domingo, 26 de maio de 2013

Macau terra estranha


A actriz portuguesa Margarida Vila Nova foi convidada de Pedro Fernandes, o “Pacheco”, no programa “Cinco para a meia-noite” da última quinta-feira. Como muitos sabem, Vila Nova mudou-se de armas e bagagens para Macau há alguns anos, onde abriu no Albergue da Santa Casa, no Bairro de S. Lázaro, uma mercearia onde vende produtos portugueses tradicionais, alguns deles difíceis de encontrar na maior parte dos supermercados, mesmo em Portugal. Quem conhece a tal loja, que se chama exactamente “Mercearia Portuguesa” apercebe-se de imediato da sua exiguidade. Não cabe ali um Fiat 600, e os produtos estão dispostos em pequenos armários na ordem de um de cada espécie. Só lá fui uma vez e não comprei nada, mas desconfio que existirá algures no Albergue um armazém ou algo assim onde estão guardados os produtos. O que está à vista dificilmente justifica a existência da mercearia.

Margarida Vila Nova vai ficar por Portugal até finais de Julho em trabalho, depois de um ano de ausência a tomar conta da loja no Oriente. Nunca percebi a motivação de um actriz com créditos firmados em Portugal em vir para tão longe, como que em exílio, para vender sabonetes e latas de atum. Ela lá deve saber porquê. Mas voltando ao programa, Pedro Fernandes não resistiu em falar de Macau, e mal saíu a primeira piadola foleira, já dava para adivinhar que não ia ficar por ali. Mais uma vez falar da China e dos chineses, mesmo que neste caso de uma realidade diferente que é Macau, deu merda da grossa. Já tinha acontecido o mesmo com Jaime Pacheco, que passou dois anos em Pequim a treinar o Beijing Guo’ an, e volta agora a repetir-se. Alguém devia pôr uma providência cautelar que impedisse o Pacheco de entrevistar pessoas que tivessem passado pela China. No fim ele até agradecia, depois de visualizar a figura de parvo que faz ao insistir nesta brincadeira.

Não entendo que mania é essa de perguntar a quem passou pela China se comeu cão, se os produtos aqui são todos idênticos aos da loja dos chineses em Portugal, e outras ideias-feitas e preconceitos ridículos, onde não falta sequer aquela musiquinha parva que aparecia nos filmes americanos de há 60 anos, que nem sequer é chinesa, ou o som de um gongo. Quando a actriz disse que tinha um filho de 8 e outro de 4 anos o entrevistador perguntou-lhes “se já estavam a trabalhar”, uma indirecta ao trabalho infantil na China. A única coisa que se aproveitou foi a referência ao negócio da mercearia: “Eles lá [em Macau] compram os produtos portugueses, e nós aqui compramos os deles”. Não tem muita piada, mas pelo menos é bem visto. A convidada foi respondendo com alguma passividade, não dando muita importância à verborreia. Este é um mecanismo de defesa que adquirimos com a vivência em Macau; aturamos os disparates e as bocas, e nem nos incomodamos a dar muitos detalhes ou explicar que “não é bem assim”. Aí a Margarida Vila Nova mostrou que se adaptou bem à sua nova casa.

Depois foi aquilo que vemos no vídeo acima. Pacheco e Vila Nova fazem assim uma espécie de “work-shop” sobre representação (pelo menos foi essa a desculpa), usando para o efeito filmes com motivos “orientais”. Não podia faltar a habitual referência ao kung-fu – muitos ocidentais pensam que todos os chineses sabem lutar kung-fu, se calhar nasceram ensinados – e a palhaçada foi rematada com o Império dos Sentidos, como não podia deixar de ser. Só tive pena que não fossem em frente com a cena do ovo. Pelo menos tinha algum valor em termos de entretenimento. Um momento deveras infeliz deu-se quando o Pacheco testou os conhecimentos da entrevistada na língua chinesa, com a ajuda de um tradutor com voz. Foi patético assistir ao apresentador a tentar pronunciar as palavras e as piadas que fazia com alguns dos sons, e fiquei desiludido com os poucos conhecimentos da Margarida. (Eu nem devia falar, pois estou cá há 20 anos e o meu chinês é medíocre, mas olhando de cima pode ser mesmo embaraçoso não conhecer algumas expressões mais básicas, pelo menos).

Adoro o Cinco para a meia-noite, esforço-me para acordar mais cedo para ver o programa, e o Pacheco continua a ser o meu apresentador favorito do quinteto. Não é a sua completa ignorância sobre uma cultura diferente da sua e a forma como recorre nestes casos ao humor rasteiro e fácil que me faz gostar menos dele. Só acho que se calhar o Pedro devia dar aqui um pulinho a Macau quando tiver mais tempo, e já agora aproveitava e ficava também a conhecer o interior da China, nem que seja apenas Cantão. Assim podia ser que alargasse os horizontes e deixasse de pensar que os chineses são criaturas misteriosas, completamente diferentes de nós, e que nunca nos passaria pela cabeça encontrar pontos em comum entre as nossas culturas. Envergonha-me pensar que alguém acha graça a este tipo de humor com uma carga xenófoba, que certamente nos indignaria caso outro povo o fizesse connosco. Chego a ter pena dos chineses a residir em Portugal e que têm que aturar esta palhaçada. Não lhes passa pela cabeça que talvez alguns deles assistam ao programa e não achem lá muita piada a esta insistência que são vistos como bichos raros? Se calhar também estão vacinados, como nós que aqui vivemos.

O mais irónico – e triste – é que não nos incomoda estarmos a patronizar um país que é a segunda economia mundial, com um crescimento invejável, enquanto a nosso está arruinado e de tanga, com a mão estendida. É difícil rir, perante as evidências. Talvez fosse mais recomendável aprender qualquer coisa com os chineses do que fazer piadas com restaurantes onde se come cão, ou gajos de olhos em bico e roupões amarelos com desenhos de dragões que lutam kung-fu. Não é necessário renunciarmos à nossa lusitanidade e começar a trabalhar doze horas por dia e aos Domingos, censurar a imprensa, impôr uma ditadura de partido único ou aplicar a pena de morte. Basta pensar um bocadinho e chegar à conclusão: “olha, estes gajos podem ser diferentes, mas parvos é que não são”.

PS: Além da Margarida Vila Nova foi também convidada Marine Antunes, a tal moça que sobreviveu ao cancro e agora encoraja outros doentes a encarar a doença com humor. Continuo a achar que este “humor” é de mau gosto, e as minhas suspeitas confirmaram-se depois de assistir ao reportório de “stand-up” da Marine – um desastre, para ser simpático. O que achei mesmo graça foi à forma como carrega nos “r”. Será a Marine uma “charroca”? Sarrdinha e carrapau frrito!

1 comentário:

Anónimo disse...

È a tal habitual esperteza saloia tuga.Os portugueses que nunca foram para a ásia julgam que em macau comemos todos cão ou então chines,japones e coreano é tudo chinoca