segunda-feira, 29 de abril de 2013

Vamos a pé?


O problema do trânsito em Macau foi o tema de reportage do Telejornal da última sexta-feira. Os residentes entrevistados – todos eles de origem portuguesa – são unânimes em concordar que andar de carro em Macau já não é o o que era. Nem de carro, nem de autocarro, e muito menos de táxi. A cidade conheceu um desenvolvimento exponencial nos últimos anos, e apesar das vantagens, o crescimento económico teve implicações negativas na qualidade de vida. A circulação automóvel é um bom exemplo disso.

Vivemos numa cidade sem muito espaço, é um facto. A exiguidade do território não nos permite que se abram os braços, quanto mais que se diriga um automóvel com o à vontade que se verifica em Portugal ou em outros países. Em Macau não existe uma auto-estrada, onde podemos contemplar asfalto a perder de vista. Os aceleras e restantes adeptos da velocidade dentro de um perímetro urbano ficam relegados para as horas menos concorridas da madrugada, onde o trânsito não atrapalha tanto. E mesmo assim aposto que ainda lhes sabe a pouco.

Os entrevistados do Telejornal de sexta queixam-se que demoram agora mais tempo a circular dentro da cidade, entre as ilhas e a peninsula, e especialmente da dificuldade em encontrar estacionamento. Em menos de dez anos ter carro passou de comodidade a pesadelo. Há mesmo quem tenha optado por passar a viver mais próximo do trabalho e da escola dos filhos, a uma distância acessivel a pé. Já vão tarde: eu próprio sempre cuidei de residir a 10 ou 15 minutos a pé do trabalho. Já desconfiava do trânsito quando aqui cheguei, e a situação actual não me surpreende nem um pouco. Depender do carro ou de transportes públicos não é uma opção sensata.

Uma das razões que contribuíu nos últimos anos para a precaridade do trânsito é a subida do preço da habitação. Que sentido faz relacionar o preço da habitação com o trânsito, pergunta o leitor mais distraído. Tudo. Perante a impossibilidade de adquirir um casa, muitos residentes optam por comprar um carro. Juntando isto ao facto de qualquer pindérico, barbeiro ou condutor domingueiro poder facilmente obter a carta (especialmente desde que o Governo subsidiou a população com as 5000 patacas para “formação continua”), temos uma mistura explosiva, com mais carros e menos espaço para que circulem ou para que estacionem.

Outra das razões apontadas para o escoamento a conta-gotas do tréfego é a proliferação dos autocarros de turismo, com destaque para a frota dos casinos, que visa levar potenciais apostadores ao paraíso do jogo em Macau. Não deve haver um único automobilista que se queixe de não ter ficado entalado numa fila de trânsito causada pelos luxuosos “auto-pullman” do Galaxy, City of Dreams e afins. Mas queixar-se do quê, afinal? São estes que produzem as receitas que depois permitem que haja dinheiro para comprar popós, meus amigos. É uma pescadinha de rabo-na-boca. Mesmo que venenosa.

Há alguns anos foi criada a Direcção de Serviços de Assuntos de Trânsito (DSAT), cujas competências antes pertenciam ao IACM. A desanexação destas responsabilidades visavam melhorar a situação do tráfico, mas a DSAT transformou-se num verdadeiro saco de pancada, e em vez dos méritos inicialmente previstos, são-lhe imputadas responsabilidades. É surrealista que se crie um departamento que tem como propósito melhorar, e que depois de criado veja a situação piorar. Mas o que pode fazer Wong Wan e a sua equipa? O problema não se resolve com passes de magia, por muito boas que sejam as intenções. Vedar o trânsito a automóveis particulares na Avenida Almeida Ribeiro aos Domingos e dias feriados pode parecer uma boa ideia, mas é muito pouco. É como regar um imenso deserto com um simples copo de água. É preciso fazer muito mais, e melhor, e depressa.

A questão do estacionamento é provavelmente a mais grave, e o custo do parque automóvel é o nó mais complicado de desatar. É cada vez mais difícil encontrar estacionamento gratuito dentro da cidade, e quem não estaciona à margem da lei sujeita-se ao aumento desenfrado do custo. A loucura da especulação – que não é exclusivo da habitação – leva a que um parque perto do centro da cidade custe qualquer coisa como 1,5 milhão de dólares de Hong Kong. É curioso como um estacionamento pode custar até dez vezes mais que o próprio veículo. O aluguer de um estacionamento está mais ou menos ao nível do preço de um andar com dois quartos nos anos 90. Aqui perto de casa podem-se encontrar estacionamentos improvisados, ao ar livre em terrenos baldios, pela módica quantia de 1000 patacas mensais. Para ter um lugar onde enfiar o carro vale quase tudo.

Apesar de tudo a situação de Macau não é tão má como noutras grandes cidades asiáticas. O problema do “Gridlock” em cidades como Bangkok é muito mais grave, e chega-se a demorar mais de uma hora a atravessar uma avenida em horas de ponta. Mas com o mal dos outros podemos nós muito bem, e para quem aqui vive há mais de uma década sente a diferença. A solução é difícil de encontrar, mas eventualmente chegará, assim que se atinga o ponto de ruptura. Qualquer dia vamos ficar fartos de engarrafamentos, parquímetros, estacionamentos a preços exorbitantes e tudo mais, e vamos todos andar a pé. Eu já me antecipei. Fico à vossa espera.

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