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Revolução e harmonia
I
Comemora-se hoje mais um aniversário da Revolução dos Cravos, que exactamente há 39 anos neste dia derrubou a ditadura do Estado Novo em Portugal e instituíu uma democracia parlamentar e multi-partidária, aboliu a censura, libertou os presos políticos e de delito de opinião, e eventualmente pôs fim à Guerra do Ultramar, trazendo de volta a casa os nossos soldados. É uma feliz coincidência que hoje, dia 25 de Abril, tenha a oportunidade de escrever neste espaço. É mais do que isso: é uma honra. Há cada vez mais pessoas ressentidas com o 25 de Abril e as suas conquistas, e faz-se muita confusão entre a Revolução dos Cravos e os cravos da pós-revolução. É verdade que foram cometidos alguns excessos no período que se seguiu ao derrube do regime de Marcelo Caetano, nomeadamente durante o PREC, uma nódoa na nossa História mais recente. No que a revoluções diz respeito, Portugal não detém o exclusivo dos problemas que surjem no contexto de uma nova realidade. Os exemplos sucedem-se, mesmo nos dias de hoje. Foram quase 50 anos na penumbra, na sombra do autoritarismo musculado, e é normal que apareçam obstáculos, problemas novos e opiniões divergentes. Ao fim de um pesadelo nem sempre se segue um sonho lindo, é preciso repensar, reconstruír, reorganizar, e sobretudo encontrar o rumo certo, o que muitas vezes se afigura uma tarefa complicada. As políticas fracassadas e as decisões infelizes que se seguiram à revolução não invalidam as conquistas obtidas neste dia que se comemora. De todas a mais importante foi a liberdade, que uma vez alcançada pode ser usada para o bem ou para o mal. Depende apenas de nós usá-la com siso, aproveitá-la e tratar bem dela, para que não a voltemos a perder. Por mais descontentes que estejamos com a actual situação, nada substitui a liberdade, e nada justifica o regresso ao passado, ao 24 de Abril. É lamentável que tanta gente jovem suspire agora por Salazar e pelos nepotes do Estado Novo, mesmo sem conhecimento de causa. Se é apenas como protesto pela actual austeridade é um erro. É como receitar a alguém com uma enxaqueca que lhe cortem a cabeça. Este 25 de Abril, mais um que nos faz recordar o longínquo ano de 1974 em que Portugal reconquistou a liberdade e entrou – se bem que tardiamente – no caminho da modernidade é para ser celebrado sem reservas. Quando vamos ao aniversário de alguém não é para o criticar ou apontar-lhe defeitos. 25 de Abril sempre!
II
Uma característica fascinante da política que se faz em Macau tem a ver com uma certa passividade perante algumas situações que noutras paragens teriam consequências desagradáveis. Algumas “gaffes” cometidas por directores, secretários e outros amanuenses com responsabilidades no Governo da RAEM são toleradas de uma forma quase mecânica pela população em geral, que como já se sabe não é propriamente conhecida pelo seu espírito crítico. Casos tornados públicos recentemente no território e que em Portugal, por exemplo, levariam um alto responsável a apresentar a demissão no dia seguinte passam sem qualquer punição ou apuramento de responsabilidades. Os infractores vão-se perpetuando nas suas funções, e nem que os mandassem embora eles saíam. Os suspeitos do costume (os democratas) atiram umas farpas, exigem explicações, mas os visados fazem orelhas moucas – deixam falar e ficam à espera que o assunto “morra”, ou que uma outra tropelia qualquer seja cometida por outro autor. E assim vão passando as estações, e ficando os mesmos cantando e sorrindo a caminho do banco. Tenho um amigo muito tolerante que responde ao descontentamento esporádico de algumas faixas da população com um pacificador: “Está tudo bem, as coisas funcionam”. De facto em Macau ninguém morre de fome, os autocarros chegam mais ou menos a horas, e as repartições abrem às nove horas nos dias úteis. Em Macau não se justifica um “25 de Abril”, simplesmente…porque não. Tudo em nome da tal “harmonia”.
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