Antigamente na Rua Pedro Nolasco da Silva, perto do Capitol, estava uma senhora que vendia maçarocas de milho cozidas. Um dia comprei-lhe duas, mas uma estava em más condições e amassada, e pedi-lhe para trocar. Ela respondeu-me “no, vely good, USA”. Insisti e fiz-lhe ver que estava nas tintas para de onde era a porcaria do milho e só queria uma maçaroca em condições. Levei a minha avante, mas não foi esse o primeiro contacto com o americanismo latente de que Macau sofria nos anos 90. Era comum encontrar jovens com estampas da bandeira Americana, da bandeira sulista ou mesmo da
bald eagle nos casacos ou nas t-shirts. Existia também uma marca de sanitários
American Standard.
Eram os reflexos do modo de vida Americano, trazido por Hollywood e pelos
Dallas e a
Dynasty. Califórnia, Miami, Hawaii ou Las Vegas eram o destino de eleição do turista mais endinheirado. Bastava uma tarde de compras em Manhattan e ficava-se completamente esclarecido sobre o modo de vida capitalista. Era uma honra e até uma festa se o jovem era selecionado para uma universidade norte-americana (daquelas no name tipo Smallsville ou Nowheretown) ou canadiana (o fascínio dos hongkongenses pelo Canadá é algo que nunca entendi). O McDonald’s rompia por Hong Kong, Macau e ilhas adjacentes, imparável e triunfante. Não admira portanto que tivesse tido tanta chatice por causa da porcaria do milho.
Entretanto hoje a minha colega L. voltou de férias com o namorado (são daqueles que namoram há vinte anos), e não da América ou do Canadá, mas do leste Europeu. Vejo as fotografias da República Checa, Hungria e Roménia, vejo-a em frente aos monumentos e igrejas diversos, pergunto-lhe como é que aquilo se chama e ela não sabe responder. Interessa é que esteve lá e tem as provas. Para L. o leste europeu tem imensa piada porque tem muito de “antigo”, aquilo que eles chamam o “estilo europeu”. O estilo europeu está por todo o lado. Veja-se a Doca dos Pescadores por exemplo. O cópia do circo de Roma (cuidado para não lhe darem um pontapé senão fazem lá um buraco) é o arquétipo do bom gosto turístico em Macau.
A tendência tem-se acentuado desde finais da década de 90. E já não é só Paris ou Londres ou a mítica Suíça (que adoro!) ou o “sol e touros” de Madrid ou as vinhas imensas de Itália (onde se come e bebe realmente bem). A tendência é também para descobrir o leste da Europa, os castelos da Transilvânia ou os palácios e igrejas da Boémia e Morávia. E escusado será dizer que estas economias emergentes são cada vez mais receptivas à divisa estrangeira, e em conquistar esse importantíssimo segmento do mercado que é o turista chinês. Contribuiram também muito para esta descoberta aqueles ridiculos programas da TV de Hong Kong em que grupos de jovens chineses passeiam-se pelas principais cidades europeias e comportam-se como autênticos selvagens, urrando cada vez que se deparam com qualquer coisa de diferente, e falam com a boca cheia de
Goulash e depois ainda fazem comentários patéticos a propósito da
lingua e da cultura dos povos que os recebem.
Mesmo as agências de viagens oferecem pacotes mais variados que antigamente, com destinos exóticos e chiques que passam por safaris no Quénia, a descoberta do Egipto dos faraós (uma aldrabice, diga-se de passagem) ou o Natal na Lapónia. Mas sempre com a Europa à cabeça. Os pacotes turísticos para a América, e vou ser sincero, deviam estar no fundo da gaveta da última agência onde estive. Não me lembro de ver algum. Mas afinal quem precisa da Califórnia quando tem o sul de França? E o Hawaii quando tem as ilhas gregas? E Nova Iorque quando tem Amesterdão ou Berlim, muito mais sumarentos? E para quê Las Vegas quando pode simplesmente ficar em Macau (esta foi uma piada).
Para nós isto é lana caprina, favas com chouriço. Sabemos bem que a Europa vai da Feira de Carcavelos ao baile de Primavera da ópera de Viena, das largadas do Barrete Verde de Alcochete ao Carnaval de Veneza, dos tremoços com cerveja aos cabazes de frutos secos da Floresta Negra. Tratou-se simplesmente de uma súbita constatação que fazer e gastar dinheiro – a
American way of life - tem piada, mas a cultura e a história estão na Europa, longe dos
rodeo lounges ou do aborrecido Grand Canyon americanos. Mas digam lá se também não nos pelamos todos com os templos tailandeses, pagodes chineses e afins? É uma questão de querer aprender mais qualquer coisinha. E no fundo faz-me sentir orgulhoso que a malta daqui tenha trocado a Estátua da Liberdade pela Torre Eiffel. Ah sim, e do milho Americano nunca mais ouvi falar.
8 comentários:
"American Standard" é uma conhecida e reputada marca de louça sanitária tailandesa. Não tem nada a ver com Macau ou a China. Por acaso, vende-se muito aqui, mas é só isso.
E...?
O Leocardo ás vezes mete água e desta vez foi por causa da sanita
Leocardo, parece incrivel que não saiba a origem da marca da sanita onde tem o prazer de urinar todos os dias...
Pois é. Este post é sobre isso mesmo, a marca da sanita. Continuem a brilhante dissertação sff.
O meu por acaso é Cotto. Faz mal?
Caro Leocardo,
Mais irritante aínda que o suposto americanismo que abunda por aqui é o anti-americanismo dos "europeistas", cheios de dor de cotovelo pela preponderancia que os E.U.A ocupam no mundo e pela completa insignificância em termos politicos da União Europeia. Esses europeistas fazem lembrar os chineses de há uns tempos atrás que olhavam os supostos bárbaros ocidentais com ar de desdém, enquanto estes dominavam o mundo.
Enquanto que a Europa é um continente de velhos e trabalhadores com mentalidade de funcionários públicos que julgam que a solução para todos os problemas é fazer manifestações para exigir subsídios ao Estado, os americanos, e já agora muitos asiáticos, arregaçam as mangas e sonham ter o seu proprio negócio.
A Europa, das nações ou dos Estados Unidos da Europa, já deu o que tinha a dar. O futuro do mundo está na região ásia-pacifico, que inclui paises como os E.U.A ou o canadà.
Completamente de acordo.
A Europa está mais que "gasta", mas mesmo assim continua com aquela mentalidade (neo)colonialista, característica do passado. O euromundo, de que fala Adriano Moreira, foi por água a baixo já antes da Primeira Guerra Mundial, abrindo portas para o "americamundo" e, nos dias de hoje, o "asiamundo".
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