sábado, 26 de dezembro de 2009

Os blogues dos outros


Três amigos em conversa no café. Eu entrei e um deles chamou-me. Os presentes cumprimentaram-me e um deles que se apresentou proferiu o seu nome de forma muito bem audível, o que é raro nestes momentos.
- A sua cara e o seu nome não me parecem estranhos!, disse eu.
- E a sua voz é-me familiar, retorquiu.
- A voz?... Como?... Não me lembro de termos convivido.
- Convivi eu... muitos anos... com o seu programa que tinha na Rádio Macau!
- Ah!... Já passaram alguns anos... já saiu há muito tempo de Macau?
- Não, meu caro! Continuo lá e cada vez melhor... lá é que estão as patacas de ouro... cada vez estou mais rico...
- Bem-haja, por isso! Trabalha para o Governo?
- Não! Faço uns negócios... ando ali pelo Clube Militar...


João Severino, Pau Para Toda a Obra

Este ano não fui à catedral da Assunção. Recebi convite de amigos britânicos para com eles partilhar o jantar de véspera do Natal e não podia recusar. No fundo, esta gente da Igreja Anglicana é, em tudo, muito parecida com os católicos. Com uma excepção: o sacerdote que celebrou era uma mulher ... e casada ! A conversa não podia deixar de tocar as coisas de Roma, do Portugal do Oriente e da velha aliança luso-britânica. Os mais rasgados elogios ao Santo Papa, uma grande e quase invejosa admiração pelos feitos portugueses de antanho - nada que se compare com as negociatas da Companhia Britânica das Índias - e pelo nosso "sempre amigo e fiel aliado, Portugal". Não gostei do "fiel", mas é assim que eles vêem a relação. Aliás, um dos presentes, professor aqui numa univesidade, disse-me que na Europa, eles, britânicos, só confiam nos dinamarqueses e nos portugueses, pois nunca os "traíram". Simpatia e polimento bem britânicos, boa atmosfera social, o habitual e inteligente non-sense e os trocadilhos. Na rua desta gigantesca capital budista, muitas iluminações de Natal, algumas muito belas em armação de vime forrado em papel. Ali estão há dias, em plena rua, coisa impossível na Europa, onde a mão de um qualquer vândalo as destruiria em minutos. Mas isto é um país tolerante e civilizado. A civilidade não está na riqueza que enche os bolsos, mas na educação e na atitude. Feliz Natal para todos.

Miguel Castelo-Branco, Combustões

Não era homem de rotinas, mas gostava de rituais, porque davam à sua vida um sentido que na maior parte das vezes lhe escapava.
- Já estou pronta!
Antes de ela falar, já lhe tinha chegado do quarto o perfume que anunciava a iminência destas mesmas palavras. Se havia momentos em que essa previsibilidade o irritava, em dias como este enchia-o de ternura.
Dia de Natal. De manhã a missa, à tarde a reunião familiar, em casa dos pais, como sempre.
- Vamos?
Sorriu-lhe, sinceramente embevecido. É possível amar as pessoas pela capacidade que têm de suportar a dor que lhes infligimos? Claro que sim.
Há muito que não se confessava. Fê-lo pela última vez no dia do seu casamento, para poder comungar, e preferia continuar assim, com as suas culpas. Um assunto que só lhes dizia respeito. A ele e a ela, que as suportava com uma abnegação adorável.
- Vamos, querida.


Teresa Ribeiro, Delito de Opinião

Reparem que naquela época havia datas específicas para gastar dinheiro, que apesar dos esforços ainda pouco passavam de picos de consumo nas que chamavam épocas festivas. Devem ser-vos familiares os conceitos ou pelo menos os nomes Aniversário ou Natal. Claro que estamos a falar de um período anterior ao gasto-diário-mínimo-obrigatório. Foi também por essa altura que o Plano entrou em acção. Repararam que falei ali atrás de dois eventos, Aniversário e Natal. Foram durante muito tempo os dois grandes senão únicos ritos de consumo enquanto comportamento social colectivo. A Intervenção fez-se de duas formas. Pouco a pouco conseguiu-se fazer expandir o Natal a zonas do planeta cuja cultura lhe era alheia no significado. Estamos a falar de áreas como as actuais Chinásia ou os Grandes Territórios Israelo-Iranianos, quem daqui já tenha visitado a Terra com certeza conhece. Ao mesmo tempo começámos a introduzir na Eurorússia focos de consumo já antes testados com sucesso na parte norte da actual Unamérica, acompanhando o processo com técnicas de crescimento de PIS, Percepção de Importância Social para quem não saiba. Conceitos como o Dia dos Namorados ou Halloween podem ainda não vos ser familiares, mas deviam, porque vocês não estão aqui para ouvir contar histórias, vocês estão aqui para aprender, porque a batalha é continua e o Plano precisa que alunos como vocês estejam devidamente preparados para lhe dar continuidade. Enquanto houver uma pessoa lá na Terra que sinta saudades de um natal do passado o Plano terá sempre um risco de retrocesso, por pequeno que seja. O risco, claro. E alguém me sabe dizer porque é que essa fixação nessa data, nesse evento específico, o Natal, é a última e mais difícil barreira de ultrapassar? Diga? Porque estava ligado a crenças de índole religiosa? Sim, esse era o fundamento mas não o mal intrínseco. Eu digo-vos o que era, porque vocês não têm como o saber, o mal mais profundo e enraizado eram conceitos como família, convívio. Sei que para vocês é difícil de entender mas notem que eram de tal forma relevantes que até muito tarde sobrepuseram-se ao consumo que era então secundário. A Grande Mudança atribui-se hoje exactamente ao momento em que pela primeira vez, uma primeira vez simbólica em termos históricos naturalmente, o comprar se tornou mais importante do que a festa em si. Tudo isto vos pode parecer agora um pouco estranho, vago. É natural, estamos e falar de há mais de duzentos anos atrás. Por ora importa que se consciencializem de que passado todo este tempo, ainda há lá em baixo quem use calendários, quem assinale o dia vinte e cinco de dezembro. Todos os anos interceptamos na áudio-vigilância a frase que lutamos por eliminar, que o natal já não é o que era.

João Moreira de Sá, Arcebispo de Cantuária

O desrespeito e a condenação dos não crentes é uma característica comum aos fundamentalistas de muitas igrejas, com destaque para o cristianismo e o islamismo. Em maior ou menor grau os líderes destas igrejas julgam-se os portadores dos princípios morais das sociedades onde são dominantes e de uma forma ou de outra lançam e estigmas sobre os que não partilham ou não têm o mesmo entendimento sobre esses valores. Neste Natal assistimos, como nunca tinha sucedido nos últimos anos, a um ataque por parte de algumas personalidades da Igreja Católica, aproveitando-se do ambiente proporcionado pelo Natal estas personalidades em vez de promoverem o que de bom têm os valores associados à quadra promoveram um ataque cerrado a todos os que violam os princípios daquele que gostariam de ser uma sharia cristã. O próprio D. José Policarpo, cardeal patriarca de Lisboa, um bispo que costuma ser inteligente e equilibrado nas suas intervenções e que fez uma mensagem de Natal equilibrada e que poderia ser lida e entendida por qualquer um, não resistiu à tentação de dedicar a sua homilia na missa de Natal para se atirar aos que não partilham das suas convicções, desfez em todos, desde os agnósticos aos ateu, como se ser agnóstico ou ateu neste país fosse merecedor de qualquer reparo, mesmo por um cardeal. Manuel Martins, o bispo emérito de Setúbal que ficou famoso no tempo do cavaquismo pelas suas preocupações, também não resistiu à tentação de fazer um ataque feroz ao casamento gay, insinuando que a sua aprovação no mês de Dezembro foi uma provocação relacionada com o Natal. Todos usaram a família até ao enjoo como se o Natal tivesse alguma coisa a ver com o casamento gay ou mesmo com o casamento civil, instituição que a Igreja Católica sempre desvalorizou ou desprezou, havendo ainda muitos padres que não o reconhecem ao recusarem-se a baptizar crianças cujos pais não sejam casados pela Igreja. No meio de toda esta orgia até Manuela Ferreira Leite fez a sua mensagem de Natal quase decalcada da que tinha feito o ano passado, chegando mesmo a repetir frases e ideias e mais preocupada com o casamento Gay (ela que também se divorciou à margem dos princípios da Igreja Católica) lá disse as suas baboseiras sobre a família, nada mal para quem tem um conceito original de família. O próprio Cavaco Silva que habitualmente confunde o papel de chefe de família com o de Chefe de Estado lá nos impingiu os seus conceitos religiosos esquecendo que é Presidente de uma República laica e que enquanto tal deve respeitar os muitos portugueses que não partilham do seu fundamentalismo religioso. É pena que tenham esquecido os valores do Natal, valores que hoje são civilizacionais e aceites universalmente. Ao tentarem usar o Natal como argumento para as suas guerras religiosas apenas deram uma imagem da Igreja Católica muito semelhante àquilo que muitos criticam no islamismo, a intolerância, o fundamentalismo e o desrespeito pelas convicções de cada um.

Jumento, O Jumento

A homília de Natal de D. José Policarpo trouxe a público posições rígidas e dogmáticas (para não chamar fundamentalistas) da ICAR que reflectem o modo como as autoridades religiosas olham a sociedade actual. Disse, Sua Eminência:
“…É um dos grandes paradoxos da História, um povo oficialmente crente em Deus não reconhece Deus que o visita”…
Bem. Não existem povos oficialmente crentes em Deus fora das teocracias, quaisquer que elas sejam. A confusão entre o Estado laico que temos e a liberdade de prática de qualquer religião, não pode levar o cardeal a reivindicar qualquer privilégio, nem qualquer estatuto de excepção. A liberdade religiosa é um princípio democrático – só existe em plenitude nos Estados laicos – e está acima dos interesses e das mordomias da ICAR, como é o incompreensível regime de excepção da Concordata…
A liberdade religiosa diz respeito a todos os crentes – católicos ou de outras religiões – , e inclusive, aos agnósticos e aos ateus. Mais adiante afirmou:
“Outros refugiam-se na atitude agnóstica de quem não se pronuncia, de quem não sabe dizer nada sobre Deus. Respeitam os crentes, mas não se sentem interpelados por eles, esquecendo que há inquietações profundas que dificilmente se podem calar”.
Estas “inquietações” do eminente purpurado mostram-se distantes de qualquer racionalidade dialéctica. Na verdade, os agnósticos e os ateus interrogam-se sobre múltiplas posições dos crentes que transbordam para a sociedade. A Igreja, melhor dizendo, as Igrejas, nomeadamente, as hierarquias religiosas, são as primeiras a não tolerar a existência de “não-crentes”, como se vivêssemos em tempos em que a arrenegação dos “Deuses” fosse um abominável crime. Este foi o imaginário paradoxo histórico que o patriarca não soube resolver e “atirou-o”, numa grosseira generalização, para cima dos cidadãos, acompanhadas do público exorcismo dos agnósticos e dos ateus. De facto, antes destas natalícias congeminações, tecidas no ano da graça de 2009, “sucedeu” há mais de 200 anos a Revolução Francesa. O paradoxo está aqui!


Carlos Esperança, Diário Ateísta

"Nada pode adiar a liberdade."
Cum catano é bonito. Até parece o título de um poema. Enche a alma, porra. E foi dito por um poeta, Manuel Alegre. Mas a propósito de quê ? Pois mais uma vez porque estão maçados por o Presidente ter falado daquela chatice das contas, a economia, que os poetas não têm obrigação de saber, e não se preocupar em primeiro lugar com o casamento homosexual. Mas lixou-se, porque há sempre alguém com memória, e no passado quando a JS insistia neste assunto, a posição do poeta Alegre foi criticar os "jovens" do partido por defenderem "temas fracturantes que estão na moda e depois passam" em vez de "coisas importantes, como o Serviço Nacional de Saúde ou o Código de Trabalho". Não foi o único. A deputada Maria de Belém considerava então - em declarações ao "Público" de 20 de Setembro de 2008 - que "com tantos problemas que o país tem, este assunto não é prioritário". É fodido pá, podes querer esquecer o passado, mas o passado não te esquece a ti. Ou qualquer coisa do género.


Francis, O Dono da Loja

Tenho pena que o Hot Club de Lisboa feche devido ao incêndio, ontem à noite, do prédio onde está, na Praça da Alegria, mais um sinal de como a cidade se vai destruindo a pouco e pouco. Mas a verdade é que os bons momentos que lá passei vêm acompanhados de recordações de profundo desconforto. Aquilo era tão pequeno que, mesmo quando os músicos que lá se apresentavam não eram conhecidos, os seus amigos mais chegados bastavam para ocupar os poucos lugares sentados e só chegando cedo ou tendo sorte se apanhava uma mesa livre. Quase sempre assisti às apresentações de pé, junto ao balcão do fundo, tentando espreitar o palco por cima das cabeças e entre as colunas. Ou então ficava na escada, com dores no pescoço por estar tanto tempo com a cabeça voltada para o palco. Muitas vezes, até fora dos meses quentes, aquilo abafava de uma maneira atroz. Se havia alguém um pouco mais conhecido a tocar, ficava logo cheio e nem se conseguia entrar, reforçando a ideia de que aquilo era um lugar reservado a meia-dúzia de "entendidos" e não o local de divulgação do jazz que outrora lhe deu fama. A determinada altura, desisti de lá ir e já nem consultava a programação. Enfim, tomara que recuperem o prédio que transformem o Hot Club para melhor. Parece ser esse o sentimento dos responsáveis que ouvi prestar declarações aos jornalistas e nada mais inteligente do que transformar um momento tão negativo como este numa ocasião de renascimento.

Duarte Calvão, Corta-Fitas

Já começaram as negociações entre o Turismo de Portugal, a GALP, a EDP, a Red Bull, o município de Lisboa e a UEFA para que o próximo jogo F. C. Porto – Arsenal se realize na Capital do império. É injusto que um evento desta dimensão internacional se realize no Porto – os lisboetas também têm direito a verem os jogos da Champions League!

Carlos Abreu Amorim, Blasfémias

Comandados por Jesus, foram buscar o Alan Kardec e preparam-se para mandar o Hulk passar uns meses na 5ª dimensão. Se ainda conseguirem incluir na equipa o Zandinga, o Dr. Sousa Martins e o Lobsang Rampa, serão campeões europeus 7 vezes seguidas.

Val, Aspirina B

3 comentários:

joãoeduardoseverino disse...

Obrigado pelo destaque, caro Leocardo. Aproveito para lhe desejar, bem como a todos os amigos de Macau, um próspero Ano de 2010. E venha o tigre...

Anónimo disse...

presumo que a pessoa mencionada no pau para toda a obra seja o manel geraldes. acertei?

joãoeduardoseverino disse...

Caro Anónimo

Não acertou. Nunca poderia ser o senhor Manuel Geraldes porque deixou de ser meu amigo.
Depois de participarmos juntos no 25 de Abril na RTP, o senhor Geraldes seguiu a vida militar e em comissão de serviço em Macau teve um comportamento que me pareceu ser menos próprio e ilegal. Dei conhecimento dos factos no meu jornal e o senhor Geraldes moveu-me um processo-crime. Nunca mais falámos.