domingo, 11 de maio de 2008

Sorte agridoce


Imagine que se construía um complexo hotel-casino ali mesmo nos lagos Nam Van, junto à Ponte Nobre de Carvalho. Houve quem pensasse que tal não seria impossível, e há quem tenha dito que viu projectos ainda mais incríveis. Este foi o mote para o novo espectáculo (desisti de lhe chamar "récita", é muito mais que isso) dos Doçi Papiáçam, com o sugestivo título "Sorti Dóçi", ou em português, "Doce sorte", claro...

O espectáculo abriu como habitualmente com os Doçi Trio, constituido por Nuno Senna Fernandes, Mário Siqueira e José do Espírito Santo. A apresentação foi feita como sempre pela lindíssima Isa Manhão, que antes cantou (em inglês) sob o sugestivo nome de Isa Morning (Manhão=morning?). Um toque de classe a abrir as hostilidades.

De seguida vemos um pequeno filme onde ficamos a saber como tudo começou. Joe 'Rocky' Dennis (interpretado pelo director do JTM, José Rocha Dinis) teve uma visão enquanto visitava o património histórico de Macau: e que tal um casino temático que juntasse as Ruínas de S. Paulo, a Fortaleza do Monte e o Farol da Guia? Assim nasceu o Doçi Grand, desenhado pelo arquitecto Charlie Coyote (o arquitecto Carlos Couto, sempre disponível para a brincadeira).

O Doçi Grand faz lembrar em tudo o Grand Lisboa, só que mais bonito. É um tremendo matacão, enfiado entre a baía da Praia Grande e a ponte Nobre de Carvalho. A crítica foi incisiva, mordaz e as montagens muito bem feitas. Vimos turbo-jets, helicópteros, autocarros e até comité de boas vindas nas Portas do Cerco com o logotipo deste casino imaginário. Ri a bom rir, e esperava um espectáculo melhor que no ano passado. Mas como dizem os chineses, foi um início de tigre e um final de serpente.

Não que eu não tenha gostado, e achei "Sorti Doçi" até bastante engraçado, mas comparado com "Côsa Dotô", do ano passado, faltou um fio ao humor, uma história que prendesse o espectador do início ao fim. Enquanto que no ano passado tinhamos uma história que era por si engraçada, este ano as maiores risadas vinham de elementos exteriores à acção, como por exemplo o guia que trazia o grupo de turistas pelas escadas do auditório do Centro Cultural, ou o gondoleiro que aparecia no final de cada acto, ou ainda o funcionário público a tentar entrar no casino e a ser apanhado pelo CACA (eh, eh).

O argumento: uma família de mãe e dois filhos (Nina Lichtenstein no papel de Idalina, a mãe, e Bibi Guilherme e José Luís Achiam como Pepito e Maco) resolve ir jogar no Doçi Grand no Ano Novo Chinês, bem como um casal de reformados (Alfredo Ritchie e Fátima Gomes), enquanto Chicho (José Carion) tentava angariar mais jogadores para a sala VIP do seu patrão (Lou Pui Leong). Vimos muito jogo e jogos, ganhas e perdas e no fim aprendemos todos a lição, ou seja, que a casa sempre ganha.

Quanto às interpretações, destaco a de José Luís Achiam, que com um papel muito maior do que o do ano passado não acusou a responsabilidade, e demonstrou dotes de actor de grande calibre. Bibi Guilherme esteve menos expressivo, com menos protagonismo, enquanto Paula Carion, no papel de Cici, namorada de Pepito, esteve muitos furos abaixo do que é realmente capaz de fazer com outro papel, como o de enfermeira "sexy" de "Côza Dotô".

Quem também merece destaque é Herman Comandante, no papel de Lam Afonso, um fiscal do casino. Dele saíram talvez as maiores "pérolas" da noite (eu era fiscal das OP mas o meu chefe está em Coloane, de férias), e voltou a ter uma excelsa actuação, a que não é alheio o facto de Herman Comandante ser mesmo actor dramático. Um peixe na água, portanto.

O elemento português da peça ficou a cargo de José Costa Santos (correspondente da Lusa) e Armando Coutinho (engenheiro da PAL Asianconsult), este último no papel de jornalista que vem a Macau convencido que não se vai deixar deslumbrar, só para acabar nos braços de uma oriental que conhece no casino. Ambos tiveram desempenhos positivos para papéis que não eram muito interessantes.

Outro aspecto teve a ver com a legendagem; não sei se foi por causa do local onde estava sentado, mas a iluminação em algumas das cenas não dava para ver com precisão as legendas, o que me fez, haja algo de positivo, tentar perceber o doce linguajar maquista. Confesso que nem sempre com muito sucesso, o que no entanto não me impediu de perceber quase tudo.

Os Doçi Papiaçam di Macau continuam, portanto, a somar sucesso atrás de sucesso, e comemoram em Novembro deste ano 15 anos de existência. São quinze anos a tentar manter viva a chama do patuá, a trazer novos talentos, e mais importante do que isso, a entreter o público. Parabéns a Miguel Senna Fernandes e à sua equipa.

3 comentários:

Anónimo disse...

comparada com as peças anteriores, esta não é tão cómica...

Anónimo disse...

de facto cada vez há mais espectadores de maneira que até se torna defícil comprar os bilhetes, mas não quer dizer que a qualidade melhorou...acho que merece uma nota positiva ao Herman Lago Comandante, que fez um óptimo trabalho...

Anónimo disse...

também em determinados momentos não consegui ver a legendagem...de factos a iluminação estava forte de mais