quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Ora agora cospes tu, ora agora fumo eu


Este vídeo, bem como outros da mesma estirpe, têm circulado pela net e dado aso a uma discussão sem fim, e com os fluídos corporais como pano de fundo de uma velha rivalidade futebolística. E não estou a falar da rivalidade entre o Sporting Clube de Portugal e o Futebol Clube de Arouca, uma vez que até há meia dúzia de anos estes últimos eram uns ilustres desconhecidos. Estou a falar da "outra rivalidade", aquela que durante os anos em que o Porto dominou o futebol português se limitava a discutir qual dos dois emblemas situados numa das circulares da capital era o menos coitadinho.  Agora que um deles desatou a ganhar coisas, está o caldo entornado, e até se começarem a agredir com petardos em finais da Taça de Portugal e se matarem uns aos outros, é uma questão de tempo. Nestes 11 segundos de imagens (peço desculpa pela música parva, mas escolhi este vídeo de entre  outros bem piores, acreditem) vemos o presidente do Sporting, Bruno de Carvalho, a atingir o presidente do Arouca, que não tem importância que chegue para que eu me recorde do nome, e dá-me preguiça de ir pesquisar, com algo que se assemelha a um escarro. 

Dias depois dos incidentes de 6 de Novembro no túnel de Alvalade, o clube arouquês...arouquense....aroucano...qualquer porra dessas, veio alegar isso mesmo com base nestas imagens: o presidente Bruno de Carvalho "escarrou" na cara daquele decano dirigente do clube de uma localidade nortenha mais conhecida por uma deliciosa raça de vaca. É suspeito que os arouqueses...arocos...aroiquinos...esses, porra, só venham mais de uma semana depois da data em que ocorreram os factos denunciar um ultraje destas proporções - cuspir em alguém é do mais reles que há, e só se desculpa em alguém que esteja prestes a ser fuzilado, e demonstre dessa forma o desprezo por quem lhe vai servir de carrasco. Entretanto o Sporting refutou a versão dos arocoisos, dizendo que a substância branca que aparece a ser atirada na direcção do foci...perdão, da cara do presidente do Arouca (lá estava eu outra vez a pensar na raça bovina arouquesa...) é afinal "vapor de cigarro electrónico". Ah...assim fica tudo esclarecido, claro. Bruno de Carvalho não estava a agredir o arou-não-sei-das-quantas com cuspo, mas sim a engatá-lo para irem os dois para a cama, que é o que se entende pela acção de atirar fumo para a cara. Assim é muito melhor, "make love not war", pois então. OK, antes que os amigos sportinguistas me roguem uma praga, vamos lá pegar na vaca arouquesa pelos cornos, e ver afinal o que REALMENTE se passou naquele Domingo de 6 de Novembro em Alvalade.


Aí está o relatório completo e a cores, e como não se fala de outra coisa a não ser esta pouca-vergonha, lá me fizeram "investigar". E que conclusões tirou Leocardo Holmes, parente em linha grossa, comprida e dura de John Holmes, célebre actor de filmes para adultos? Que o presidente do Arouca é uma besta. E o presidente do Sporting não lhe quis ficar atrás, e lá resolveu mugir ele também, apesar do Lumiar não ter pastos, nem uma raça de bovino que se possa orgulhar de chamar sua. O presidente do Arouca estava a ter um ataque derivado dos afrontamentos característicos da andropausa? Chamem a segurança, as autoridades, campinos do Ribatejo, sei lá, qualquer coisa que não seja responder da mesma moeda, incluindo outros personagens naquele birra infantil. Quase lamento discordar da maioria das opiniões que tenho visto expressas nas redes sociais em relação a esta sequência de eventos, mas por uma questão de princípio não sou capaz. O que li nas muitas "threads" de discussão sobre o tema foi basicamente um grupo a chamar de "javardo" a Bruno de Carvalho, e outro a tentar JUSTIFICAR o facto do presidente leonino ter atirado vapor, ou seja lá o que foi que ele andou a chupar antes de tentar engatar aquele cota. Assisti mesmo a comentários indignadíssimos, do tipo "...mas sabes o que aconteceu antes de ele ter feito aquilo"? O quê, antes de tentar engatar aquele velhinho? Porquê, tinha levado "tampa" de outros a quem tentou dar a cantada? 

Nada justifica aquele comportamento, ó esverdeados camaradas. Lembram-se de quando do outro lado da rotunda morava um tal Vale e Azevedo, de quem se riam do alto da vossa soberba de bisnetos de visconde? Não está aqui em causa a instituição Sporting, ou a figura do seu presidente, mas sim o badalhoco do Bruno de Carvalho. Agora é ele o dirigente máximo, mas antes dele outros foram e outros mais virão, e não fica nada bem a um clube de "gente bem" (os queques, tias e dondocas preferem o Belenenses - em regra) andar a pactuar com um burguesso, que vem somar mais esta trapalhada a uma longa lista que inclui não permitir que os jogadores do clube "tenham carros vermelhos", ou despedir um treinador com o pretexto de que "não usou o uniforme do clube" durante um jogo. Mas não se pense que o rival figadal do leão passaram ao lado de uma polémica que nem lhes dizia respeito - foi um ver-se-te-avias de memes, piadas, montagens, etcetera com o presidente do Sporting como figura central. A contra-resposta não se fez esperar:


Pronto, lá está. "E se ele cuspiu, ah? Vocês não cospem também? Toda a gente cospe, pá!". Sim, é uma coisa da natureza humana, isso da expectoração. Eu cuido que ninguém leva com a minha gosma em cima, mas começo a desconfiar que não há limites para o que se pode considerar por "diversão". Certo, o sr. não cuspiu. Atirou fumo para a cara do outro. Mas só porque este último lhe deu um encontrão, atenção! Era fumaça de um cigarro electrónico que ele tinha ali à mão, pronto, e não uma caçadeira de canos serrados - "que pena", pensarão alguns. Penso que toda esta discussão se insere no conceito global de "rivalidade desportiva", mas sem a parte do "desportiva". A argumentação rapidamente passou para acusações de parte a parte, e os "crimes em parada" incluíam além de corrupção desportiva, tráfico de droga, fuga ao fisco, sei lá, penso que canibalismo e sodomia deviam estar lá pelo meio, também.

No auge desta discussão entre adeptos do clube do leão e da águia, animais nobres aos quais certamente desagradaria ver tamanhos figurões a representá-los (isto é, se racionalizassem estes conceitos, e pensando melhor, ainda bem que são irracionais), leio um simpático comentário de um simpático cibernauta facebookiano (saudações, se por acaso veio aqui parar) afirmando que "todos os clubes têm telhados de vidro". Todos? Mas que generalização mais injusta, e feita em nome de dois emblemas como se estes fossem o princípio e o fim de todos os asteróides em forma de clube que orbitam à volta do desporto-rei. Aprendam lá qualquer coisinha, para variar:


A Sociedade Deportiva Eibar fica sediada na cidade basca com o mesmo nome ("Eibar", e não "sociedade deportiva eibar", ó jeitosos) da província de Gipuzkoa, cujos 27500 habitantes só conseguiam encher metade dos estádios de Alvalade, Luz e Dragão - o seu próprio estádio tem capacidade para 6300 espectadores, e nem todos os lugares são sentados. Mesmo assim este clube disputa um dos campeonatos mais competitivos do mundo, o melhor em termos de qualidade, a par da liga inglesa, e não deve um avo a ninguém. Por mais que procurem, não vão encontrar uma notícia que seja relacionada com corrupção desportiva, combinação de resultados, ou negócios pouco claros envolvendo transferências de jogadores, arranjinhos com a edilidade local, nada, nadinha de nada. O SD Eibar é, pasme-se, o único clube do mundo que obteve o certificado de qualidade UNE-EN-ISO 9001! Apesar de ter um dos orçamentos mais baixos do campeonato espanhol, ocupa os lugares do meio da tabela, e ainda recentemente foi empatar a um golo no Santiago Bernabéu frente ao Real Madrid, um clube com um plantel 15 vezes mais caro que o seu. Apesar do atrevimento, ninguém se aborreceu, e os jogadores trocaram de camisolas após o apito final.


Talvez não explique tudo, mas contribui para que se tenha uma ideia do que é um bom exemplo de gestão desportivo o facto do presidente do SD Eibar ser uma senhora, Amaia Gorostiza, que vemos aqui na imagem com um cachecol do clube da sua cidade e do seu coração, em pleno Municipal de Ipuroa. Certamente que quando Amaia se aborrece, ou quando sente que o seu clube foi prejudicado, não desata aos empurrões, a cuspir ou atirar fumo para cima de ninguém. Ao contrário dos intérpretes daquela novela entre o clube do leão e o outro das vacas, aqui leva-se a sério o princípio da salutar convivência desportiva. Muito tinha o futebol português a aprender com o SD Eibar. 


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