Apartheid dos waffles

O que come o prezado leitor ao pequeno-almoço? É fácil de encontrar nos supermercados? Varia a primeira refeição do dia ou come sempre a mesma porcaria? Como considero o pequeno-almoço uma refeição importante, como-o sempre em casa, em fartura, de preferência variado e sempre com o tempo necessário para mastigar bem. Convém acordar pelo menos uma hora antes de se sair de casa para o trabalho, para se tratar da higiene pessoal, das leituras rápidas na internet para pelo menos ficar a saber se o mundo acabou, e claro, aconchegar o estômago com qualquer coisinha antes de enfrentar mais um dia de luta.

Não penso que seja saudável atacar o estômago logo de manhãzinha com massas, coisas fritas, sopas, picante ou muito sal, pelo que opto sempre por cereais, iogurtes, pão, algum fiambre e queijo para aquele “kick” das gorduras, sumos, fruta, coisas assim amigáveis e de digestão fácil. Um pequeno-almoço típico para mim, por exemplo, será um bagel ou um croissant com queijo e fiambre, e um Sumol de ananás. E depois um cafezinho. E pronto, estou como novo, e a caminha já parece uma realidade distante. Os miúdos, felizmente, seguem os meus hábitos, não dispensando sentarem-se pelo menos uns quinze minutos a mastigar o pequeno-almoço que o papá ou a mamã fizeram, e como não gosto que se queixam da falta de variedade, compro sempre qualquer coisa diferente para eles.

Com isto em mente, fui esta tarde ao novo Park’n’Shop comprar coisas mais variadas para o pequeno-almoço. Chego perto do frigorífico e que vejo eu? Tarte de maçã da Sara Lee, uma torta de morango e waffles da Kellog’s. Uma maravilha. Fui depois buscar o mel para casar os waffles, e fui pagar. Chegando então aos waffles, o preço não estava registado, e vai de ir lá dentro resolver o problema, buscando uma caixa que já tenha o preço marcado. Isto causou uma enorme confusão e transtorno às pessoas que estavam atrás de mim na fila, pois a gorda que foi lá ver o preço nunca mais voltava. Já tinha estranhado o gelo amontoado em cima das caixas destas deliciosas pastelarias que tinha acabado de adquirir, e foi aí que deu para perceber: ninguém no bairro da Praia do Manduco compra waffles. Só eu. Sou um gajo com um gosto bué de esquisito, sou o estrangeiro que está ali a atrapalhar o trabalho da malta. Esqueçam se têm lá um frigorífico a abarrotar de caixas de waffles da Kellog’s. Será “merdamente” decorativo, e não é suposto eu andar ali a comprar aquilo, pronto.

Para a esmagadora maioria da população em Macau a vida de manhã corre de maneira diferente da minha. Acordam dez minutos antes de sair de casa, vão para o trabalho a cheirar a pesadelo, e passam por uma tasquinha de massas pelo caminho e compram um min com van tan ou chu pa ou outra porcaria qualquer, de preferência cheio de caril e acompanhado com uma soda ou um leite de soja. Já é uma maçada quando param o carro ou a mota no meio da rua para fazer ta pao, mas os restaurantes onde o fazem começam desde madrugada a deixar a rua a cheirar a monoglutimato de sódio e a fritos. É preciso ter um bucho mesmo forte para atacá-lo logo após o coma do sono com salsichas, bolas de peixe e de lula mergulhados em água suja e acompanhado de molhos mal-cheirosos, e nisto há que lhes dar mérito. É preciso coragem.

É claro que não estou aqui a querer impôr os meus hábitos alimentares (que são os melhores) a ninguém, cada um come o que quiser e bom proveito. Só gostava era que alguém soubesse o que é um waffle, e mesmo que não saiba, que me deixe comprar a quantidade que quiser de waffles sem precisar de causar alarido e dar "show" em frente aos vizinhos. Tenho uma sugestão ainda melhor: e se os deixassem de vender? Assim ninguém se chateava e já não me tinham aqui a queixar-me do serviço todo mal disposto e pior que uma velha a quem tiraram a reforma. Isto é perseguição aos ocidentais de que fala o CMJ meus amigos. Isto é o apartheid dos waffles.