sábado, 22 de março de 2008

Os calhaus de Malaca


Um dia destes de manhã a minha colega B. chegou perto de mim e pediu-me ajuda com uma tradução. Tinha um ar pálido, doente até, e perguntei-lhe o que tinha. Disse-me que não tinha dormido bem, que lhe doía o estômago, e por aí fora. Ao que lhe sugeri que levasse o trabalho nas calmas, ou como se diz por cá, que o fizesse man man. Respondeu-me que assim não, que o trabalho é de grande responsabilidade, e não sei quê, e é importante e tal. Tretas. São só papeladas. Nada que mude a vida de ninguém e muito menos o mundo.

Quando somos novos pensamos sempre como seria fixe ser alguém, mudar o mundo. Triste desilusão. A maioria de nós acaba em “just a job” e filosofa sempre à hora da saída, desabafando com um vago “a vida está lá fora”. Mesmo os políticos observam as regras da democracia, torcem antes de quebrar, os médicos salvam uma vida mas não a podem salvar para sempre, mesmo o grosso dos arquitectos ou engenheiros deixam uma obra efémera, e os advogados só servem para chatear, gerar mais e mais papelada.

É esta súbita constatação da pequenez que, não devidamente preparada leva à depressão e muitas vezes a elevadas contas na psiquiatria. Convicções parecem existir cada vez menos. Anda-se cada vez mais ao som do mar e do vento, e quem está nos centros das decisões não precisa de se impor ou de sair em defesa de nada ou de ninguém. Deixa a banda passar e tenta ser o mais discreto possível, até porque não deve nem quer dar satisfações a ninguém. No máximo faz por dividir para poder continuar a reinar. Quem está no “meio” (mas que se julga no topo) não se quer comprometer. Tudo normal.

Esta deambulação em tons de “teoria da conspiração” leva-me mais uma vez a falar do estado da nossa comunidade portuguesa aqui em Macau. Os que ficaram portaram-se muito bem, tiveram juizinho, ou como alguém uma vez disse e muito bem, “ganhou raízes”. E se assim foi para ficar, continua a ser assim para permanecer, para sobreviver. É completamente irrelevante o nosso associativismo. Carinhas larocas que aparecem nos jornais esporadicamente, completamente ignorados pelo sistema, até porque os votos da pequena elite que representam não chega para eleger ninguém, nem faz a minima diferença.

Foi a Dra. Maria Amélia António que disse e bem a propósito da eleição para o Conselho das Comunidades Portuguesas esta semana. Portugal ignora Macau e está-se nas tintas para os portugueses que aqui estão. Para virem à FIM é quase preciso implorar. O ano passado não mandaram qualquer representante ao 10 de Junho e tudo indica que este ano assim seja. E por muito que se fale de forums disto e daquilo, cooperação entre Macau e os países de lingua portuguesa na área do Direito e do torto, vinhos portugueses, queijos e pastéis de nata, a verdade é que fica tudo na mesma como a lesma. Essas notícias são apenas isso mesmo: notícias. Um mero registo, sem qualquer impacto na vida do território ou nos seus cidadãos.

A questão do ensino e da difusão da lingua portuguesa anda também pelas ruas da amargura. É incrível como a república não poupa meios nem esforços para que ensine o português em Timor-Leste, onde os resultados são muito mais inviáveis, e se trate a questão da Escola Portuguesa de Macau como um problema. O pior é que em vez de batermos o pé, preferimos estudar alternativas, criar mecanismos de defesa e sim, até ponderar a possibilidade da escola se internacionalizar de modo a atenuar as despesas. Como se 430 anos de administração portuguesa não tivessem a minima importância e se possam facilmente descartar como uma fralda suja. Não admira que a RP China não tenha colocado qualquer obstáculo em manter o português como lingua oficial da RAEM. Tendo a capacidade de olhar mais longe, sabiam que a sua importância se iria esbater e toleraram-na, em vez de terminar abruptamente com o seu uso de forma menos diplomática.

É pena que o grosso do investimento estrangeiro se faça em países que não só são completamente independentes (casos do Brasil e dos PALOP) ou em lugares ainda mais distantes que Macau e sem a mesma prespectiva de retorno (outra vez Timor). Será assim tão grande o complexo de culpa? Era mesmo bom que nos conseguissemos impor como comunidade de Macau sem estar sempre com o medinho de pisar a bola e que o contrato não seja renovado. Se somos até menos em número que os Filipinos, que esperanças temos que daqui a alguns séculos a nossa presença por estas paragens não se cinja a uns meros calhaus, como em Malaca? Só que desta vez nem são precisos os holandeses para nos correr daqui para fora. Nós próprios nos encarregaremos disso.

17 comentários:

C disse...

Caro Leocardo,

Concordo apenas em parte do que diz, mas comecemos pelo fim.

A lusa fibra pelo mundo inteiro, pode-se equiparar ao material plástico (no bom sentido) que leva milhares de anos a decompor, se é que se decompõe. Vejamos Malaca, Flores, etc... os Bayingis da Birmânia, qual o segredo do sucesso? O Cristianismo, o Catolicismo. Em Macau nós portugueses nunca haveremos de perecer, de nos extinguir, porque criámos raízes, e por vezes as raízes mais profundas são aquelas que não visíveis a olho nú, ou não visíveis de todo.

No foro político, isso tem tudo a ver com ESTE (DES)GOVERNO SÚCIA E SOCRETINO, para ter quebrado com tal tradição de se enviar um representante do Governo da República às comemorações do 10 de Junho em Macau.

Os Governos do PPD/PSD nunca falharam com Macau e muito menos o último Secretário de Estado das Comunidades Portuguesas, Dr. José Cesário. Após a sua eleição como deputado pelo círculo da emigração fora da Europa, entendeu e muito bem visitar quase de seguida Macau e a Comunidade Poruguesa aí residente, pois saber do seu valor estratégico para Portugal.

Sobre a "constatação da pequenez", temos de estar cientes que a construção da Grande História da Nação portuguesa é toda ela também feita por "petit histoires", são pequenoso contributos que nós,simples comuns mortais, o Leocardo, eu, e todos os outros vão dando no dia-a-dia em prol da Pátria portuguesa.
Mal de Portugal se vivesse e fosse feito apenas dos graficamente "picos históricos", seria de uma infelicidade paupérrima, mas não, a nossa História, Cultura e Nação são assim tão grandiosas porque diariamente são registados os pequenos contributos de quem tem por intenção servir a Pátria e a Nação portuguesas. Se todos cumprirmos com o nosso papel, com as nossas obrigações, sempre por amor a Portugal, verá que não tardará chegar a hora de renovadas glórias nacionais. Como diziam os prussianos, "Pela Glória e Pela Pátria" ou cantavam Preussen Gloria.

Saudações,

C disse...

* penúltimo Secretário de Estado das CP

Anónimo disse...

Macau já não é mais português, é americano. Basta olharmos para o Wynn, Venetian, entre outros. A globalização tem coisas destas. E viva a globalização!
Estou a terminar o curso cá em Lisboa e mal vejo a hora de arrumar as malas, entrar logo no primeiro avião e voar rumo à Terra Minha pois, tirando a gastronomia e a cultura, Portugal nada de interessante tem. Se dizes que Portugal não se interessa por Macau, este muito menos por Portugal. Os Fóruns de Cooperação não servem senão para mostrar que os mais altos dirigentes gostam de saborear um bom vinho, terminando o "convívio" com um simples e amistoso shakehand. E depois? Cada qual vai para o seu cantinho sem olhar para trás.
VIVA MACAU! (atenção, não me refiro à companhia aérea).
E já agora, os meus sinceros parabéns pelo magnífico blog. Continua assim, Sr Jornalista! :)

P.S.: A radicalidade das minhas palavras pode assustar ou incomodar qualquer pessoa, mas que posso eu fazer? É apenas o que os meus neurónios me levam a escrever; enfim, é a minha opinião.

Um valente shakehand. :P

C disse...

... e Viva a Globalização em português ou portuguesa.

http://passaleao.blogspot.com/2008/03/um-hino-ao-estado-que-chegmos.html


«Portugal foi-nos roubado»

"Portugal foi-nos roubado
há que dize-lo a cantar
para isso nos serve o fado
para isso e para não chorar.

Cinco de Outubro de treta
o que foi isso afinal?
dona Lisboa de opereta
muito chique e por sinal.

Sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano.

Os heróis republicanos
banqueiros, tropa, doutores
no estado em que ainda estamos
só lhes devemos favores.

Outubro Maio e Abril
cinco dois oito dois cinco
reina a canalha mais vil
neste branco verde e tinto.

Sou português e por tal
nunca fui republicano
o que eu quero é Portugal
para desfazer o engano!"

De João Ferreira Rosa

C disse...

Caro Leocardo,

Tenho vindo a observar que alguns dos seus leitores fazem confusão entre os significados de etno-nacionalismo e nacionalismo.

Tal como a RPC e Portugal não admitem o etno-nacionalismo, por razões distintas, a primeira para evitar separatismos, logo Macaenses (de nacionalidade chinesa) como Nação está fora de questão e a segunda, porque a Nação portuguesa não é em si étnica, por ter tido origem numa grande mescla étnica. Talvez a confusão destes conceitos seja efeito de mais de três décadas de desinformação.

Saudações,

Anónimo disse...

Ora, meu caro Vitório a Grande História da pequenina nação portuguesa não passa disso mesmo: História.

Tudo bem que, por ser dado ao saudosismo e à nostalgia ou simplesmente por não ter mais a que se agarrar, adopte esse tipo de ideologia e/ou crença (eu acho que se trata da segunda, mas não quero que se ofenda). A liberdade de pensamento é, ou devia ser, um direito universal.

A persistência com que se afirm é que o torna um pouco cansativo. Qual o propósito de inundar um blog como o Leocardo de comentários dessa natureza? Está a tentar convencer alguém ou trata-se apenas do grito do ipiranga de um desses egos fossilizados há trinta anos atrás?

Hmm.. Talvez seja apenas necessidade de afirmação! Não está um pouco velhinho para isso?! Cresça Vitório.

Saudações!

C disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
C disse...

Meu caro,

Apenas que as discussões sejam fundamentadas, muito bem fundamentadas, fazer com que alguns reflictam um pouco os disparates politicamente correctos que por aí veiculam, fruto da mais vil desinformação dos últimos 30 anos.
Cristo ressuscitou para no iluminar com a Verdade.
A liberdade de pensamento não é a liberdade de relativizar o pensamento, existe o Bem, o Mal, a Verdade e a Mentira. Todo este meu esforço foi apenas para defender a Verdade.

Anónimo disse...

Por falar em "relativizar o pensamento":

"Cristo ressuscitou para nos iluminar com a Verdade."

Ora fundamente lá isso, "muito bem fundamentado"!

A sua Verdade em matérias como esta é tão válida e tão relativa quanto a dos outros. Já lho tentaram demonstrar, por vezes, de forma errada. Contudo, persiste em deixar aqui esse género de comentários! O morto de há 30 anos que existe dentro de si teima em estrebuchar onde não é chamado.

Guarde o profeta, a pátria e todos esses dogmas na paz do seu senhor. Pensa que não mas essa sua cantiga já toda a gente a conhece.

Fale por si! Isto é, se realmente quer que as suas palavras valham o esforço.

Caso contrário talvez seja melhor ficar-se pelo seu blog. Tenho a certeza que lá as suas palavras são muito apreciadas.

Anónimo disse...

Caro Leocardo,

Sem ser exaustivo, permita-me que lhe aponte dois descuidos mais óbvios que me saltaram à vista na sua peça: «dóia» e «cinga». É «doía» e «cinja».

Guimaraes disse...

Bom texto, que mostra muita realidade escondida.
De facto, os governos de Lisboa nunca ligaram nenhuma aos portugueses (de "jure" ou de "corda") do Oriente.
Testemunhei o que relato no meu post: http://guimaraes2-observador.blogspot.com/2007/07/portuguesismos-2.html.
Enquanto o Governo de Macau financiou, ainda houve algumas actividades, com muito interesse do Governo de Macau e o maior desprezo do governo de Lisboa, mesmo quando o representado era Portugal e não somente Macau.

Anónimo disse...

Que belo retrato que faz dos advogados. Nem há nada que se diga ao belissimo comentário "só servem para chatear".Como advogada estagiária sinto-me honrada....

Anónimo disse...

Bom artigo, caro Leocardo. Acabou-se a arvore das patacas para o Portugal, deixou de "existir" Macau.

Infelizmente, a comunidade portuguesa local preocupa-se mais em juntar o seu dinheirinho, discutir as crises da sua terra do que se preocupar com o espaço onde provavelmente passaram/passarão grande parte das suas vidas.

O esquecimento da lingua e das manifestações culturais portuguesas, em contraste com a preservação dos bonitos edificios (que servem lindamente o seu papel como produto de consumo aos turistas) é o legado para o futuro que a presença portuguesa deixa no território.

Tirando alguns macaenses e uns quantos excentricos portugueses , a intervenção social, cultural e civica da comunidade portuguesa é praticamente nula. Quando acontece, é insignificante, dispersa, rídicula nas suas confrontações internas e desfazada da realidade local.

Triste, considerando que hoje, dada a conjuntura política, económica e social, se apresentarem condições extremamente favoraveis para a comunidade portuguesa se manifestar e contribuir na construção do futuro da cidade.

Como sempre, é cada um por si...

Leocardo disse...

Minha cara advogada estagiária: só lhe cabe a si, como futuro da profissão, provar que estou enganado. Boa sorte para si e sucesso!

Anónimo disse...

Caro Leocardo,

Compreendo e partilho o seu sentimento.

O que me entristece mais é o facto de, independentemente do ideal, da causa, do tema, mais e mais se perde o espírito de comunidade, de pertença, de almejar por algo melhor, de acreditar que se pode fazer a diferença.

Somos cada vez mais indivualistas, cada vez mais escravos de mensagens de consumo, de obrigações, da economia..."Compre isto", "compre aquilo"... "você precisa de um carro novo", "de um relógio ou de um perfume". Irradiados por publicidade, por filmes "pop", "franchises" de consumo imediato, "fast food"...Hoje, cada vez mais o individuo se afoga em si...Não cumprimentamos o vizinho, não conhecemos quem está no café, não nos preocupamos com o outro... Vivemos para o imediato, egoistas, perdidos nesta teia de compromissos, obrigações, de milhares de pequenas "refeições" imediatas que "temos" de consumir... Que retiramos o espaço, e tempo de olhar para o lado, para a frente... e para trás.

Vivemos na relatividade da absoluta incerteza, da satisfação imediata, da escravatura dos média e deste mundo que nos preenche com a mensagem coca-cola...

Como ovelhas, nascemos, crescemos, reproduzimos e morremos...

Talvez seja este o caminho da linguagem universal? Um mundo de ruinas e de culturas mortas em prol da linguagem coca-cola?

Anónimo disse...

O vitório mascara-se daniela gomes para poder escrever ainda mais disparates...

C disse...

Caro Anónimo,

A Daniela, que acho que não conheço, ainda é um pouco verde e bastante idealista para estas discussões...
Se tiver alguma coisa a dizer, di-lo-ei com frontalidade como sempre o fiz.