Comemora-se hoje o Dia Mundial da Criança. Um dia que tem como curiosidade estar ligado ao feriado dos Barcos Dragão, que em 1922 foi no dia 1 de Junho, e que um professor chinês de S. Francisco dedicou a todas as crianças do mundo. Apesar de ser um dia como qualquer outro, é um dia especial em muitos sentidos. É um dia em que aproveitamos para reflectir sobre a situação de muitas crianças no mundo inteiro, ainda sem acesso à educação, saúde, ao amor dos pais, no fundo tudo o que significa ser criança. É neste dia que nos lembramos que no mundo ainda existe o trabalho infantil, muitas vezes em condições desumanas, ou as crianças-soldado, encarregadas de fazer o trabalho sujo de senhores da guerra sem escrúpulos.
A condição e os direitos da criança são muitas vezes desrespeitados. Quem não respeita as crianças ou lhes nega os seus direitos provavelmente nunca foi criança, ou não percebeu essa etapa da vida. Eu sinto que aprendi imenso com a minha infância. Foi uma fase engraçada - a mais curta da vida - onde aprendemos a formar muitos dos aspectos de carácter social que nos tornam nos homens e mulheres que somos hoje. Triste é quem não teve uma infência feliz, e o pior é que só temos uma oportunidade para concretizar esse objectivo.
Lembro-me dos dias da criança de há 20 ou 30 anos como se fossem hoje. Eram quase como um aniversário fora de época. Era o aniversário de todos. Como tinhamos escola de manhã faziamos sempre a festa à tarde na casa de um dos amigos. Um dia fizemos na minha casa; ouviamos música (dos 80's, claro), organizávamos jogos, bebiamos Tang (era um luxo, o Tang) e no fim da tarde iamos para a rua jogar à bola. Nesse dia na escola eramos sempre os reis. Ai do professor que marcasse um teste para esse dia. À medida que ia crescendo, o Dia da Criança ia perdendo a sua graça. Assim como as papilas gostativas começavam a preferir os salgados aos doces, a injecção da puberdade ia-se manifestando paulatinamente. Atingiamos a maioridade com o mesmo ar paternalista com que os adultos nos brindavam ainda poucos anos antes.
Rapidamente começávamos a esquecer que já tinhamos sido crianças, e pressionados por uma sociedade chata onde "não se pode brincar", chamamos "crianças" às pessoas adultas como nós que revelam alguma imaturidade (e isso da maturidade, como se mede?). Como se ser "criança" fosse uma coisa má. Irrita-me a forma como se fala da juventude como se fosse uma coisa vaga, que "depende". Na política ou no mundo dos negócios, por exemplo, diz-se que um gajo nos seus quarenta e tal anos é ainda "um jovem". É o mesmo que dizer que o Castelo de S. Jorge é uma obra recente, se comparada com as pirâmides de Gizé. Irrita-me quando alguém mais velho que eu me trata por "tu", e obriga-me a tratá-lo por "você".
Numa coisa não tenho ilusões: as crianças estão aí para nos roubar o lugar. Ah sim, não tenham a mínima dúvida, eles andam aí. Hoje podemos ser uns gajos bestiais cheio de nome, estofo, cultura, "experiência" (outra coisa que não interessa), que não come com as mãos ou não suja as paredes de esparguete nem põe nódoas de chocolate na roupa, e eles, coitadinhos, "no sabem nada da vida". Digo eu: que bom para eles. Mas daqui a uns anos - e não são assim tão poucos - somos xéxés e acabados, a cair aos cantos, e eles "tomam conta de nós". Assim, como uma expropriação de qualquer coisa de inútil. Não acredito muito no tal princípio da retribuição, mas pelo sim pelo não, vou tratando bem os mais novos, para que eles não me tratem mal no futuro. É um pequeno investimento que vale a pena.
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