Quando estudava na Escola Primária fui ensinado que era “feio” dizer palavrões, mesmo os mais inocentes. Um simples “sacana” ou “cabrão” podia valer um arraial de reguada, pimenta na lingua, uma palmada na boca, ou uma carta aos encarregados de educação. Foi um periodo de opressão, e pode-se mesmo dizer, de censura. Foi quando me juntei aos restantes “índios” no ensino Preparatório, o que no meu tempo era conhecido por Ciclo, que se soltou o Bocage ou o Vilhena que existe em cada um de nós, e comecei a dizer as primeiras caralhadas, longe dos olhares dos pais ou da atitude censória dos anjinhos que compõem o mundo infantil: professores primários, avós dos colegas, meninos e meninas de bem. Quando somos deixados entregues a nós próprios, alargam-se os horizontes, e descobrimos que dizer palavrões é não só uma conduta normal, mas também uma espécie de descompressão. Foda-se, é um alívio.
Mais do que começar a fumar ou a beber alcóol, dizer palavrões é o primeiro sinal de maioridade. Toda a gente diz palavrões, desde o doutor ao trolha, do cónego ao engenheiro, da dona de casa ao atleta de alta competição – e estes últimos usam e abusam do expediente, pelo que é dado a entender durante os movimentos dos lábios durante as transmissões televisivas de alguns jogos de futebol, por exemplo. Quem nunca pragejou não é normal, certamente. Algumas profanidades têm mesmo uma função de catarse, e servem para exorcizar os males do mundo a que somos constantemente expostos. Num mundo perfeito, sem dor nem contrariedades, os palavrões não fariam qualquer sentido. No mundo real são tão adequados como as batatas fritas que acompanham o bitoque. Não faria sentido viver sem eles.
Os portugueses dizem imensos palavrões no dia-a-dia, mas são mais tímidos quando os transportam para a ficção. É raro ouvir palavras como “foda-se” ou “caralho” na televisão ou no cinema, e mesmo os impropérios mais inocentes como “merda” ou “filho da puta” são atirados muito timidamente, seguidos de uma pausa escusada, como se viesse aí o senhor prior castigar os meninos com umas palmadas no rabo. Nas conversas de café ou entre amigos não é raro escapar um ou outro palavrão perfeitamente natural e simplesmente descartável. Ninguém se incomoda que fulano solte um espontâneo “vai levar no cu” ou um “puta que pariu” durante um argumento mais aquecido. Não se fica rotulado de porcalhão por deixar escapar de vez em quando um calão mais gráfico ou impróprio. Mas que caralho, vivemos ou não em liberdade?
É claro que existem limites. Um indivíduo que use palavrões como se fosse pontuação é normalmente considerado um “ordinário”. Alguém que diz “foda-se” quando se magoa ou “ai o caralho…” quando não acerta à primeira com uma tarefa, está perdoado; é apenas um desabafo. É preciso desconfiar de quem nunca diz um palavrão quando a vida lhe corre mal: podemos estar na presença de um potencial psicopata, que acumula frustações e pode explodir a qualquer altura com consequências mais graves. Chamar de “paneleiro” a um indivíduo assumidamente homossexual ou “puta” a uma prostituta pode ser ofensivo, mas apenas porque é verdade. Usados como simples interjeição, os palavrões perdem o seu carácter de insulto. Um indivíduo meio efeminado e cobarde, mesmo que heterossexual, arrisca-se a ser chamado de “paneleiro”, e uma mulher leviana pode ser chamada de “puta”, mesmo que não se preste a favores sexuais por dinheiro – e nos dias que correm, arrisca-se ainda a ser chamada de “parva”.
A própria designação dos órgãos sexuais merece quase sempre um tratamento mais popular, sem que algum mal venha ao mundo. Chamar de “cona” à vagina, “mamas” aos seios, “caralho” ao pénis ou “colhões” aos testículos não é mais do que libertá-los do pesadismo das designações médicas e científicas. É muito mais conveniente dizer que se tem “cócegas no caralho” do que “um prurido no pénis”. Os parasitas que habitam as partes baixas do mais badalhocos e badalhocas são mais conhecidos por “chatos na pintelheira” do que “pediculose púbica”. Poucos serão os que tratam este problema pela segunda opção. Mesmo as excreções são tratadas de forma mais ligeira. É mais habitual dizer “cagar” do que o pesadão “defecar”, ou “merda” em vez de “fezes”. Em que outro local se ouve a palavra “fezes” a não ser no consultório médico?
O acto físico do amor é propício a um vocabulário mais colorido, mesmo entre os mais conservadores. Na intimidade do leito os casais mais rapidamente entiçam o parceiro com um “fodes tão bem” do que com um seco “fazes amor com competência”, e um simples “fode-me” substitui o mais elaborado “faz amor comigo”. O coito oral é mais conhecido por “broche” e “minete”, conforme o caso, sendo as alternativas “fellatio” e “cunnilingus” mais adequadas a uma aula de Latim do que um acto sexual propriamente dito. Dizer “estou a vir-me” é mais simpático que dizer “estou a ejacular”, e entre os mais solitários a “punheta” define competentemente a auto-gratificação. “Masturbação” parece mais o nome de uma doença tropical.
Se existe ainda algum tipo de preconceito quanto a estas palavras que todos conhecemos tão bem e amiúde usamos isso só pode ser fruto de muitos anos de opressão e censura, que levam a que exista ainda um conservadorismo escusado e bacoco. Usemos com prazer o vocabulário que os nossos poetas mais malditos dotaram a nossa lingua. São palavras lindas, que utilizadas no contexto apropriado produzem resultados magníficos. Não se inibam de mandar tudo “pró caralho” quando for realmente necessário. E digam lá com sinceridade: foder não é muito melhor do que “fazer amor”?
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