quinta-feira, 8 de maio de 2008

Faço mal?


O director dos Serviços de Regulação de Telecomunicações de Macau (DSRT) Tou Veng Kong proferiu ontem afirmações polémicas que colocam em causa a privacidade dos utilizadores da internet. O facto mereceu destaque em toda a imprensa. Em causa está a detenção no passado dia 26 de um indivíduo de 28 anos, empregado da indústria hoteleira, que escreveu num forum da internet sobre o tema “como roubar a tocha olímpica?”. O indivíduo foi detido pelas autoridades, que o encontraram através do seu número de IP e processaram-no criminalmente.

O sr. director da DSRT não se alargou muito sobre a questão. Alega que neste caso particular a privacidade “não foi violada”, e deixou apenas um comentário, em jeito de parecer técnico, de que o tal forum “obedecia a regras” que o utilizador violou, “instigando publicamente à prática de crimes”. O sr. director reiterou ainda que a CTM tem o dever de colaborar com as autoridades na detecção de casos semelhantes “que perturbem a ordem social”. Foi o que disse, e quiçá um debate mais alargado com quem de Direito trouxesse mais umas luzes sobre o assunto.

Uma afirmação que me deixou um tanto ou quanto baralhado foi aquela do “as pessoas têm que ser tão responsáveis no mundo real como no mundo virtual”. Como assim? Então porque é o mundo virtual chamado de “virtual”? Podia muito bem ser “real II” ou “real B”, já que a ideia é fazer o mesmo tipo de escrutínio que se faz no mundo real do qual muita gente procura uma escapatória na internet. Se há mesmo privacidade, como o director do SRT referiu, quais são afinal os seus limites?

Num artigo publicado a semana passada a este respeito, o jurista Nuno Lima Bastos considera que houve por parte das autoridades “excesso de zelo”, e o próprio internauta já veio afirmar que se tratou de “uma brincadeira”. Debalde, pois vai agora ter de responder por uma brincadeira parva. Acredito que tivesse sido mesmo uma brincadeira, pois caso o sr. Cheang tivesse a falar a sério, ou tivesse a intenção de “perturbar a ordem social”, provavelmente teria usado uma das mil maneiras ao seu alcance para ludibriar as autoridades. Só que brincou com o que não devia.

Eu até sou pela liberdade total de informação; temos o direito de saber se o nosso vizinho é um facínora, um violador ou um canibal, e respeito o cada vez mais difícil combate ao crime informático, ao uso dos cartões de crédito alheios para fins ilícitos ou a pornografia na internet. Mas controlar directamente o que se escreve, fala e pensa e até criar uma base de dados a esse respeito, é errado. Ou serve para intimidar de modo a dar uma falsa sensação de satisfação geral e ordem pública, ou para mostrar serviço.

No seu editorial de hoje, Carlos Morais José diz querer saber o que são opiniões e palavras “dissidentes”. Por acaso também gostava de saber, uma vez que sou e sempre fui cumpridor da lei, gostava que me dissessem o que se pode escrever, falar e debater, o que é ilegal e o que é permitido, em vez de acenar com o surrealismo do “adivinhem o que é proibido” ou julgarem pelas suas próprias cabecinhas, fazendo de juíz, júri e carrasco, o que vai muito além das suas competências.

No mesmo editorial o director do Hoje Macau diz ainda: “será que a polícia tem o direito de saber quem é o Leocardo porque ele exprime opiniões “dissidentes” nas palavras do director dos SRT”. Não me aquece nem me arrefece que o façam, desde que não me chateiem. Este blogue não difere das dúzias de forums que andam pela internet, mesmo em Macau, com a diferença que neste caso particular quem dita as regras sou eu. Como já referi, não tenho agenda política, nem vou incitar a qualquer sublevação popular.

O objectivo deste espaço é em primeiro lugar manter um registo da minha presença em Macau, esta terra que amo, e segundo para partilhar opiniões, discutir temas actuais e notícias sobre o território. O espaço está aberto a todos, e insisto, sem qualquer tipo de agenda ou lobbyismo. Se querem mesmo saber quem sou, seja por sabujice ou onanismo, que lhes faça bom proveito. Folgo em saber que é tão fácil fazer alguém feliz.

Nem é a polícia quem mais me aborrece, contudo. Há algumas semanas o Nuno Lima Bastos foi atacado por um cobardolas que se queixou anonimamente junto da Administração, para quem o Nuno exerce as funções de jurista. Na base da queixa as opiniões que o Nuno expressa publicamente, quer no JTM onde assina semanalmente uma crónica, ou no seu blogue. Sabe-se lá com que sapiência rústica, o néscio, em vez de o enfrentar olhos nos olhos, pensou que podia prejudicá-lo profissionalmente.

Uma atitude digna de pide ressabiado que pensa que encontrou em Macau o seu oásis, que pensa que aqui impera a censura e que só porque alguém é funcionário público ou trabalha na empresa A ou B é propriedade do patronato, e não tem direito a opinião própria. Viciados do controlo que julgam poder ditar quem diz o quê, quando e onde. São esses que às vezes se dizem defensores da liberdade que no fim são os primeiros a advogar a censura.

Não creio que a liberdade seja uma coisa má. Há quem advogue a censura alegando que é mau haver "liberdade a mais". Isso a que se referem não é liberdade, nem sequer abuso da mesma. É uma não-liberdade. A liberdade não se compra na farmácia e não é exclusivo de ninguém, e às vezes quem persegue a liberdade, seja a de expressão, a imprensa ou qualquer outra, acaba por perder a sua.

Alguns dos meus amigos insistem que o melhor é manter um low profile e não fazer ondas. A minha mulher, companheira nas minhas andanças da vida, diz-me que o melhor é não acreditar na tão apregoada liberdade de expressão contemplada na Lei Básica. Mas eu não sei porquê, continuo a acreditar. Faço mal?

5 comentários:

Anónimo disse...

Faz mal senhor Leocardo. A liberdade de expressão já não existe e a pouca que se vai lendo é musculada. Nos jornais cá da terra em português na há liberdade e como ainda se publicam uns artigos que incomodam ainda ontem ouvi no Solmar uma conversa esclarecedora. Que os advogados Leonel Alves e Neto Valente decidiram, a pedido de Pequim, que só houvesse um jornal de língua portuguesa para melhor poderem controlar a informação. Parece que está em marcha a fusão do Hoje Macau, Ponto Final e Tribuna.

Anónimo disse...

De facto, a liberdade de expressão é um mito. Mas não é só aqui, acontece o mesmo em países ditos democráticos. Em Portugal, por exemplo, país que se debate com uma onda de criminalidade que seria impossível de imaginar há meia dúzia de anos, a preocupação das autoridades é perseguir bloguistas que dizem umas verdades incómodas. Democracia, liberdade? Nem lá, nem aqui, nem em lado nenhum. De que valeram algumas conquistas do século XX, se o século XXI amanhece com saudades de tempos antigos? O que está a ser preciso é outro Maio de 68, mas mais a sério e à escala mundial. E tolos são aqueles que acreditam que nas actuais democracias as coisas são diferentes.

Anónimo disse...

Para já não é verdade que aqui na choldra o poder político ande a perseguir os donos dos blogues. E alguns escrevem barbaridades a sério. Pode acontecer que um ou outro político processe um bloguista por difamação ou por se sentor injuriado com o que dele possam dizer, mas na verdade o único caso desse teor, que eu saiba, foi o protagonizado pelo PM José Sócrates contra o autor do blogue "doPortugalprofundo". E foi um processo legal por razões pessoais e não deu em nada como se sabe tendo o processo sido arquivado. Podemos ter políticos com muitos defeitos e não saão poucos, mas ainda não temos por cá a famosa liberdade de expressão à moda de Pequim.

Anónimo disse...

O anónimo da fusão megalómana entre o Hoje Macau, Ponto Final e Tribuna não deve acreditar em tudo o que ouve na Solmar... Já agora, some-se-lhe ainda o Macau Post, o Times, a Rádio Macau, a TDM, a Revista Macau, a Macau Business, a Closer, a Macau Tatler...

Anónimo disse...

Concordo com o anónimo das 18:56. Há muitos portugueses aqui que têm o defeito de tentar atenuar alguns graves problemas de Macau e da China fazendo comparações descabidas com Portugal. Portugal não é nenhum paraíso (se fosse, talvez não estivéssemos aqui), mas há lá uma liberdade política e de expressão que não tem qualquer comparação possível com o que se passa na China e mesmo em Macau.
Há problemas a esse nível em Portugal? Provavelmente, mas os lesados têm diversas formas de se defender: na comunicação social, nos sindicatos, nos partidos da oposição, nos tribunais, no Provedor de Justiça, nas associações, etc. Em Macau, se nos perseguem, sentimo-nos praticamente indefesos. Com jeitinho, talvez os deputados do NMD ou o Pereira Coutinho consigam fazer alguma pressão a nosso favor, mas pouco mais. A pressão da opinião pública começa a fazer-se sentir mais, mas não é suficiente em muitas situações.
Na China, nem vale a pena falar. Às vezes, a vox populi ainda consegue alguma coisa, mas desde que não toque em certos temas sagrados. Normalmente, só produz efeito quando se trata de denunciar situações muito chocantes, como a escravatura infantil em fábricas do interior.