Estive fora durante o fim-de-semana, e regressei ainda há pouco de Bangkok, mas a poucos minutos de sair de casa na sexta-feira tive a oportunidade de ver esta reportagem da autoria de Sandra Azevedo para o Canal Macau, intitulada "Viver com pouco", que reflecte - ou devia reflectir - as condições precárias em que se encontram alguns trabalhadores não-residentes (TNR) em Macau. A reportagem foi transmitida na sequência da actualização de uma notícia que dizia respeito ao acidente que vitimou quatro TNR na Rua do Tarrafeiro, e que indirectamente me diz respeito - quem leu o artigo de quinta-feira do Hoje Macau entendeu certamente porquê. Não fiquei "arrasado" com a notícia de uma amiga próxima sofreu uma morte horrível, e deixou orfã uma criança de nove anos. Não me pesa nos ombros o facto de não ter conseguido recordar um momento mau ou sequer menos feliz que passei com essa pessoa, pois não existiram, que é algo que faço com todos os que me são próximos, na tentativa de obter sentimentos mistos que tornem a minha dor mais suportável. Em retrospectiva, e passados agora que estão quase duas semanas depois da tragédia, tenho tudo mais ou menos arrumado no baú dos degredos, guardado lá no canto do sótão da alma, e no qual só mexo na hora de lhe juntar mais uma memória amarga. O que não consigo suportar é que de lá retirem peças que depois utilizem para um propósito maléfico, como foi o caso. A reportagem da TDM contou-nos aspectos da vida de três TNR: um chinês do continente, uma indonésia e uma filipina. Esta última, que reconheci de imediato, fez soar o alarme para a enorme injustiça que estava aqui a ser cometida. Esta Rodily Vilches é uma farsa, e apesar de não ter na altura todos os dados relativos à peça, e estar de saída para o aeroporto, posso agora com mais calma demonstrar que esta criatura é um péssimo exemplo do que é a vida difícil dos TNR em Macau.
A reportagem da TDM não é recente, nem foi feita a propósito da tragédia da noite do dia 11 para o dia 12 de Novembro, como eu pensei na altura em que estava de saída para o aeroporto, mas "do ano passado". Este facto ter-me-á passado despercebido na altura, mas foi mencionado não só no TDM News, do mesmo dia às 23 horas, como pela própria Rodily Vilches no dia seguinte na sua conta do Facebook, naquilo que parecia ser um assomo de "humildade": "vejam como eu já fui um dia; tenham pena dos pobres TNR, coitadinhos". Acontece que esta era a "sua situação real", portanto. Era mesmo? E seria assim tão grave? Vamos já saber.
A reportagem foi colocada no YouTube em 24 de Outubro de 2013, e segundo a descrição, é de 27 de Setembro, ou terá ido para o ar nessa data. Nela vemos o drama que é a vida de Rodily, como partilha a sua habitação miserável com mais alguns dos seus compatriotas, de como passa por dificuldades em gerir o pouco que ganha, "mandando quase tudo para a família", sendo o que lhe resta "insuficiente para fazer face às despesas mais elementares, como comer". É de partir o coração, e o ar dramático com que conta a sua história também ajuda, como podem verificar
aqui, nas imagens. De ir às lágrimas, fosse realmente verdade.
E o Canal Macau da TDM poderia mesmo ter chamado a si o mérito de salvar uma alminha da miséria, senão vejam isto: um mês depois da reportagem, a 14 de Outubro, temos uma espécie de bilhete de identidade, um "cartão de visita" próprio de um modelo. Quem teria ficado tão bem impressionado com aquela situação de caristia? Terá valido a pena toda a fominha, que eventualmente deu a Rodily um "corpinho de modelo", mesmo depois dos 30 anos?
Ooops, afinal parece que não foi bem assim, pois a 10 de Junho de 2013, Rodily anuncia na rede social que "começou a trabalhar como modelo", em regime de "freelance". Isto portanto
três meses antes da reportagem da TDM.
Ora, um mau começo, pode ser? Não é isso que aparenta a 5 de Julho, menos de um mês depois, data deste "photo shoot" - "very professional oh yeah". Não foi de propósito que não omiti o nome do fotógrafo, pois este Richard Kasica é um célebre arruaceiro que tem um historial de iludir empregadas domésticas e outras TNR de que têm hipóteses de seguir uma carreira como modelo, passando assim dos trapos do chão e da mesa dos restaurantes aos mais finos tecidos das grandes marcas que desfilam nas "passerelles" da "haute côuture" mundial. Oui, oui. E em troca apenas precisam de tirar fotografias
de graça que o caridoso Kasica publica em diversos "websites", juntamente com outra informação pessoal, e depois é só esperar que as chamem para "trabalhos" no mundo da moda. Uma mina de ouro por explorar, e que ainda não chegou ao conhecimento das grandes marcas, certamente.
Mas a ilusão vem de longe, de muito longe. Reparem como em Maio de 2012, quase um ano e meio antes da reportagem que nos deixou saber que conta tostões e é muito pobrezinha, Rodily auto-intitula-se "Macau top model". Sabiam? Depois não digam que aqui não se aprende nada. Com ela partilham desta "fantasia" outras empregadas domésticas trintonas, e agora acreditem se quiserem, nem todas com uma aparência tão razoável como esta "pobrezinha".
Com que então a "questão" é só essa? Ora, a resposta é simples: é só ligar para Paris e comunicar ao pessoal da Louis Vuitton, da Prada ou da Channel que neste momento a sua "top model" se encontra com um problema de liquidez tão grande que o simples facto de comprar umas sandálias da Manolo Blahnik "fazem alguma diferença". Haja vergonha na cara desta gente.
O problema aqui, meus amigos, é que nos deixamos impressionar com muito pouco - ou neste caso com "muito", que dá a entender ser pouco. A comunidade portuguesa, especialmente a que faz parte de uma certa "inteligenzia" que sai dos bancos da faculdade de um país como Portugal, que apesar de tudo ainda é do chamado "mundo desenvolvido", tem o terrível hábito de olhar para o que tem, dividir isso por um terço e achar qualquer coisa abaixo desse número "miserável". Existem de facto TNR em situação difícil, e nem todos pedem ajuda à Cecília Ho ou às restantes entidades que supostamente os devem ajudar. O problema é que alguns têm uma coisa que a Rodily Vilches desconhece e que ainda nenhum dinheiro consegue comprar. Chama-se "dignidade".
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