“Temes que ser pragmátiques.…pensar em ganhar os jogues, se o fizermos com cólidade, como já o fazemo-lo, melhor ainda”, “Não podemo-nos priócupar com os nosses rivais”, “Hoje semos os melhores, jegámos munta bem”. Já reconheceram a autoria deste “pretoguês”? É Jorge Jesus, pois claro. Clubismos à parte, acho imensa piada a este indivíduo. Conheci-o de perto quando era ainda treinador do Amora, num jogo a contar para o campeonato da II divisão “B”, Zona Sul, disputado no Montijo e que acabou empatado a uma bola. Foi há 21 anos, mas lembro-me como se fosse ontem. Os adeptos da casa ficaram descontentes com a arbitragem e protestaram no fim do jogo. Jorge Jesus, já na altura com algum cabelo grisalho, indumentária preta e pastilha elástica, parou em frente aos montijenses furiosos e abanou a cabeça em sinal de reprovação, separado pelo gradeamento do saudoso Campo Luís Almeida Fidalgo – foi o que lhe valeu. Foi levado para o balneário pelas autoridades, e nunca mais o vi em carne e osso. Mas a imagem ficou-me na retina. Estava ali um personagem que ia dar que falar.
E realmente é mesmo assim. Jorge Jesus é um dos treinadores de topo em Portugal e no mundo, e nos quatro anos que leva de Benfica recuperou a então moribunda águia e voltou a apontar-lhe o caminho do sucesso. Olhando para a sua carreira desportiva, vemos que estamos aqui na presença se um “self made man”. Como atleta chegou a jogar no Sporting, nos anos 70, e viria a terminar a carreira na III Divisão, no Almancilense, em finais dos anos 80. Como treinador não podia ter começado melhor, levando o Amora à Liga de Honra exactamente no tal ano em que o vi no Montijo. Seguiram-se o Felgueiras, que levou à divisão principal pela primeira vez na História, e vários clubes da divisão principal, como o Est. Amadora, Belenenses ou os dois Vitórias, de Setúbal e Guimarães. Foi depois de levar o Braga ao quinto posto em 2009 que foi contratado por Luís Filipe Vieira, e depois foi o que se sabe. Uma das razões para o seu sucesso na Luz foi a experiência e o seu conhecimento do futebol português. Não fossem os seus 58 anos, e provavelmente teria grandes clubes europeus interessados nos seus serviços.
A carreira de Jorge Jesus no Benfica tem sido ofuscada pelo sucesso do FC Porto em termos desportivos. Em três anos ganhou um campeonato e três taças da liga, enquanto os dragões conquistavam dois campeonatos, duas taças, três supertaças e uma Liga Europa. Este ano lidera a Liga Sagres com mais quatro pontos que o rival do norte a seis jornadas do fim, está com um pé na final da Taça e ainda está na Liga Europa, onde é um dos favoritos à conquista do troféu. Caso vença as três competições, será um feito inédito no clube, e mesmo uma “dobradinha” (campeonato e taça) seria a primeira desde 1987. Apesar de tudo tornou o Benfica num clube de topo, respeitado a nível doméstico e na Europa, e trouxe saúde financeira. O Benfica tem valorizado os seus activos, e vendido jogadores por um preço muito superior ao da sua aquisição. Dí Maria, David Luiz, Fábio Coentrão, Ramires, David Luiz, Javi Garcia ou Axel Witsel são mais negócios lucrativos realizados no consulado de Jorge Jesus do que nos últimos 20 anos de história do clube. Jorge Jesus trouxe saúde financeira, independente dos resultados desportivos.
Apesar de tudo isto, Jorge Jesus é amiúde criticado pelos adeptos do Benfica, que o acusam de ser “teimoso”, insistindo em opções tantas vezes desastrosas. O melhor exemplo disso terá sido o guardião Roberto, contratado em 2010 para o lugar do campeão Quim, e cujas paupérrimas exibições custaram muitos pontos. O “tribunal” da Luz só terá perdoado o treinador devido ao impacto inicial que teve na equipa. Foi campeão logo na primeira temporada, e a partir daí foram já algumas as vezes em que alguns adeptos pedem a sua demissão, especialmente depois de sequências de resultados menos conseguidos. Os seus apoiantes incondicionais (Os “jesuítas”? Lembrei-me desta agora mesmo) prezam a atitude que trouxe mudança, e atribuem-lhe o facto dos encarnados estarem actualmente a disputar a hegemonia do FC Porto no futebol nacional. Há quem diga que Pinto da Costa se arrependeu de não o ter contratado primeiro. Foi ainda com Jorge Jesus que o Benfica alinhou pela primeira vez na sua História com um onze composto de jogadores estrangeiros. A preferência parece recair sobre jogadores sul-americanos, mais baratos e com provas dadas nos seus países. Uma aproximação realista ao futebol actual, dizem os entendidos.
Mas qual é afinal o segredo da competência de Jorge Jesus? Como é que um tipo que mal consegue juntar meia dúzia de palavras dde forma coerente é um grande treinador? Como é que consegue fazer muito melhor que Artur Jorge, que fracassou na Luz, apesar de ser licenciado em Filosofia e tudo? Porque se fala do Benfica “antes e depois de Jesus”, o que deixa bem patente a popularidade que tem no clube da segunda circular? Talvez Jorge Jesus tenha nascido para treinador, não sei. Pode ser que entenda apenas de futebol e de mais nada – incluindo gramática. Pode ser bronco, analfabeto, teimoso, com um penteado pouco ortodoxo, mas é um dos melhores naquilo que faz. Não o desprezo, e até acho salutar que o Benfica seja um rival à altura do meu FCP, é interessante em termos competitivos. Só que para ser sincero nunca me passou pela cabeça que aquele “cromo” que andava a pedir um par de estalos bem dados no Montijo em 1992 estaria onde está hoje. São as voltas que o mundo dá.
Sem comentários:
Enviar um comentário