Chegamos assim ao Natal, a época em que supostamente nos devemos lembrar dos menos favorecidos, e ser solidários. Fazem-se as habituais tréguas da festividade, e toda a gente se torna de repente mais introspectiva e egoísta, querendo apenas passar tempo com a sua família. E o Natal é sobre isso mesmo: a família. O próprio conceito cristão de Natal, com o Menino, a Virgem, o José, a Vaquinha e o Burrinho é muito enternecedor e familiar.
Os adultos oferecem peúgas, polos, camisolas e gravatas uns aos outros, e brinquedos barulhentos às crianças. Eu nunca acreditei no Pai Natal. Quando tinha três anos reconheci a senhora que trabalhava no infantário vestida de Pai Natal, e logo percebi que se tratava de uma “mentira imperialista e reacionária”. Também estávamos nos tempos do PREC, e tinha acabado o Verão quente, enfim, o 25 de Novembro tinha sido um mês antes.
Mas mesmo assim tenho recordações fabulosas do Natal, especialmente da mesa farta. Era o único dia do ano em que comer demais ou deitar comida fora não era considerado “desperdício”. A minha família sempre se pautou pelo respeito às famílias pobres, às crianças que passam fome, e tudo isso. Penso que isso moldou um pouco a minha personalidade, se bem que hoje, mais cínico, não acredito que alguém deve ter algo só porque precisa, sem que trabalhe para isso.
Sempre respeitei o conceito de Pai Natal, apesar de nunca ter acreditado. O Pai Natal é um produto de marketing muito bem conseguido, especialmente nas cores vivas e no pelinho fofo. Sempre pensei que só alguém bom e puro podia usar as vestimentas do velhinho de barba branca, e é por isso que o filme “Bad Santa”, de 2003, me traumatizou tanto. O meu filho, por exemplo, tem medo de pessoas vestidas de Pai Natal, mas fico aliviado que não tenha medo de pessoas vestidas de Mãe Natal, o que só denota bom gosto.
Pessoalmente não gosto de encher os miúdos de prendas neste dia. Prefiro dar-lhes um pouco mais durante o ano, e uma prenda grande nos aniversários. O que eu não quero é que os meus filhos se habituem mal a ter Natáis cheios de coisas boas, e depois não poderem providenciar o mesmo aos seus próprios filhos no futuro. Mais do que a solidariedade, deviamos apelar à humildade, à procura da nossa verdadeira insignificância, da nossa frágil natureza.
Já não me chocam mais as histórias de casos perdidos ou tragédias natalícias, já perdemos o Natal para o grande comércio. Será que alguma vez, dentro da nossa fortaleza quentinha e rodeados pela família, pensámos naqueles que têm que passar o Natal a trabalhar, num carro, num avião, na rua, no hospital, na prisão, sozinhos e doentes? Será que os nossos pais e avós, velhos e cansados, agradecem que só lhes prestemos atenção duas ou três vezes por ano?
Por isso que não se entre em pânico por um Natal menos conseguido. Não chorar sobre o Natal derramado. Para o ano vai ser sempre melhor, como dizem os benfiquistas. E para os mais afortunados, ide às filhozes, qual proverbial gato, mas nunca ignorais o peso do tempo, a força dos ventos, a imparável marcha da decadência e da morte. Para todos um Feliz Natal, são os desejos deste vosso.
Leocardo
PS: Não se esqueçam que amanhã vamos ter apenas música de Natal aqui no Bairro do Oriente.
2 comentários:
Bo Natal
Caro Leocardo, tomara mesmo que para o ano seja de facto melhor para o Benfica, pois este ano já não ganharemos a Taça de Portugal...
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