O Hoje Macau trouxe na sua edição desta quarta-feira
uma entrevista com Bobo Lo, directora de um programa de reabilitação psicológica destinada a adolescentes e jovens adultos, e professora do Instituto Politécnico de Macau. Confesso que tive enormes dificuldades em identificar esta personagem, e não encontrei a sua "ficha" na lista de "staff" académico do IPM, mas isso é o menos importante. O projecto chama-se "Teen Chi", e é apoiado pela Associação Baptista Oi Kwan Serviço Social de Macau, uma organização católica com fins caritários sediada em Hong Kong. Este "chi" no nome do projecto significa "juventude", e em chinês o caracter assemelha-se com o mesmo corresponde ao da cor verde - "verdes anos", muito poético sem dúvida, só que o lirismo fica por aqui. Apesar de ser louvável que se invista na saúde intelectual dos jovens de Macau, este é um campo que é ainda considerado por muitos um tabu. Quando Lo Bobo afirma que os asiáticos são "tímidos" na hora de procurar ajuda para aqueles problemas de saúde que não se exteriorizam na forma de mazela visível aos olhos de toda a gente, está a pecar por modéstia. Nestas coisas do equilíbrio mental, conta muito a questão da "face".
Abordei pela última vez a questão da saúde mental em Macau
neste artigo, há pouco mais de um ano, e pode-se dizer que nada mudou desde então, antes pelo contrário. Há sempre que ter em conta que Psicologia e Psiquiatria são coisas completamente distintas, e se nas línguas ocidentais ainda é passível de se gerar alguma confusão, em chinês está tudo claro como a água: psicologia diz-se literalmente "estudo da mente" (心理學), enquanto a psiquatria cuida das "doenças do espírito"(精神病學) - e quando espírito está doente, é um caso sério. O trabalho do psicólogo insere-se mais na área do assistente social, tendo a função de orientador, ou conselheiro, e tornou-se quase uma figura indispensável da didáctica dos tempos de hoje. O psiquiatra, por outro lado, é basicamente um médico que trata das doenças do foro mental, desde uma simples insónia ou leve depressão, até aos transtornos mais graves, como a esquizofrenia ou a loucura. O problema das sociedades asiáticas, e neste particular a chinesa, bastante competitiva, é que não existe um meio-termo (como em quase tudo, aliás): ou o indivíduo está aí para as curvas, ou institucionalizado, enfiado numa camisa de forças e confinado a um asilo, bem longe da gente "normal".
Felizmente vai sendo cada vez mais raro encontrar casos de pais que escondem os filhos deficientes em casa, pensando estar assim a "protegê-los" de uma sociedade onde nunca se integrariam, ao mesmo tempo que salvavam "face", evitando a expôr-se a comentários desagradáveis da parte de estranhos. Aqui ainda tem muito peso a tradição e a superstição, mas as novas gerações vão-lhes dando menos importância, ao mesmo tempo que em Macau se tem investido relativamente no ensino especial, e o aborto terapêutico é permitido caso sejam detectadas anomalias no feto em devido tempo. Contudo existe ainda pouco informação sobre o autismo, que muitos pais consideram ser apenas uma característica particular da criança; ou é muito quieta, ou mimada, ou teimosa, e às vezes é sugerido que é possível corrigir o defeito "com um bom par de açoites". Já quanto ao Transtorno do déficit de atenção, vulgo "hiperactividade" - e não digam que "não é a mesma coisa", porque é - fica mais fácil deixar nas mãos de especialistas. Claro, quando os putos não param quietos, os outros que os aturem, e os maus resultados escolares não se devem ao desinteresse dos pais ou à hereditariedade. Nesse caso os tabefes podem ser substituidos por um qualquer metilfenidato, uma droga sintética neuroestimulante da mesma família das metanfetaminas, onde se inclui o "ice". Portanto caso se esgote a Ritalina na farmácia e o puto não pare de dar pulos em cima do sofá, pergunte à sua empregada filipina se conhece alguém que "desenrasque" pelo menos "só dessa vez".
Já quanto aos adultos, para os chineses é tudo muito simples: ou se é são, e por isso toca a meter as mãos à obra, ou se é um chalupa e toca a ser corrido dali para fora. O conceito de "stress" é aceite, pois implica derrubar barreiras, contornar obstáculos, vencer desafios, e sempre resistindo à pressão, ao mesmo tempo que se pauta pela disciplina e o rigor. O erro, como aliás referi no artigo do Hoje Macau do último dia 7, é a "panela de pressão"...da pressão, e quem claudica e prefixa a pressão com um -de, alegando "depressão", está a fazer batota, e das duas uma: ou está a querer desistir da corrida, ou é um preguiçoso que se quer encostar ao trabalho alheio e partilhar dos louros sem mexer um dedo. Trata-se novamente do problema da quantificação, daquilo que se observa a olho nu: alguém com um braço partido está realmente "doente", enquanto um maníaco-depressivo à beira do suicídio está a "enganar", é um espertalhão. Outras condições pouco conhecidas da generalidade, caso do transtorno bipolar (dupla personalidade) são explicadas de forma muito simples: se fulano ou fulana revelaram alterações de humor, isto deve-se "à má educação", ou um ambiente familiar desfavorável. O alcoolismo ou o abuso de substâncias psicotrópicas nunca é colocado de parte, e aqui atende-se sobretudo à aparência da pessoa em questão. Não surpreende que Bobo Lo refira o exemplo dos funcionários públicos, e sugere que procurem auxílio psicológico caso este seja necessário "fora do círculo da administração. Curioso no entanto como ela recorre a tanto eufemismos do tipo "evitar a bisbilhotice" ou "discussão entre colegas", quando podia muito bem "trocar tudo em miúdos" dizendo "medo de ser considerado um maluquinho".
Gostei que tivesse mencionado as principais causas das desordens do foro psiquiátrico, quer as sociais, quer as de ordem profissional ou familiar, e especialmente as que são provocado por desiquilíbrios do organismo, de ordem biológica. Uma "tara" pode ser passada de geração para geração, mas à transtornos que por vezes acontecem devido a alterações químicas do cérebro. Estas podem ser naturais, como os distúrbios hormonais causados pela mudança de idade, por exemplo, ou podem nem ter explicação - acontecem porque acontecem, ou como se costuma dizer, "acontecem nas melhores famílias". A propósito da tal hiperactividade nas crianças, que referi acima, existe um estudo que associa alguns aditivos nos alimentos, como os corantes e os conservantes, e a sua composição química às alterações do comportamento de algumas crianças. E de facto não é todo despeciendo estabelecer esta ligação. Eu próprio tenho uma teoria para o facto dos jovens de hoje em dia se desenvolverem muito mais rapidamente a nível estrutural do que no nosso tempo ou no tempo dos nossos pais: as hormonas de crescimento. O que nos impede de afirmar que as hormonas que contribuem para o desenvolvimento precoce dos frangos ou do gado não produzem o mesmo efeito em seres humanos?
O que me deixou a torcer um pouco o nariz é a tipificação que a assistente social faz de alguns comportamentos, associando-os inevitavelmente a certas patologias. Exemplos de "...o papel do homem na cultura chinesa ainda é o de criar e cuidar da família e dos pais idosos. Por isso, se não conseguir desempenhar este papel, por exemplo quando não consegue entrar numa universidade ou pensa que não vai ter um emprego com bom salário, começa a pensar que vai ser considerado “inútil”, o que resulta em depressão ou ansiedade", no caso dos adultos, ou ainda "(...)os pais também intervêm muito no julgamento das crianças, fazendo com que estas comecem a ter transtornos obsessivo-compulsivos". Compreendo que se tenham estudado estes problemas, e se tenha identificado um nexo causa-efeito ou um certo padrão de comportamentos, mas as pessoas não são máquinas de lavar roupa que se programam, e cada uma reage de forma diferente aos diversos estímulos, consoante o seu carácter ou as circunstâncias. Talvez o problema seja da tradução, mas não posso deixar de dar o benefício da dúvida a Bobo Lo, uma vez que é fácil perceber que existe uma espécie de "mapa das estradas" do sistema nervoso, e as reacções são de um modo geral idênticas. Aliás entre os chineses o improviso e a extravagância são já por si sintomas de que qualquer coisa não vai bem no "disco rígido", e evita-se recorrer ao espontâneo, de forma a manter uma imagem de equilíbrio.
No caso dos mais jovens, e isto é apenas a minha opinião pessoal, acho condenável a pressão que se coloca nos jovens para a obtenção de bons resultados escolares, chegando-se a criar "rankings" dentro das turmas logo desde o ensino primário e afastando alunos problemáticos, ou cujos resultados fiquem abaixo da média, relegando-os para outras escolas mais ao seu "nível". Se isto não é o que se chama elitização e descriminação, vou ali e já venho. No entanto isto é visto como positivo, pois torna as crianças "competitivas", o que no mercado de trabalho dos dias que correm é uma vantagem. O problema é que em termos de criatividade é o que se vê, e se o objectivo é criar peças numa linha de montagem, parabéns, pois o objectivo foi conseguido. As escolas internacionais, incluído a Escola Portuguesa têm mais a tendência para se adaptar à realidade local do que tentar aguçar o espírito crítico e criativo. O pior é que estes "rankings" valem o que valem, mas apenas em Macau, pois caso se habituem aos "pódios" por aqui, é possível que se dêm mal caso escolham estudar no exterior, portanto é bom que os pais os mentalizem que não vão estar por ali a "exercer influências", se é que me faço entender. O ideal seria uma macedónia de alunos bons, menos bons e médios, e assim aprendiam todos uns com os outros. Ninguém me convence que a via de sucesso para um jovem passa apenas por estar rodeado de outros bons como ele. E o processo implica - lá está - aprender também a errar. Permitam-me uma analogia futebolística: aceita muito melhor a derrota uma equipa que esteve dez jogos sem perder, do que outra que passou 30 ou 40 sem conhecer esse amargo sabor. É possível que a primeira vença logo na partida seguinte, enquanto a segunda a arrisca-se a entrar num ciclo negativo.
No caso dos adultos, existe uma certa tendência para o uso e abuso de "estrangeirismos" para descrever certas situações. Tivemos recentemente os casos de "democracia" e "desobediência civil", usados em situações pouco dignas de palavrões dessa envergadura, e amiúde leio o oiço falar de "intimidação". É preciso recordar que ao contrário da chantagem, da ameaça ou da coacção, a intimidação só surte efeito caso o seu alvo aceite ser intimidado - são precisos dois para dançar esse tango. É por isso que digo que a malta nova do Novo Macau (e são uns rapazes bestiais, entenda-se) têm muito que aprender; alegar que "temem o aumento da intimidação" com a nomeação de Ip Son Sang para procurador do MP. Sabem o que é que parecem? O forcado a chamar o touro durante a pega de caras. Mas então, e se a chefia ou a autoridade "der a entender" isto e aquilo? Expresse essa intenção, e depois concretize-a se for capaz, e não deixe as coisas assim em estado cru, pré-fabricado. O "terrorismo psicológico" pode ter um registo respeitável de vítimas, mas existe sempre a possibilidade de criar uma brigada anti-terrorista para combatê-lo. Basta querer.
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