Uma das notícias que tem dado que falar é a alegada censura do tema "Sem eira nem beira", do novo álbum homónimo dos Xutos & Pontapés. A canção foi praticamente banida da rádio, onde segundo os próprios Xutos, "só passou uma vez, na Antena 3". A música é um dos três singles do álbum e tem sido entendida como uma crítica ao governo de José Sócrates. O refrão começa com "Sr. engenheiro...", dirigido directamente a Sócrates. Ou assim se sub-entende. "Sem eira nem beira" tornou-se num momento alto dos concertos da banda de Tim e Zé Pedro, e uma espécie de hino ao descontentamento generalizado que grassa pelo país.
É possível que a música, com uma letra de cariz social forte, não agrade ao actual primeiro-ministro, e logo em ano de eleições. Quanto à questão da censura, penso que isso deve ter muito pouco a ver com o sr. engenheiro. Em primeiro lugar a música contém obscenidades. Refiro-me concretamente ao verso "Não tenho eira nem beira/Mas ainda consigo ver/Quem anda na roubalheira/E quem me anda a foder". Não é o que se possa chamar de "radio friendly".
Exemplos no passado são muitos. Portugal é, neste aspecto, um país de brandos costumes. Basta ver a timidez dos grupos de
hip-hop portugueses (terríveis, diga-se de passagem) quando comparados aos seus irmãos norte-americanos. Em 35 anos de democracia, o "povão" ainda não está preparado para o palavrão gratuito. Alguns ficam mesmo chocados, outros consideram que é uma forma baixa de entertenimento, ou choque gratuito. Muitos dos que aceitam o palavrão como forma de expressão da arte ainda riem baixinho. Enfim, a malta não está preparada.
Depois do 25 de Abril, apareceram uns gajos barbudos que de vez em quando mandavam um "merda" no meio das canções. Era considerado radical, libertador até. Os restantes barbudos e cabeludos que os ouviam consideravam isto a concretização da liberdade. José Mário Branco passava-se e proferia um chorrilho de palavrões em concerto, principalmente durante o seu êxito (?) "FMI" - "não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho, não há paciência, não há paciência, deixem-me em paz caralho, saiam daqui".
Depois chegou a cena pop-rock, inaugurada pelo "Ar de Rock" de Rui Veloso, celebrizado pelo single "Chico Fininho", o tal que andava "com a merda na algibeira". Os seixalenses Grupo de Baile experimentaram o amargo sabor da censura na forma de um sinal de mil hertz (o famosos "piii") na palavra "pintelho", no seu single "Patchouli". Antes disso as rádios tinham-se recusado a passar "Avé Maria", dos Xutos, que feria sensibilidades religiosas. Curiosamente o primeiro disco dos Xutos, "78/82", continha o single "Toca e Foge", que no refrão incluía um "puta de vida". No disco Circo de Feras, de 1987, o tema "Esta Cidade" incluía a passagem "filhos da puta sem razão e sem sentido". Mas tirando isto, os Xutos sempre foram bastante "certinhos".
Os meados dos anos 80 e a cena pós-punk trouxeram uma autêntica revolução. Os Peste & Sida cantavam "Gingão, Gingão, és a puta da confusão". Os Mata Ratos lançavam em 1990 o infame álbum "Rock Radioactivo", que incluía temas com títulos sugestivos, como "Dança com a Merda" ou "CCM - Cona, Cu e Mamas". A canção mais conhecida, "A Minha Sogra é um Boi", começava com "Estavamos em casa/sem nada para fazer/fomos para a cama/começámos a foder". Mais ou menos na mesma altura apareciam os Censurados (herdeiros dos igualmente polémicos Kús de Judas) com "Tu ó Bófia" e o refrão "Ficas a pensar/para a próxima vou-te foder".
E por falar em foder, em 1995 um energúmeno de nome Pedro Abrunhosa (ainda estou para saber como o gajo ficou famoso) cantava "Talvez Foder", uma música que ficou também para a História por ter sido entendida como uma crítica indirecta ao governo da altura, de Cavaco Silva. Três anos depois Jorge Palma e Flak (Rádio Macau) voltavam a gravar "Esta Cidade", para a colectânea "XX anos XX bandas", em homenagem aos Xutos. Quando apresentaram o tema ao vivo no programa Herman 98, da RTP, o público manifestava-se com risadinhas cínicas durante a parte dos "filhos da puta sem razão e sem sentido". Pouco tinha mudado.
Melhor exemplo de como transformar o palavrão em arte é Manuel João Vieira, genial "frontman" dos Ena Pá 2000 e dos Irmãos Catita. Pérolas de poesia como "Puta/o meu coração palputa/bate como uma batuta/salta como uma truta" ou "Marilú/diz-me se és mesmo tu/Marilú/deixa-me ir-te ao cu" são inegualáveis. Escusado será dizer que estas canções passaram poucas ou nenhumas vezes na rádio, por razões óbvias. Mas o génio não está mesmo ao alcançe de todos...
2 comentários:
É mesmo censura.
O Abrunhosa, o Rui Veloso e o Grupo de Baile passavam muito mais no rádio, se bem que os "pintelhos" levavam um "beep".
Já agora, não deixar os jornalistas acompanharem as campanhas da Ilda Figueiredo e do Paulo Portas é também uma atitude pouco democrática, ainda por cima depois da história do "Magalhães".
O talvez foder do intelectual da ribeira passava várias vezes na sic...mas isso são outras contas de uma estação que tem jornalistas manos que nem sabem quantas estrelas leva uma bandeira da UE, mas isso não o impede de criticar o PSD...
Mas continuem a votar PS.
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