quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Sempre em festa, parte IV: Carnaval


Como diz a canção que é praticamente o segundo hino do Brasil, o “País Tropical” de Jorge Ben, Fevereiro é o mês do Carnaval. Ou depende, pode ser até um pouco mais cedo. O Carnaval, uma festa pagã que tem origem no latim “carne vale”, que significa “o valor da carne”, é a festividade que antecede a quaresma, os 40 dias antes do Domingo de Páscoa. Portanto isto funciona exactamente como um relógio: 40 dias antes do Domingo de Páscoa, é terça-feira de Carnaval. Não se lembravam quando vos disseram durante o último corso carnavalesco que faltavam apenas quarenta dias para a Páscoa? Ai não? É porque estavam demasiado bêbados para se lembrarem.

O Carnaval, assim como o “revèillon”, é uma boa desculpa para o deboche e para a pouca-vergonha. O Carnaval é quase sinónimo de Brasil. Carnaval está para o Brasil como o Ano Novo Chinês está para os chineses, e em comum têm o facto de serem três dias, mas com vantagem para o Carnaval em termos de importância. Enquanto os chineses preparam o Ano Novo Chinês com um mês de antecedência, os brasileiros começam a preparar o Carnaval do ano que vem no dia seguinte do fim do último. De facto o Carnaval brasileiro goza de uma fama ímpar em todo o mundo. É pleno Verão naquele país do hemisfério sul, está um calor do caraças, e numa avenida que designam por sambódromo desfilam os corpos semi-nus movidos pela magia do samba, um ritmo contagiante que faz mexer as carnes mais apetecíveis.

Para os brasileiros o Carnaval é a festa das festas, a grande catarse que se transformou em negócio. No tal sambódromo, enquanto os brasileiros cantam e encantam, e sobretudo dançam, os turistas alemães tiram fotografias. Outros carnavais famosos incluem os das Caraíbas, semelhantes ao brasileiro mas menos apelativos, o “mardi-gras” do sul dos Estados Unidos, com maior expoente em Nova Jersey, e na Europa o Carnaval de Veneza é o “rolls-royce” dos carnaváis, a versão mais cinco estrelas e menos populista. Em Portugal, sem o calor dos trópicos e o “glamour” da cidade italiana e os seus famosos canais, o Carnaval é também em Fevereiro, em pleno Inverno. Com um pouco mais de roupa e menos nudez, a malta diverte-se, desde que não chova ou faça muito frio. O Carnaval é uma tradição que fazemos questão de cumprir, e ai de quem nos negar aquele feriado de terça-feira. Afinal levamos isto da farra muito a sério.

Em Portugal o Carnaval tenta ser o mais próximo possível do país irmão, o Brasil, apesar da evidente amplitude térmica, o oceano e a longitude que nos separam. Em Portugal também há escolas de samba, que ao contrário do Brasil só dão sinais de vida na época do Carnaval. Nas cidades onde o Carnaval é atração turística – Ovar, Loulé, Torres Vedras e Mealhada, só para citar alguns exemplos – as tais escolas de samba saem à rua faça sol ou caia geada daquela que leva à amputação de um ou mais membros. Vestidas de plumas e lantejoulas, os “estudantes” destas “escolas são normalmente meninas pré-adolescentes, que tentam imitar o melhor que podem os gestos dos sambistas brasileiros, liderados por uma atração vinda do outro lado do Atlântico, que preferiu atravessar o mar e ganhar uns euros em vez de ficar no seu país e ser apenas “mais um”. Algumas destas “sambistas” mexem-se com bastante energia, nem que seja para sacudir o frio que lhes provoca pele-de-galinha.


Pessoalmente nunca fui grande adepto do Carnaval português, por duas razões: a marginalidade e o copismo. Marginalidade porque durante a minha juventude o Carnaval servia de desculpa para cometer pequenos delitos, uma forma de criminalidade juvenil que era tolerada à luz de uma máxima pateta que dizia que “é Carnaval, ninguém leva a mal”. Portanto durante a semana do Entrudo era permitido atacar desconhecidos com ovos podres, farinha, bisnagas com vinagre, quando não era urina, e ficar sujeito a todo o tipo de humilhações. Como era suposto “não se levar a mal”, no fim deviamos rir da “brincadeira” e perguntar aos nossos agressores para onde seguia a festa, onde surgiriamos num estado lastimável e a cheirar a peidos. Já agora gostariamos de saber se podiamos ir lá ter pelo próprio pé ou empurrados ao pontapé.

Quando falo de copismo, refiro-me obviamente à gritante falta de originalidade. O nosso Carnaval procura ser o mais aproximado possível do Carnaval brasileiro, e como prova temos o facto de não existir uma única marcha portuguesa. Juntamo-nos no comboiozinho com chapéus de cone a soprar línguas de sogra ao som de coisas como “se você fosse sincera...oh oh oh oh...Aurora”, e chegados aos salões onde se realizam os bailes de Carnaval, penduramos os casacões e os cachecóis à porta e depois vamos cantar “Alá la ô, lá lá ô, lá lá ô, mas que calor, lá lá ô, lá lá ô”. Se que quisesse um Carnaval brasileiro, ia para o Brasil. Assim prefiro ficar em casa, obrigado.

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