quinta-feira, 30 de maio de 2013

Coloane que te quero verde


A decisão do Governo de construir habitação económica à entrada de Coloane foi mal vista por alguma da intelligenzia local, que teme que uma eventual corrida imobiliária chegue à ilha que é considerada o pulmão de Macau, com efeitos devastadores para a sua actual configuração, levando a uma descaracterização do local que muitos procuram nos tempos livres para fugir ao caos e à poluição de Macau. A vegetação de Coloane, resultado do seu estado bruto e semi-virgem, contrasta com a “selva” de betão em que se transformou a Península e a Taipa. Mas se há alguns anos a Taipa se afigurou como alternativa à saturação de Macau para os poucos escrupulosos empresários do imobiliário, nada impede que as agulhas da ambição e do lucro se voltem agora para Coloane. O desenvolvimento das vias de comunicação e o sucesso do projecto do COTAI, onde se instalou a “strip” casineira, convidam a que se desbastem as árvores e se levantem mais prédios que se podem vender a quem preferir ficar a 20 minutos de carro do centro de Macau. Com interesses que falam sempre mais alto e pouca oposição por parte de quem governa (e partilha alguns desses interesses), é bem possível que num futuro próprio de assista ao fim do refúgio e nada reste senão dizer “é pena”.

A ilha de Coloane foi em tempos um local ermo e praticamente inacessível. Antes da construção da primeira ponte a ligar a penísula à Taipa, nos anos 70, ficava a uma hora de viagem num barco a vapor do tempo da Maria Cachucha. Os habitantes de Coloane estavam confinados a povoações (ainda existentes) e viviam num estado ermitário. Com o melhoramento dos acessos a ilha passou a servir de local de lazer aos residentes da cidade, que ao fim-de-semana faziam piqueniques, caminhavam pelo trilho ou davam uns mergulhos na praia – quando ainda era possível fazê-lo sem correr o risco de infecção bacteriológica. As piscinas de Hac-Sá e Cheoc-Van, construídas há pouco mais de vinte anos, e o empreendimento hoteleiro Westin resort tornaram-se em locais aprazíveis para os veraneantes locais, e a instalação de parques onde se realizam barbeques foi bem recebida pela população, que nos feriados ocorrem em massa à ilha em busca do relaxante ar do campo misturado com o fumo dos grelhados. Para quem não tem possibilidades de sair do território aos fins-de-semana, Coloane tornou-se o “passeio dos pobres”.

Sinceramente não sou nem nunca fui um grande adepto desta idílica aura de que Coloane se reveste. Como não tenho carro aborrece-me passar quase uma hora num autocarro até lá chegar, e ainda com a preocupação de ter horas para regressar, arriscando-me a passar lá à noite caso perca o último transporte de regresso. As praias, que como já referi são insalúbres, não fazem justiça a esse nome, e uma caminhada no tal trilho tem o senão do convívio com os mosquitos e outra bicharada exótica que prefiro evitar. Se vou a Coloane duas ou três vezes por ano será muito, e caso tenha ali algum compromisso fico com algum nervoso miudinho, e asseguro-me antes que tenho transporte particular de regresso a Macau. Sinto-me como um peixe fora de água se não estou a distância de casa que não me permita ir a pé. Mas isto sou eu, e reconheço a quem goste de ir até lá espairecer o direito a um local onde possa assentar as ideias, olhar o mar, andar pela praia ou ir dar uma queca a Ka-Ho longe dos olhares indiscretos. Coloane é do povo e espero que o povo se mantenha firme e bata o pé a intenções de lhe roubarem o seu paraíso, tapando-o com o betão.

A condição periférica de Coloane levou a que lá se instalassem algumas infra-estruturas que seriam um incómodo no centro da cidade. No passado foram as leprosarias, mais tarde a prisão, o centro de reabilitação de toxicodependentes e o kartódromo. Em termos de indústrias poluentes fez-se ali a pedreira, e nos anos 80 projectou-se o Parque Industrial de Seac Pai Van, um empreendimento pensado como alternativa à crescente dependência do jogo para a economia do território. Entretanto o jogo tornou-se uma fonte de receitas ainda mais apetecível e o Parque Industrial tornou-se obsoleto, sem pernas para andar. É normal, e até recomendável, que se remetam para Coloane alguns projectos que necessitem de um espaço mais amplo (Coloane é maior em área que Macau e Taipa), ou serviços que não se adaptem às características sociais e físicas da Península, mas construir desenfreadamente prédios de habitação, como se fez na Taipa, é ir longe demais. Que façam mais aterros em Macau e na Taipa, que encham o rio de areia até que não seja preciso uma ponte para ir de um lado ou outro, mas deixem lá Coloane em paz. Coloane “no me gusta”, mas fico feliz que ali esteja à nossa disposição. É o último reduto desta loucura que já foi longe demais.

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