Olho para o vídeo da Patrícia a tourear a professora de Francês e lembro-me com nostalgia dos meus tempos de estudante, e de como apesar de ter entrado no sistema já depois do 25/4, as liberdades não eram o que são hoje. Aliás, não eram diferentes do que foram durante décadas, num país que apesar de pobre, atrasado e deprimido, era conservador q.b. e via nos seus professores os seus mestres, uma elite completamente dissociável da cultura e da sabedoria.
É claro que víamos nos professores uma figura de autoridade, e confesso que chegávamos a abusar daqueles que, coitados, tinham mais dificuldade em impor essa figura. Os mais autoritários impunham o seu pastelento ritmo, e restava-nos a velha arte do improviso. Era o clássico pneu furado, a chamada para casa do "sôtor" às quatro da madrugada, esses eram os tempos. Confrontação física nunca.
Vi hoje no Jornal da Tarde um palerma qualquer ligado o ministério da educação culpando as novas tecnologias, nomeadamente os telemóveis, pelo incidente entre a Patrícia e a "prof" de Francês. Era a mesma coisa que culpar o cubo de Rubik por um incidente semelhante em 1984. Nada disso. Os alunos têm hoje uma liberdade que não fazem a mínima ideia como foi conseguida. Permitam-me fazer de velho: "no meu tempo tinhamos respeito, faziamos as coisas melhor, blá blá blá". Agora tenho que parar por causa da tosse.
Os pais - onde estou incluído - penaram muito e sentiram na pele os perversos efeitos da autoridade e da disciplina do "regime" (um qualquer, escolham). Viveram num país e num tempo onde não existia "fast food", PlayStation, internet, e muito menos telemóveis, e hoje que nada falte aos seus meninos de ouro. Lembram-se como ficávamos de boca aberta quando viamos nos filmes americanos a malta a falar ao telefone de um carro? Os miúdos nem conseguem imaginar como era possível, e pensam que os "cotas" viviam na idade das trevas.
No fundo trata-se do tal "generation gap", nada mais. O meu pai lembrava-me de como no tempo dele era tudo muito mais difícil, de como tinha que ir para a escola com uma gravata apertada ao ponto de servir de forca caso dobrasse o tenro pescocinho para a frente, e de como os castigos corporais eram não só comuns, como também encorajados. O petiz chegava a casa com o rabo avermelhado ou a mão a ferver da palmatória e ainda levava mais em cima. "O que tu fizeste???"
E o que devia acontecer com a Patricinha? Realisticamente, devia ser expulsa. Mas nos Estados Unidos da América, esse arquétipo da civilização moderna, em que tudo o que se faz está certo e devia ser seguido religiosamente, a Patrícia ia ser o centro das atenções durante uma semana, gozada, humilhada e escorraçada em todos os média ao ponto de ficar maluquinha e se atirar de uma janela. Isto é, se não pegasse numa arma e limpasse o sebo a uns vinte professores e colegas antes de rebentar os miolos. Aí sim, era uma tragédia.
Os problemas de MacauSeria impensável uma situação semelhante na Escola Portuguesa de Macau. Aos meninos e meninas que são todos o produto de uma elevadíssima e exigentíssima selecção biológica dos nossos melhores expatriados não lhes falta nada! Os maiores problemas passam-se com este ou aquele capetinha que chega à sala com as mãos sujas de terra ou puxou o suspensório ao colega. Eu até descrevia algumas situações quasi-surrealistas que me levaram a falar com os professores dos meus educandos, mas seria demasiado óbvio, portanto abstenho-me.
Um problema de que temos tido conhecimento nos jornais, mas que nos passa ao lado é o da presença das seitas, das associações de malfeitores, nas escolas. São jovens ainda em idade escolar, que atraídos por promessas de poder, estatuto e dinheiro fácil optam por essa via, quase sempre à revelia dos pais e dos professores. Aliás é curioso como não são conhecidos casos de agressões a professores. Das duas uma: ou existem e são clinicamente abafados, ou se os alunos não gostam do mestre simplesmente não aparecem nas aulas. Chatear-se para quê? São os esplêndidos resultados do ensino público e gratuito.
Mas é que o problema é mesmo "heavy-metal". São inúmeros e cada vez mais comuns os casos de agressões nas escolas. Algumas com consequências bastante graves, como a do aluno que se encontra há dois anos em estado de coma. Os casos de agressão - por vezes de natureza sexual - sucedem-se, e com vídeos que comprovam. Os poucos especialistas da área das Ciências Sociais desdobram-se em teorias, e mais grave do que isso, a polícia continua a deter autênticos delinquentes de uniforme escolar. Muitos deles bastantes perigosos, até.
Qualquer dos meus caros leitores da área do Direito tem consciência dos dois tipos de prevenção que se pode aplicar nestes casos: a especial, que ataca indirectamente o problema, criando condições para a reabilitação dos jovens, e da sua preparação como indivíduos responsáveis pelos seus actos, e a prevenção geral, que procura uma solução fácil para o problema, mais de acordo com a vontade simplista e popular, que foi neste caso reduzir a idade da imputabilidade criminal.
O mais irónico é ouvir alguns senhores falar da sua preocupação no assunto, e falando das seitas como se não estivessem eles próprios a dormir na mesma cama com elas. O que seria de alguns negociantes, casineiros de trazer por casa e outros patifezinhos se não fossem estes jovens para fazer alguns trabalhinhos que requerem uma cabecinha mais impoluta e verdinha? Fechem lá os karaokes e dá-se logo pela diferença.
3 comentários:
Acabou de passar por mim o senhor doutor Jorge Neto Valente aqui em Lisboa. Pergunto ao senhor Leocardo se saberá dizer-me se o advogado teria entrado em Portugal como chinês ou como português?
A culpa é de todos! Das seitas, dos casinos, das escolas, dos telemóveis, do governo, da justiça e até dos barulhentos e infernais "Karalhokes"! No meio disso tudo só lhe faltou mencionar o essencial... Os Encarregados de Educação, a Família ou...pior...a falta dela!
Caro Leocardo,
Dê uma vista de olhos ao blogue do prof. António Balbino Caldeira, tem informações fabulosas sobre o acontecimento e seus derivados...
http://www.doportugalprofundo.blogspot.com/
Cont. boa Páscoa
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