domingo, 20 de dezembro de 2009

RAEM soprou dez velas


Regressado de mais uma catarse de compras de Natal em Hong Kong, onde se podem realmente encontrar coisas decentes e de qualidade para oferecer na quadra festiva, resolvi então falar disto que se tem falado tanto de há umas semanas para cá: o 10º aniversário da criação da RAEM. E o que aconteceu? O presidente da China esteve no território, inaugurou o Centro de Ciência, lançou a primeira pedra da Universidade da Ilha da Montanha, e no fim houve um enorme fogo de artifício.

Dias antes disto, foi inaugurada a construção da ponte Hong Kong-Macau-Zhuhai, um momento histórico em que se deu início à primeira ligação por terra entre as duas margens mais afastadas do Rio das Pérolas. Daqui a meia dúzia de anos vai ser possível estar-se em Hong Kong em 20 minutos de carro, depois de anos a fio a roubar em bilhetes de ferry. Nunca me ocorreu porque é quer nunca ninguém pensou num serviço de ferries regular e gratuito, uma vez que a intenção das pessoas de ambos os lados da margem é gastar dinheiro no outro lado. Só isso não chega?

Aberto este pequeno parentesis, voltemos ao aniversário da RAEM. Tenho lido comentários vários na imprensa portuguesa muito virados para aquilo que falhou na RAEM, mais do que feito de bem. Fez-se muita coisa boa. Em primeiro lugar deu-se um pontapé em muitas das incertezas que pairaram na altura do handover. Deram-se casos de portugueses que deixaram o território no período antes da transição com medo “dos chineses”, mas voltaram mais tarde, ou ainda querem voltar. A população aumentou exponencialmente o seu poder de compra. Passou de uma geração jovem e submissa primeiro a uma vontade colonial estrangeira, e depois a uma entrega coberta de incertezas, a uma população com identidade própria, os “ou mun yan”, diferentes dos seus vizinhos de Hong Kong e do grande continente. Se isso nos agrada ou não, isso é outra história.

Opinadores locais lamentam o facto de Macau se ter transformado do Monte Carlo do Oriente na Las Vegas da Ásia. Os menos familiarizados com estas coisas de cidades que vivem do jogo podem até achar isso uma coisa má, mas não penso que Macau tenha alguma vez vivido um grande período de produção cultural e artística, e é preciso não esquecer que foi durante séculos uma fortaleza aquartelada. Pelo menos agora há mais dinheiro (sim, até para a cultura), e se há muitos prédios onde dantes “se via toda a cidade da Fortaleza do Monte”, isso é um sinal dos tempos, do progresso. Macau não ia ser sempre a cidade dos poetas e dos loucos, uma vez que existem centenas de milhar de outras pessoas que aqui têm que fazer pela vida, e não estão para lirismos.

A verdade é que o dinheiro apareceu e está aí, só que em vez de se pensar no que fazer com ele, pensa-se mais no que fazer quando ele acabar. A conversa da “diversificação da economia” começa mesmo a enjoar. Vamos fazer o quê? Transformar Coloane na maior quinta de agricultura biológica do mundo? Tornar Macau num Paraíso Filmes, espécie de lugar assim muito chique com festival de cinema e tal? Não me façam rir. Enquanto se continuar a cuidar da Árvore das Patacas, esta dará sempre frutos. A diversificação das saídas profissionais dos jovens de Macau de modo a evitar o ”brain drain” é uma questão importante, sem dúvida, mas deve ser feita com as armas que temos. Se essa “arma” é o dinheiro do jogo, porque não encontrar uma forma de utilizá-lo racionalmente em vez de criticar a forma como ele aparece? Perguntem a uma família de quatro ou cinco em que os adultos estão empregados no jogo e não sabem fazer outra coisa o que pensam da “diversificação da economia”. Somos portugueses, estamos aqui porque desistimos de tentar melhorar o nosso país, e temos assim “soluções” a toda a hora para resolver os problemas dos outros?

Passando à questão das liberdades, hoje Macau goza de muito mais liberdade que antes. Vivi no território durante os últimos oito anos da administração portuguesa, e agora dez anos de administração chinesa. Posso garantir que as únicas vezes que fui ameaçado ou perseguido mesmo a valer foi por portugueses, antes e agora. Nunca ninguém da parte chinesa me chateou, tenho mais amigos chineses e macaenses do que portugueses, e até casei com uma das tais “ou mun yan”. E estou muito mais feliz assim do que nos tempos em que tinha mais afinidades com a comunidade portuguesa, o que me causou dissabores que me levaram a ter aquele “mau génio” que muitos dos leitores apontam em mim.

A imprensa continua a ser livre, e só não o é às vezes porque está mal habituada e tornou-se subsídio-dependente. Ironicamente, os que ainda vão dizendo umas coisinhas e batendo o pé gozam de menos recursos do que os que muitas vezes calam e vão batendo a pala. É um negócio como outro qualquer. Daí que existam tantas pessoas que expressam o seu descontentamento com algumas situações de forma anónima e dissimulada: são os blogues e os fórums online, e voz da tal maioria silenciosa que tanto se fala. Esta massa de gente cansou-se de esperar que aqueles que se identificam, e têm a responsabilidade de falar sempre a verdade, doa a quem doer, não o façam.

E isto leva-me a um outros ponto: está tudo bem na RAEM? Não está “tudo bem” em lado nenhum do mundo, estimados leitores. Na RAEM foram feitas muitas coisas boas, mas dessas não precisamos de falar tanto, porque estão bem e não precisam de ser mexidas. As coisas que estão mal, mas mesmo assim são um mal menor, têm que ser melhoradas, e é preciso colocar o dedo na ferida para que mais tarde possa sarar. Basta olhar para a imprensa internacional para perceber que as más notícias vendem mais que as boas. Ninguém está interessado no jogral que sai à rua de madrugada proclamando “all is well”.

No meu ver é preciso pegar nas coisas más e torná-las boas, integrá-las nas coisas boas que já existem, e bem. É preciso melhorar a educação, tornando-a mais inclinada para a criatividade do que para o conformismo, é preciso resolver o problema do acesso aos cuidados de saúde e da falta de profissionais e infra-estruturas, é preciso um plano urbanístico concreto para que as pessoas gostem de morar em Macau. Claro que é preciso isto e mais, mas o que foi feito está feito, e pelo menos a intenção foi boa. Ninguém se lembra de gastar muito dinheiro em situações de onde não espera qualquer retorno.

Finalmente, quanto à qualidade de vida, esse é o aspecto em que Macau estagnou, quando devia ter evoluído. As pessoas têm hoje as mesmas exigências que tinham há dez anos, mas deviam exigir mais. Deviam exigir poder entrar num mercado ou supermercado e optar por uma alimentação mais saudável. Nisto faz-se mesmo muito pouco, pois os hábitos alimentares locais são terríveis, desconhecendo-se por completo o conceito de vegetarianismo ou ignorando-se o problema do colesterol, da poluição ou do consumo de bebidas alcoolicas. Continua a fazer-se pouco (antes de 99 também não se fazia nada) na prevenção de distúrbios do foro psiquiátrico, na falta de especialistas que consigam resolver os problemas relacionados com o stress tão típico das cidades. E o trânsito, por muito que se tente resolver, continua uma desgraça, para uma cidade que conta apenas com meio milhão de habitantes.

Têm vindo apoios e garantias de ainda mais apoios do governo central, e é isso que tem levado este barco para a frente. Congratulo-me que Pequim esteja satisfeito com o que tem sido feito por aqui, apesar dos solavancos, e é só com esse voto de confiança que podemos acreditar que Macau nunca vai perder a sua matriz, a sua originalidade, o seu direito à diferença. A RAEM está de parabéns por estes dez anos, e só se pode esperar melhor nos próximos dez. Depois falamos outra vez. Na minha experiência pessoal destes anos no território, são estas as minhas conclusões, e respeito quem tiver outras contrárias.

E gostaram do fogo de artifício? Foi lindo.

6 comentários:

Anónimo disse...

Disse!

Marisa Silva disse...

Obrigada por partilhar a sua opinião acerca destes 10 anos. Infelizmente aqui em Portugal muito pouco se fala acerca disso.

Anónimo disse...

Concordo com praticamente tudo o que disse. Se fizermos uma avaliação por comparação com os outros países e regiões do mundo, veremos que os resultados de Macau nos últimos 10 anos são ainda melhores. Sim, que nos tais grandes países, sobretudo europeus, os últimos 10 anos foram terríveis para o cidadão médio. Houve um retrocesso no nível de vida das pessoas, coisa que em Macau, no geral, não se verificou.

E, por muito que os portugueses gostem de denegrir os primeiros dez anos de administração chinesa, a verdade é muito simples: os portugueses são muito mais pidescos, controladores e invejosos. Muitos se comprazem com o mal do vizinho, porque a inveja leva-os a contentarem-se mesmo que não estejam bem, desde que o vizinho esteja pior. Os chineses vivem muito mais a sua vida sem se preocuparem com a do vizinho do lado. E se isto é mau em termos de civismo (porque nunca lhes passa pela cabeça que possam estar a incomodar o outro), é muito bom em tudo o resto.

A minha única discordância em relação ao seu texto: "E o trânsito, por muito que se tente resolver, continua uma desgraça, para uma cidade que conta APENAS com meio milhão de habitantes". Destaquei a palavra "apenas" porque acho que está muito mal utilizada. É precisamente o contrário, meio milhão de habitantes num território de menos de 30 quilómetros quadrados é um número astronómico. Qualquer cidade do mundo tem uma densidade populacional muito mais baixa do que Macau. No entanto, muitas dessas cidades têm problemas de trânsito tão graves quanto os de Macau. O que significa que o governo de Macau não conseguiu fazer nada numa área em que mais nenhum governo conseguiu, apesar de ser mais fácil do que em Macau.

A única área em que acho que nestes dez anos o governo foi completamente incompetente foi na saúde. Essa sim, tem-se vindo a deteriorar a passos largos, e não me parece que fosse tão difícil assim evitar que isso acontecesse.

Coronel Mesquita disse...

Um país, dois sistemas, a solidez do trabalho realizado

por Jorge Rangel, Secretário adjunto para a Administração, Educação e Juventude (1991-1999)


A cidade está em festa e à espera, nos próximos dias, da visita das mais altas entidades da República Popular da China. É que Macau completa, no dia 20 de Dezembro, o seu 10.º aniversário como Região Administrativa Especial da República Popular da China.

No mesmo dia toma posse do cargo de chefe do Executivo, sucedendo a Edmund Ho Hau Wah, o até há poucos meses secretário para os Assuntos Sociais e Cultura, Fernando Chui Sai On, com ele iniciando-se um novo ciclo governativo muito marcado, porém, pela continuidade de pessoas e de políticas.

Um balanço correcto desta primeira década revelará, inequivocamente, o sucesso da aplicação do princípio "um país, dois sistemas" e a solidez do trabalho realizado, pela administração portuguesa, no período de transição, quando se fez uma enorme aposta nas infra-estruturas, na acção social e na educação, sob a esclarecida liderança do governador Vasco Rocha Vieira.

É também justo reconhecer que o acordo firmado com Portugal, em 1987, foi respeitado, gozando a região, efectivamente, de ampla autonomia, sob o acompanhamento sempre atento das autoridades centrais chinesas. As instituições funcionaram e a maneira de viver da população foram mantidas, sendo preservados os direitos, liberdades e garantias assegurados anteriormente pela Constituição da República Portuguesa e agora incorporados na Lei Básica da Região.

Os resultados são positivos, registando-se um impressionante desenvolvimento económico e, consequentemente, um invejável desafogo financeiro, pese embora a excessiva dependência em relação às abundantes receitas geradas pelos jogos de for-tuna ou azar, e não obstante alguns assinaláveis acidentes de percurso e visíveis desequilíbrios que não foram suficientemente acautelados e que resultaram, em especial, do rápido crescimento verificado. A sua correcção constitui, agora, a maior prioridade, e também o maior desafio, na acção governa-tiva nos próximos anos, estando a atenção da população, mais exigente e interventora, muito insistentemente virada, também, para o reforço de medidas de combate à cor-rupção e à ilegalidade administrativa.

Merece, igualmente, menção a intensificação das relações com os países de língua portuguesa, desejando a China que Macau faça uso pleno desta sua mais-valia que é a ligação histórica, cultural e comercial ao mundo lusófono, cabendo também a Portugal saber tirar maior proveito deste desígnio pragmaticamente expresso e constantemente reafirmado. Foi ali que o Governo chinês decidiu fazer funcionar, em permanência, o Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os países de língua portuguesa, multiplicando-se, desde então, as iniciativas neste contexto, estendidas às mais diversas áreas, incluindo a académica e a cultural.

A classificação, pela UNESCO, do centro histórico da cidade como património mundial contribuiu, por outro lado, para garantir uma intervenção mais consequente e correcta na preservação do legado histórico e arquitectónico, ainda mais importante agora face às ameaças de descaracterização que abundantes e desproporcionadas construções ligadas aos novos operadores dos casinos estão a provocar.

De acordo com um recente documento governamental central, estabelecendo directivas e metas económicas, até 2020, para todo o vasto delta do rio das Pérolas, uma das zonas de mais espectacular desenvolvimento em todo o mundo e onde Macau se insere, privilegiam-se, para esta região especial, o papel de plataforma de cooperação com o mundo lusófono e o de grande e diversificado centro de turismo, valorizado pela existência, exclusiva em todo o território chinês, de modalidades diversas de jogos de fortuna ou azar e orientado, complementarmente, para congressos e convenções, incentivos e grandes espectáculos.
(...)

Tags: Macau, Jorge Rangel, Dois sistemas,

Coronel Mesquita disse...

(...) Para viabilizar o crescimento desejado, acaba de ser autorizado o alargamento da área de Macau em cerca de 12%. Abrem-se, assim, aos interessados locais e do exterior, renovadas e aliciantes oportunidades de participação e de investimento na próxima década, sendo desejo de todos uma participação mais efectiva e consequente de Portugal.


Tags: Macau, Jorge Rangel, Dois sistemas,
DIÁRIO DE NOTÍCIAS
http://dn.sapo.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=1453232&seccao=Convidados

Anónimo disse...

Este coronel mesquita deve ser o fascista vitó a apoiar o fascista rangel.