O meu amigo K., natural de um país africano, contava-me hoje que estava preocupado com o irmão. Aparentemente as autoridades daquele país andavam de olho no rapaz e nos seus bens, desconfiados de que teriam sido obtidos de forma ilícita. "E o que faz o teu irmão?" - perguntei. "É polícia", respondeu. E ao que parece de uma alta patente, e além do seu certamente parco vencimento, recebe de vez em quando uma ajudinha de familiares dos rapazolas que metem o pé na argola, e procuram "uma segunda oportunidade". "Mas isso é corrupção", disse eu. "Não, não. É mesmo assim", retorquiu K.. É mesmo assim...
Isto pode parecer normal para uns, chocante para outros. Para uns corrupção, para outros "óleo que faz a máquina funcionar melhor". Alguns podem-se questionar até que tipo de crime ou até que montante se pode fechar os olhos, outros se calhar até acham bem, e que "não há nada que não se resolva", por debaixo da mesa, claro. Em alguns países estas práticas são de levar as mãos à cabeça e perguntar "como é possível?". Em certos países são castigadas severamente. Noutros países são encorajadas, até como forma de fugir à pobreza endémica que por lá grassa, e em muitos casos partem dos mais altos dignatários da nação.
Outra história: um familiar da minha mulher vive num prédio de 5 andares, sem elevador nem condomínio. Um grupo de alegados malfeitores que vivia no quarto andar fazia barulho todas as noites, até de manhã. Era comum acontecerem acesas discussões, partiam-se objectos, desconfiava-se do consumo de estupefacientes e o edifício era frequentado por indivíduos mal encarados. Nunca em situação alguma as autoridades foram chamadas ou acorreram ao local. Os vizinhos pelavam-se de medo e muitos optaram por mudar, até ao dia em que os problemáticos locatários saíram por vontade própria, não se sabe para onde nem porquê.
Isto tudo a propósito de alguns números divulgados esta semana, primeiro pelo CCAC, e depois pela novel Comissão do Acompanhamento das Medidas de Dissuasão do Tráfico de Pessoas (ufa!). Os primeiros apresentaram um decréscimo no número de queixas apresentadas em relação a 2006, os segundos, depois da sua criacção há um mês e meio, não receberam uma única denúncia, mas apenas 12 pedidos de informação. Mas o que se passa? Será que em Macau não existe corrupção? Será que o caso Ao Man Long e a sua magnânima conclusão arredou os piratas da baía do Rio das Pérolas? E estaria o departamento de estado norte-americano enganado? Não será a prostituição apenas uma das especificidades de Macau? Porque nenhuma mão lhes bate à porta?
Tudo se pode resumir numa palavra: medo. A cultura do medo está instalada nos residentes de Macau. Não fosse a cidade a capital dos casinos, e os seus agentes bem educados em não apostar mais do que têm para que não fiquem "fora do jogo". Não que os canais não funcionem. Tenho a certeza que o CCAC e a tal CAMDTP laboram dentro das suas possibilidades e imbuídos da melhor das vontades imaginárias para combater os flagelos da corrupção ou do tráfico de pessoas. Só que antes de praticar, o melhor mesmo é educar. Sim, Macau é pequeno. Sim, é preciso um programa de protecção de testemunhas. E que tal começar por cima, pelo sistema judicial, que só agora vem decidir a favor de uma indemnização a um pobre turista que levou com um carro em cima no Grande Prémio de 2000 e morreu?
É dos pequenos que se alimentam os grandes. Existe uma rede de canais que cheiram muito mal e que fazem com que isto continue a funcionar assim. É a cultura da palmadinha nas costas, do compromisso de honra, do ajuste de contas, dos funcionários-justiceiros que andam armados, e, o pior de tudo, a passividade com que tudo isto decorre. Quantas vezes já ouvimos frases do tipo "deixe estar" ou "Macau é assim" ou a pior de todas: "não gosta volte para o seu país". Era tão bom que as mãos que batessem nas portas não estivessem tão...mortas.
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