por um prédio antigo, mais pequeno e mais barato é o estado do próprio edifício, e em muitos casos a limpeza do apartamento – a primeira impressão é tudo, defendem alguns. É irrelevante que as paredes do edifício sejam sujas ou húmidas, equipadas de contadores da luz ou da água antigos e decoradas por fios pendurados na parede, a condizer com as caixas de correio sem fechadura nas traseiras do portão enferrujado que dá para a rua escura rodeada de outros edifícios decadentes. Afinal não vamos pagar para viver nas escadas. Muito boa gente viveu décadas nestes prédios, e foi ali que educou os filhos, que não se tornaram nenhuns marginais por terem crescido nestas condições. Há mesmo quem nasça, cresça, envelheça e morra em prédios de quatro ou cinco andares, e nem por isso tenha sido menos feliz.

Alguns potenciais arrendatários rejeitam sumariamente os apartamentos por causa da falta de limpeza ou da dessarumação do mesmo, ou pelo estado deplorável da mobília ou dos equipamentos. Mais uma vez, não estamos em Lisboa, Londres ou Nova Iorque, e este tipo de “desleixo” é apenas normal. Encontram-se apartamentos já completamente mobilados, mesmo que mal, em Nova Iorque? Não se rejeita uma moradia a um preço convidativo pelo simples facto da casa-de-banho e da cozinha precisarem de uma limpeza que não demora mais de uma ou duas horas, ou por ser preciso investir numa mesa de sala ou num fogão novo. Para quem não é esquisito, pouco importa que o último inquilino tenha sido um badalhoco. Além disso algumas das reparações necessárias podem ser negociadas com o senhorio, que normalmente é receptivo neste particular, pois afinal a casa é sua. É uma das poucas coisas a que estes “judeus” ainda dão o braço a torcer.

Portanto o cenário não é tão preto como tantos o pintam. É lógico que não se pode exigir uma qualidade de vida excelente sem que se pague bem por isso. O problema já foi identificado, e enquanto não se resolve o melhor é usar a capacidade de improviso, e não tentar viver acima das possibilidades. Não é preciso ser um génio para entender isto. O direito à habitação, que devia ser um “must”, é preterido pelo direito à aquisição, que fica apenas ao alcance de poucos, e rende lucros chorudos a tantos (sempre os mesmos, enfim). Com este estado de coisas, vamos esperar sentados pelo dia em que a especulação deixe de ditar as regras, e todos possamos ter o nosso cantinho onde dê para esticar as pernas à vontade, e haja lugar para arrumar os tarecos sem precisar de andar sempre com a casa às costas. Enquanto isso vamos tentar ser mais sensatos, e baixar um pouco as expectativas. Uma casa é onde nos sentimos bem, e é irrelevante o que os outros pensam.

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