quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Vinte doçis anos


O grupo de teatro Doçi Papiáçam di Macau comemorou esta semana 20 anos de existência, com a apresentação de um espectáculo no Venetian Theatre no Sábado e um jantar na Torre de Macau na quarta-feira. Os meus afazeres profissionais e as limitações em termos de agenda não me permitiram ir ao espectáculo "Dále Más!!!", que foi mais uma vez um grande sucesso. Não tive tempo nem energia para adqurir os bilhetes a tempo, e apesar de me terem oferecido um (simpatia da mãe do Leocardo, a senhora Leocarda), marquei outro compromisso, alheio à coincidência das datas. As datas são um problema quando nos falta o tempo para fazer tudo: cumprir as obrigações, descansar e ainda guardar um bocadinho para o lazer. No entanto não pude recusar o simpático convite que me foi endereçado pelo encenador e figura de proa do grupo, Miguel de Senna Fernandes, para o jantar de ontem, onde tive o privilégio de partilhar da festa dos Doçi, a quem não faltaram os seus elementos, do presente e do passado, amigos e simpatizantes, e aprender um pouco mais sobre este maravilhoso grupo de amadores - "amadores" no sentido de amar. Eles amam o que fazem, e só assim se explica o seu sucesso e longevidade.

O Miguel, fundador do grupo que em Outubro de 1993 se juntou por ocasião da visita do então Presidente da República Mário Soares, convidou-me na condição de "crítico". De facto venho desde 2007 a publicar um "post" sobre a participação do grupo no Festival de Artes, e não perdi um espectáculo desde então, mas não lhe chamaria bem uma "crítica", pois não tenho qualificações para tamanha presunção. É apenas a minha opinião, baseada sobretudo no meu gosto pessoal, com apreciações básicas sobre os aspectos do argumento e da interpretação. Qualquer pessoa podia fazer o mesmo. A minha modesta e despretenciosa análise é feita ainda com base em algo muito importante, que para mim tem um enorme peso: a reacção da plateia. Não há espectáculo dos Doçi em que as pessoas não riam, aplaudam, vibrem ou simplesmente se remetam a um atento silêncio enquanto acompanham o desenrolar do enredo, e em menos que nada o vazio é preenchido por uma explosão de sonoras gargalhadas.

Criticar, ou opinar sobre o trabalho dos Doçi é fácil, ao contrário do que possa parecer. Por cada momento menos feliz há outros que tornam a experiência enriquecedora, e assim torna-se impossível dizer mal. Não digo mal por dizer, ou receando represálias, ou por respeito aos elementos dos grupo que conheço pessoalmente. Como se pode dizer mal quando é evidente o trabalho, o cuidado, a preparação intensiva do espectáculo para que tudo saia bem, a paixão que todos os intervenientes colocam no que fazem, a alegria com que o público retribui? Se qualquer coisa corre menos bem, não é por falta de empenho. É como uma equipa que empata mas fez tudo para ganhar, ou perde mas vende cara a derrota. Às vezes isso tem mais valor do que ganhar sem fazer nada para o merecer. Podemos não gostar deste ou daquele detalhe, desta ou daquela fala, mas certamente há quem não ache que correu assim tão mal, ou até quem goste.

Luís Machado, um dos regulares do grupo, disse durante um dos discursos da prache esta quarta-feira que "há vinte anos nunca pensou estar aqui hoje". E de facto foi apenas graças a muito esforço, muita vontade, muita abnegação e uma grande dose de carolice que os Doçi passaram a fazer parte da montra cultural de Macau, como os guardiões do dialecto maquista, o crioulo local, de que já estamos cansados de saber do que se trata, e ainda bem. E muito graças aos Doçi, que o vão mantendo como grande referência do convívio entre as culturas chinesa e ocidental. Foi comovente assistir ao pequeno "pot-pourri" de imagens de apresentações do passado, e observar como o grupo evoluíu, e adquiriu o carácter de semi-profissionalismo que tem hoje. Foi emocionante recorder alguns dos antigos elementos do grupo, alguns deles que já não estão entre nós, e constatar a renovação pela qual têm passado, trazendo para o palco jovens talentos macaenses, a comunidade local mais geneticamente dotada para o linguajar dos seus ancestrais. E quanto ao futuro? Bem, alguém pensou no futuro há vinte anos quando o grupo começou a dar os primeiros passos? Daqui a outros vinte logo se vê.

Parabéns, Doçi Papiaçam di Macau!

Quem somos, realmente? Parte VIII: divórcio


As mulheres têm por vezes gostos impossíveis de explicar, e ainda chamam a si o monopólio da maturidade. Um homem apaixonado (um estado clínico passageiro com duração e intensidade variáveis) é capaz de cometer os maiores disparates, mas uma mulher apaixonada chega ao ponto de perder por completo a cabeça. Numa relação conjugal em que a mulher assume (ou pensa que assume) as rédeas, torna-se arrogante, mandona, caprichosa, deixa-se engordar e já não é capaz de dirigir a palavra ao marido sem ser aos berros. O marmanjo farta-se e um dia bate com a porta, foge com a vizinha do 3º esquerdo “para o norte” (em Portugal eu vivia no sul e os amantes clandestinos fugiam sempre “para o norte”), e ela fica a chorar baba e ranho, interrogando-se “Porquê???”. Ora, é assim tão difícil de perceber a razão? Só se vive uma vez, e se for para acabar no Inferno, que seja só depois de morrer.

Para as mulheres o fracasso de uma relação é sempre da responsabilidade do homem. Durante uma separação desagradável seguida de um longo processo de divórcio, aquele que era em tempos o seu “príncipe encantando” passa a ser o sapo mais repelente do pântano. Ávidas por atenção da parte dele, inventam doenças para os filhos de ambos, que ficaram a cargo dela (claro, isto serve para o melhor e para o pior), telefonam-lhe “com urgência” pois “as notas da filha baixaram”, o filho mais velho “começou a fumar”, e portanto “precisam de conversar”, queixam-se de despesas que antes não tinham importância, e que o dinheiro que ele dá “não chega”. Depois há sempre uma terceira parte, a que elas se referem como “aquela cabra”. Mesmo que o pobre homem que resolve acabar com um casamento infeliz fique um ano a passar “fominha”, e só então encontra outra companheira para ver se recomeça a vida, aos olhos da mulher esta é “uma cadela, uma aproveitadora”, e se ele resiste às exigências descabidas da ex, “é ela que lhe anda a fazer a cabeça”. Desabafa com as amigas, que lhe dizem sempre que tem razão, mesmo que por dentro estejam a pensar que tudo aquilo são tretas, e ficam a fazer figas para não acabarem numa situação idêntica.

Clube do Terrorismo


As autoridades chinesas assumiram que o incidente na Praça Tiananmen no início da semana se tratou de um "ataque terrorista". Uma novidade, pois é conhecida a inibição do regime por divulgar informação que dê a entender qualquer sinal de fraqueza da sua parte. Foi no início da semana que a icónica praça da capital chinesa ficou em sobressalto com o embate de um automóvel seguido de explosão perto da portão norte, onde está colocada a imagem do fundador da RPC, Mao Zedong. Morreram os três ocupantes da viatura e dois turistas - um chinês e um Filipino - e há ainda a registar 38 feridos. A polícia selou de imediato o local, e as primeiras explicações do sucedido apontavam para a tese de "acidente". As autoridades apressaram-se a investigar, e menos de dez horas depois prenderam vários suspeitos, todos com ligações à comunidade Uighur, da província de Xinjiang. Os Uighur são uma etnia muçulmana que contesta a autoridade de Pequim em Xinjiang, e são frequentes os confrontos entre os locais e as autoridades chinesas. Os ocupantes da viatura, uma carrinha 4x4, eram eles próprios Uigures, e levavam consigo vários objectos, desde facas, bandeiras e slogans politicos, e estariam a pensar levar a cabo um ataque "planeado e premeditado". Um bom pretexto para Pequim intensificar a vigilância sobre os separatistas da província problemática, mas os habitantes de Pequim estão preocupados. O Clube do Terrorismo é um daqueles que ninguém gosta de ser membro.

Matá-los? Todos? Que trabalheira...


O comediante norte-americano Jimmy Kimmel pediu esta semana desculpas por ter sugerido no seu programa que uma forma de resolver o problema da dívida dos Estados Unidos à China seria "matar todos os chineses". Tudo aconteceu no último dia 16, quando no seu "Late Show", Kimmel apresentou um "sketch" onde se sentava à mesa com um grupo de crianças (?) para discutir a dívida norte-americana. Dirigindo-se a um deles, disse "a América deve 1,3 triliões de dólares à China, como lhes podemos pagar", e a criança respondeu "disparar canhões sobre a China e matar todos os chineses". Na China ninguém soube - ou ninguém sabia, mas agora devem ter ficado a saber - da piada, mas os Americanos de ascendência chinesa, os "Chinese-American", estavam atentos, e deixaram à cadeia televisiva ABC, responsável pelo "show" de Kimmel, que não ficaram satisfeitos. Não creio que os norte-americanos de etnia chinesa tenham ficado ofendidos com a sugestão de que "toda a gente na China devia morrer", pois isto não os inclui, mas porque terão cheirado ali o aroma do racismo. Na América há grande problema: programas de humor a mais e sentido de humor a menos. Por um lado qualquer um é comediante, e acham graça a qualquer parvoíce, por outro lado passam tudo pela peneira do racismo, e ai de quem fizer uma piada sobre alguma minoria. O que pensarão disto os chineses na China? Aposto que foram os únicos que se ficaram a rir.

Quem somos, realmente? Parte VII: os infiéis


A infidelidade é uma característica atribuída aos homens como sendo “inata”. Os homens são anatomicamente incapazes de se manterem fiéis, e os que conseguem são “especiais”. Já diziam os antigos que “fiéis são os cães”, portanto os homens que cumprem à risca a monogamia imposta pelo casamento passaram por alguma escola de treino da GNR para pastores alemães. Quero imaginar que sim. Torna-se fisicamente impossível a um homem resistir à diversidade, e adaptar-se à rotina, aguentar a monotonia, a sempre-mesmice da alcofa, onde lhe espera o mesmo triângulo de Vénus de ontem, da semana antes, do mês anterior, do ano passado. Se o pénis falasse (isso ia ser giro) dizia “então só isto? não há mais nada?”. O irmãozinho do meio anda sempre a pedir para ir ao “buffet”.

Perguntem a um homem casado com a mesma mulher há 20 anos se gostaria passar um fim-de-semana na Ilha da Pouca-Vergonha, onde as lindas e jovens nativas, de seios redondinhos, pele macia e cintura estreita pulam todas nuas como pipocas à espera que lhes deitem o caramelo em cima. Ele dizia que não? Bem, também há ilhas com papuanos altos, fortes, viris e bem equipados, se for esse o problema. Cada um entende por “variedade” aquilo que quiser.

No caso das mulheres a infidelidade é uma arma de destruição maçiça. Se para os homens é uma granada, para elas é uma bomba de neutrões. A mulher traída é apenas uma “coitada”, enquanto um homem leva com os nomes mais humilhantes, como “cornudo”, e diz-se dele que “a mulher lhe enfeitou a testa”. Um indivíduo mulherengo e putanheiro passa completamente despercebido na sua comunidade, mas se a mulher ousa trai-lo uma vez que seja, é apontado na rua e rebaixado ao estatuto de pateta, falhado, ou paspalho. Pode ter enganado a mulher centenas de vezes, com a irmã dela e com a melhor amiga, com as colegas do clube de yoga, com as amigas de infância, com a vizinha do lado ou com a empregada. Ela dá uma rapidinha com o carteiro encostada à porta do prédio, é o cheque-mate. Sua infeliz, como foste capaz! Divórcio, já!

E porque dão as mulheres facadinhas no matrimónio? Por três razões principais: 1) por vingança (sempre no topo, esta razão), 2) porque são fracas e sentem-se sozinhas e 3) porque “precisam”. Ora a primeira foi o contributo de Satanás na criação da mulher. Quando Deus fez Eva, não tinha maioria absoluta no Parlamento da Genesis, e precisou dos votos da bancada do Inferno, que lhe mandou uns “deputados”: a inveja, a vaidade, e “voilà!”, a vingançazinha feminina. “Com que então andaste metido com a gaja dos queijos lá no supermercado, ah? Agora vou roçar-me no teu chefe para veres como elas mordem”.

A segunda razão prende-se com a falência da própria relação, ou quando as distâncias se impõem. Um gajo que nunca pára em casa arrisca-se a chegar um dia e ter lá “outro parvo no seu lugar”, como dizia a canção dos Sitiados. Maridos que estão fora do país, que emigraram, que se ausentam em trabalho durante longos períodos, são jogadores de futebol e dá para saber pela televisão que estão a jogar a centenas de quilómetros da traição, tudo isso. Depois desculpam-se com “estava sozinha...tinha medo dos ladrões”. Comprar um cão está completamente fora de questão, portanto.

Finalmente a terceira razão, que será a mais embaraçosa para o marido traído, mas que também deixa a mulher infiel ficar mal na fotografia. O casal começa a ter relações com menos frequência, ora por desinteresse, por cansaço, devido ao “stress” ou simplesmente porque a chama da paixão se vai apagando, resumindo, deixa de haver “fruta” na cama. As mulheres alegam que precisam de quem lhes trate da horta, e como o jardineiro oficial tem pecado por ausência, toca a chamar os bombeiros. O homem é visto como um frouxo, e a mulher uma tarada, uma ninfomaníaca. E não se pense que isso da ninfomaníaca é um mito. Há mulheres que exigem uma revisão completa diária, e em alguns casos duas ou três vezes por dia. Caso o parceiro não cumpra os requisitos, chama a selecção nacional de futebol dos Camarões para terminar o serviço, com técnicos, roupeiros e massagistas incluídos, e ainda dá um viagra a cada um. Muito cuidado com isto na hora de casar, homens. Antes da viagem, atestem a autonomia de vôo do aparelho.

Mas para quê complicar, senhoras? Os homens são infiéis apenas porque sim, não é por maldade. A culpa é das hormonas, da herança genética. São os vestígios que ainda resistem dos nossos antepassados paleolíticos, que arrastavam pelos cabelos a primeira fêmea que encontravam. Não (n)os levem a mal, mas um homem que comete uma infidelidade não é a mesma coisa que uma mulher adúltera. Uma chave que abre qualquer fechadura é uma chave-mestra, enquanto a fechadura que abre com qualquer chave...não presta. Por isso certifique-se da segurança da sua fechadura, e evite dissabores.

Chuva de golos em Madrid


Real Madrid 7-3 Sevilla (All Goals) 30.10... by ourmatch
Um dia depois dos comentários infelizes do presidente da FIFA, C. Ronaldo respondeu a Joseph Blatter da melhor forma que sabe: com golos! O português fez mais um "hat-trick" na goleada do Real Madrid por 7-3 (!) frente ao Sevilha. Uma chuva de golos no Bernabéu que deu para tudo, até para os visitants falharem uma grande penalidade. O gales Gareth Bale, a transferência mais cara de sempre, e o francês Karim Benzema marcaram dois cada, completando a "manilha" merengue. O Barcelona por seu turno foi a Vigo vencer o Celta local por 3-0 na terça-feira, com golos de Alexis Sanchez, Fabregas e Yoel na própria baliza. Os catalães lideram com 31 pontos, mais quatro que o Atletico de Madrid, que só actualiza o calendário hoje com uma visita a Granada, e mais seis que o Real Madrid.

quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Quem somos, realmente? Parte VI: rebeldia


O pior cego é aquele que não quer ver, certo? E isto aplica-se a algumas mulheres mas em dose tripla: não querem ver, ouvir nem pensar. São “zombies”. Falo obviamente das mulheres que se envolvem com o pior tipo de crápulas, vigaristas, traficantes, drogados, desempregados crónicos ou “artistas” insolventes. A família, os amigos, os vizinhos, o sô Carlos da mercearia, a velha que dá pão aos patos no jardim, todos, mas todos lhe dizem que fulano é mau tipo, que a vai levar por maus caminhos, que é má rês, enfim, um tipo onde nem as moscas se atrevem a pousar. Ela diz-lhes que não, que tipo é o máximo, um incompreendido, coitadinho, uma “vítima” da hepatite C e do sistema, que o encarcerou três vezes até aos 17 anos, uma fera ferida, um grande coração, super-carinhoso.

Ao mesmo tempo há sempre um betinho qualquer, que se chama normalmente Bernardo, que tira notas espectaculares, veste-se bem, toma banho, penteia-se e lava os dentes, que até gosta dela, mas é olhado como um conformista, um escravo do sistema, enquanto o marginal com quem ela anda é “um rebelde”, e o que ela procura é “emoções”, portanto quer “viver aventuras”. Agora vou parar porque estou prestes a vomitar...

(Pausa de 5 minutos para beber uma Água das Pedras)

Pronto, já está. Assim, enquanto o Bernardo lhe oferece uma prenda nos anos, data que prepara com antecipação, o seu “selvagem” anda desaparecido há um mês, “à procura da verdadeira identidade” – diz ela. Era melhor que procurasse antes um emprego.

O Bernardo leva-a à gelataria depois das aulas e ajuda-a nos trabalhos de casa, o outro vai buscá-lo na Zundap roubada às duas da matina, para lhe dar uma queca antes do chuto, e ela pula da janela do quarto e vai com ele. Depois amam-se loucamente no colchão impregnado de bedum, estendido na retrete da casa de campo da avó. A seguir lavam-se com água da sanita. O pai de Bernardo é médico e a mãe professora, e amiúde convidam a miúda para jantar lá em casa, rodeada de sofisticação e bom gosto. Qualquer dia manda o namorado ir lá roubar as pratas. O seu “herói” não sabe quem é o pai, a mãe é alcoólica/drogada/prostituta, as três coisas, está presa/em desintoxicação/morta. A tal avó com quem vive, uma pobre viúva de 80 anos curta de vistas e dura de ouvido, sofre quando o neto lhe rouba a reforma para comprar cavalo, e depende da caridade dos vizinhos para suportar as despesas com comida e medicamentos.

Bernardo demonstra timidamente o seu afecto, e sempre que se aproxima para ver se sai pelo menos um beijo que o recompense pelo esforço (eu não beijava aquilo, se fosse o Bernardo), ela faz-lhe uma festinha e diz-lhes “és tão querido...a mulher que te escolher vai ser muito feliz...mas eu amo o Zé Chunga, é o homem da minha vida...”. O amigo sente-se meio apaneleirado por ser tão bonzinho, baixa a cabeça e diz “Compreendo...só quero que sejas feliz”. O que ele quer dizer mesmo é “sua puta ingrata e parvinha, que te dê uma herpes vaginal tão grande que até te crescem cogumelos na rata”. Mas o Bernardo “é um bom amigo”, coitadinho. Quer estudar, trabalhar, pagar as contas e ser uma pessoa decente. “É tão fofinho, mas tão parvinho”, pensa ela.

Este Zé Chunga, que podia ser um Paulo Macaco, um Chico Chinoca ou outro desses nomes tão bairristas, anda por aí atrás de meninas-bem, de boas famílias, e oferece-lhes um pouco de adrenalina, depois outro tanto de cocaína, e tudo o que elas precisam é apenas de lhe dar a vagina. Algumas destas jovens até nem são assim tão burras, e sabem distinguir o bem do mal, mas quando se apaixonam por tipos destes ficam hipnotizadas, atordoadas com o cheiro a chulé e o hálito a cebola. Entram na transe da chungaria. Quando não acabam mal, um dia endireitam-se, casam com um tipo banal como elas, têm filhos, fazem o círculo completo do berço à cova, sem nada a declarar. Arrependem-se, mas mesmo assim recordam esses tempos com alguma nostalgia. As estúpidas. Entretanto o Bernando abandonou qualquer esperança em encontrar uma mulher como ela. Actualmente é médico, como o pai, e vive numa mansão em parceria doméstica com o Rodolfo, que é arquitecto.

Tão pequeninos, coitadinhos


Da leitura da imprensa de hoje, chamou-me a atenção este artigo do JTM, da autoria do Prof. Luiz Oliveira Dias, subordinado ao tema da toxicodependência, que como se sabe foi discutido em Macau na semana passada com a presença da ex-ministra da saúde de Portugal, Maria de Belem Roseira. O Prof. Oliveira Dias é uma pessoa que muito estimo, foi meu professor, e admiro a sua tenacidade e sobriedade, apesar da idade avançada que já leva. No entanto, e tal como lhe reconheço o direito a expressar a sua opinião, sinto-me eu próprio no direito de discordar, e até denunciar a aproximação simplista e redutora que faz a uma tema tão sensível como o consumo de estupefacientes. Não discordo de tudo o que ele diz, mas há alguns pontos em que o estimado professor e colunista relativiza o tema com uma grave ligeireza. A ver:

"Ora, a meu ver, drogas leves é coisa que não existe pois são o caminho mais directo e mais rápido para as pesadas. Só depende da esperteza do vendedor pois, como se sabe, 85% dos que as experimentam, ficam agarrados à 3ª ou 4ª doses. Digo-o porque, infelizmente o sei pois que, durante uma dezena de anos, tentei ajudar alguém que me era e sempre será muito querido a carregar a sua cruz até ao Gólgota da crucifixação por uma overdose de heroína. E tudo começara poucos anos atrás com uns simples “charritos” dessas tais “leves” tão assassinas como as outras."

Existe uma ideia errada que a designação de "drogas leves" foi cunhada por algum grupo de "amigos da passa" que queriam ver o seu hábito reconhecido e assim apanharem mocas tão grandes que até se esqueciam do próprio nome sem ter a polícia à perna. Nada disso. Existem drogas leves e pesadas da mesma forma que existem bebidas alcoólicas com mais ou menos álcool, refrigerantes com mais açucar e outros "light", conservas com mais ou menos conservantes ou azeite com maior ou menor acidez. As substâncias ilícitas estão tabeladas - mesmo para fins judiciais - conforme o grau de dependência e quanto aos efeitos que provoca no consumidor a curto e médio prazo. Existem drogas que provocam dependência psicológica, e outras que provocam dependência física. As primeiras, onde se inclui a "cannabis" (os "charritos" de que o professor fala) podem provocar no seu consumidor o desejo de a tomar diariamente, mas não o levam a entrar em desespero ou a cometer crimes se não tiver acesso a ela. No máximo fica deprimido, só isso. As drogas pesadas, como a heroína ou a cocaína, provocam dependência física, e a desabituação destas substâncias provocam dores, suores frios, um mal estar geral e um calvário de horrores ao seu utilizador.

Posto isto, é errado considerar que todas as drogas "são a mesma coisa". Não são, e produzir esta afirmação é não estar a levar as coisas a sério, mas infelizmente há muita gente que também pensa assim. São todas más, devemos ficar afastados delas e tudo mais, dou-lhe isso, mas há umas piores que outras. Nem toda a gente que se inicia na "cannabis" acaba por exprimentar heroína. Essa teoria da "gateway drug", de que o utilizador de uma droga menos forte acaba por criar uma habituação tal que mais tarde procura outra droga pior, carece de fundamentação científica. É conversa de café, é "ouvi-dizer". Muito boa gente - alguma gente distinta até - fuma ou fumou "charritos" e nunca ficou "agarrado". Essa de ficar viciado "à 3ª ou 4ª dose" (!) só pode ser produto de desinformação gritante, com toda a certeza.

Como disse, tudo começara anos atrás, com os do seu grupo da Linha (onde morava com a mãe) a fumarem uns “charritos inocentes” das tais drogas leves, como muitos teimam em chamar-lhes. Um dia, quando já estavam bastante apanhados pelo vício, o bandido que lhes vendia a morte – que mais tarde encontrei e a quem esmurrei o focinho ignóbil – anunciou-lhe que o “produto” tinha acabado porque a Polícia o confiscara todo; mas que tinha outras coisas e até melhores – heroína, cocaína, ice, lsd, ketamina, anfetaminas – era só escolherem. Recusaram assustados pois que, além de muito caras, toda a gente sabia que faziam tão mal que até podiam matar. Tanto insistiu, porém – que isso eram histórias dos pais e dos mais velhos, que muito piores eram o álcool que bebiam e os cigarros que fumavam, que até lhes daria a primeira dose…que acabaram por render-se.

Uma coisa que me deixa com curiosidade nesta passagem é o pós-modernismo do traficante que o Prof. Oliveira Dias descreve. Conta-nos um caso ocorrido num tempo que suponho situar-se algures nos anos 80, ou até nos anos 70, mas o "anjo da morte" em questão tem "ice" e "ketamina", drogas cujo uso recreativo é relativamente recente. O distinto professor devia estar apenas a ilustrar o caso nomeando todas as drogas que conhece. Adiante que se faz tarde. Existe a ideia de que o vício é da exclusiva responsabilidade do traficante. Nada mais errado. Um traficante não consegue vender o que seja a alguém que não esteja interessado em comprar. Se com aquela retórica que se lê acima o tipo conseguiu vender o seu produto, então os jovens que o Prof. Oliveira Dias refere são parvinhos. Ele que me desculpe. Um traficante ou um passador não tem desculpa, é um criminoso, mas quem lhe compra droga é normalmente quem a procura.

Cheguei a defender publicamente – e assim continuo a pensar – que, enquanto o seu consumo não for descriminalizado (dizem que, em Macau, ainda tem “um longo caminho a percorrer”, se calhar como o da classificação da violência doméstica como crime público e as eleições directas…), enquanto se não vai ao fundo das razões do problema, os tribunais deveriam considerar esses desgraçados em estado de inimputabilidade transitória sempre que em fase de carência aguda ou sob o efeito de estupefacientes; e, portanto, em lugar de os mandarem apodrecer na cadeia, lhes propusessem o internamento em instituições especializadas. Assim haja vagas em número bastante o que, em Macau, inexplicavelmente continua a não acontecer.

Concordo com descriminalização do consumo sim, e vou até mais longe: todas as drogas deviam ser liberalizadas, quer as leves, quer as pesadas. Só tornando as drogas menos lucrativas a quem as disponibiliza no mercado faz com que deixem de ser produzidas, pois deixa de valer a pena. Enquanto isso não acontece, há barões que enriquecem vendendo por 1000 o que lhes custou 10 a fazer, e quem vai preso são os pequenos traficantes, que são usados por eles, e os toxicodependentes, que são as grandes vítimas. Mas como é que o sr. prof. sugere que se trata um jovem que fume uns "charritos", em vez de o mandar para a prisão? "Internamento em instituições especializadas?". Quer dizer, amarra-se ele a uma cama e administra-se-lhe metadona até que ele deixe de ser "um desgraçado" e volte à sua forma humana?

Quem somos, realmente? Parte V: o bebé


É sempre uma festa quando está para chegar um bebé. Ai o bebé, vem aí o bebé, vamos encher o bebé de beijinhos e de miminhos, mas primeiro vamos esperar que cortem o cordão umbilical e lhe dêem um banho. Quando uma mulher anuncia que está de esperanças, e essa gravidez foi gerada de forma convencional – ficam de fora as violações, o sexo casual com desconhecidos ou a prostituição sem protecção – ficam todos encantados. A situação ideal: um par de recém-casados na casa dos vinte anos anuncia à família e aos amigos que está a caminho mais um sócio deste clube de gente bonita. Ouve-se um “ohhhh” em uníssono, e olham todos uns para os outros com um sorriso ternurento, e depois batem palmas. Todos pensam no momento em que o bebé vai nascer, e lhe vão comprar roupinha, brinquedinhos, um carrinho, um monte de inhos. Ninguém se lembra que para isto acontecer foi necessário uma sessão de esfolanço, de sexo puro e duro e “hardcore”, finalizada com um tiro certeiro nos ovários da rapariga. Nada disso, pois o sexo é uma coisa suja, e para fazer bebés utiliza-se um outro processo. O papá e a mamã gostam muito um do outro, e o papá põe uma semente na barriguinha da mamã, e assim nasce o menino. Palavras como “canzana”, para não escolher outra mais ordinária, ficam excluídas da origem deste bebé. Há sempre um amigo mais atrevido, o engraçadinho deste grupo de gente ainda manda uma boca ao futuro pai: “sim senhor, ah, seu malandreco”. O noivo pede discrição, “psst...que estão aí os pais dela”, mas uma tia solteirona que escutava remata: “o senhor está mas é bêbado”, ao que o amigo responde: “cala a boca, pêga”. Estes são detalhes sem importância. O que interessa mesmo é o bebé.

Depois de alguns meses e umas tantas horas de dor lacinante da mãe, cuja vagina dilata umas dez vezes o tamanho original, eis o bebé. A primeira imagem do bebé é a de uma criatura frágil, indefesa, irracional, tremenda e hedionda. Borrado de sangue e de ranhoca, vem ao mundo aos berros exibindo a boca desdentada. É lavado e algures a meio deste filme pára de chorar, e ainda um bocado atordoado com tudo o que lhe aconteceu, a primeira coisa em que pensa é nas mamas da mãe. Espectacular. A espécie humana produziu uma criatura semelhante ao porco e ao vitelo, com este último a ter a vantagem de se aguentar de pé pouco depois de vir ao mundo. Não surpreende que nenhum de nós se lembre desta experiência traumática que foi o parto. Foi tão doloroso, embaraçoso e humilhante que a nossa memória o reprimiu. Aqueles pais que filmam o parto – uma situação delicada para a mãe, que depois vai ter um monte de gente a olhar para a sua vulva escancarada quando mostrarem o vídeo aos amigos – deviam era ter vergonha na cara. Fiquem lá fora à espera e fumem 50 cigarros em duas horas, como toda a gente.

Passados poucos dias todos ficam a conhecer o bebé, logo que são publicadas as primeiras fotografias: família próxima, parentes afastados, primos em terceiro grau, amigos do casal e dos avós, amigos dos amigos, colegas dos amigos, primos dos amigos dos colegas, esquimós do Alasca, toda a gente. É o milagre do nascimento de mãos dadas com o milagre do Facebook. Perante a primeira imagem do bebé, aqueles que conhecem os pais opinam sobre com quem é ele parecido. Há quem opte pela simplicidade, e diga que se parece com a mãe ou com o pai – evidente, e seria de estranhar se fosse parecido com o carteiro. Alguns mais observadores encontram semelhanças com o avô, o primo ou o tio, enquanto outros criam um verdadeiro monstro Frankenstein: os olhos da mãe, o nariz do pai, as orelhas do avô, a testa do tio, etc. etc. Pois bem, esta gente não sabe o que diz. Nos primeiros meses de idade os bebés são todos a mesma coisa; quem viu um, viu todos. Claro que alguns são brancos, outros loiros, pretos, asiáticos, com mais ou menos cabelo, mas o rosto é de elefante marinho. Não há recém-nascidos bonitos. Existia o concurso para “Bebé do mês”, mas ninguém imagina um “Recém-nascido do mês”. Seria como um filme de terror.

Todos fomos bebés um dia, só que não nos lembramos. A minha memória mais antiga reporta-se aos 3 anos de idade, mas isto apenas porque sou um génio, mas a maior parte das pessoas não se recorda de nada antes dos 5 ou 6 anos. Os pais, tios, irmãos mais velhos e vizinhas coscovilheiras contam-nos episódios que nos aconteceram quando tinhamos um ou dois anos de idade, e nós sorrimos, agradecidos por nos terem contado que um dia fomos parar ao hospital de urgência porque engolimos um lápis, ou que nos soltámos da fralda e os pais depararam connosco a pintar as paredes do quarto de fezes. Encantamo-nos cada vez que fazemos anos e os pais mostram aos convidados os filmes que fizeram quando tinhamos a inteligência de um cocker spaniel – ou menos do que isso. Se um dia aspirarmos à Presidência da República, quem vai votar em nós quando existem provas de que arrastávamos o gato pela casa toda preso pela cauda?

Ser bebé é ser complicado, é como ser velho, mas ao contrário. São ambos indefesos e vulneráveis, ninguém entende nada do que dizem, regozijam-se quando conseguem andar sozinhos sem o apoio de um suporte, babam-se e usam fralda. A única diferença é que uns estão apenas a começar, e outros estão no fim da linha. São a antítese um do outro, mas recordam-nos que um dia voltámos ao mesmo ponto de onde partimos, e ficamos sem entender bem qual foi o propósito de tudo o que aconteceu pelo meio.

PS: Quem não acredita que foi bebé em tempos, e quer saber quando isto aconteceu, existe um teste que nunca falha. Subtraía a sua idade actual pelo número imediatamente inferior, e descobre com que idade este facto fascinante ocorreu. Se quiser saber o período exacto, tenha como referência a sua data de nascimento: são os 24 meses seguintes. Viu como é fácil?


O meu nome é rato...sr. rato



I

Segunda-feira, fim da tarde. Chegado a casa depois de mais um dia cansativo, só tenho tempo de mudar novamente de roupa e sair. Mais um daqueles jantares a que não me apetecia nada ir, mas a preguiça para fabricar uma desculpa consistente era ainda maior. Volto depois das 10, actualizo o blogue, e penso em mais dois ou três artigos que poderia encaixar, mas o corpo pesa, os olhos ardem e as pernas pedem para ser esticadas. Resolvo deitar-me um pouco na cama para ver se isso passa, e deixo a luz da sala e a TV ligadas. Fecho os olhos, julgava que por apenas alguns instantes, e sou acordado pelo som do telemóvel. Deixo sempre o aparelho no modo silencioso quando estou em casa, especialmente se for dormir, mas desta feita estava ligado ao carregador em cima da bancada de madeira no quarto, e a vibração produziu um som semelhante à de um pica-pau. Entre dois mundos, o de cá e o do João Pestana, ignorei, pois as pernas pediam para ficar e a cabeça tinha encontrado o encaixe perfeito com o travesseiro. Menos de dois minutos depois, outra vez a mesma chamada. Desta vez recuperei a consciência, juntei as poucas forças que tinha para me levantar, e quando finalmente me decidi a fazê-lo já a chamada se tinha perdido. Fui ver quem me ligou e se valia a pena ligar de volta, e entre as duas chamadas perdidas estava ainda uma mensagem, todas da mesma pessoa. Era a minha amiga Joan, moça filipina, uma extrovertida sempre cheia de pica que me visita uma vez por semana vem, semana vai. Na mensagem lia-se: "vou para Hong Kong de manhã, estou aí daqui a cinco minutos". Isto é o que se chama ser curto e grosso. Chega daqui a cinco minutos? Ora por quem sois, podeis vir à vontade ó sua alteza real. Saio do quarto e enfio o par de "jeans" que tinha deixado atiradas no sofá, e já libertado da letargia do sono, ocorre-me o seguinte raciocínio: "Que horas são?". Com a pressa de ler a mensagem no telemóvel nem tinha reparado nas horas, mas a julgar pelo tempo que dormi deviam ser uma da manhã, uma e meia no máximo. Aproximo-me do computador e descubro que afinal são 4:20! Só mesmo a Joan, essa desocupada, para fazer uma visita a alguém num dia de semana às quatro da madrugada.

II

Tinha-me dito cinco minutos, e ao contrário de outros encontros onde chega uma hora atrasada, desta vez foi pontual, e mal me tinha inteirado da hora, oiço uma batida forte na porta. Sobressaltado, desci as escadas e abri a porta, preparado para recordá-la que são quatro e meia da matina, há gente ainda a dormir no Pátio onde moro, e aquilo não era o portão da quinta. Dou com ela a ouvir música no seu iPod, volume no máximo, e sem me olhar na cara entra e sobe as escadas atrás de mim. Tira os "headphones", cumprimenta-me, sempre irradiando alegria, olhos vivos e bem abertos, sejam ela duas da tarde ou cinco da manhã. Comecei por lhe lembrar que era terça-feira, e que daqui a poucas horas ia trabalhar. Pegando nas minhas meias-palavras, respondeu do alto da sua arrogância de filipina de vinte e poucos anos nascida em Macau e portadora do BIR que para ela "é sempre Domingo", e riu-se. Disse-me que ia apanhar o "jetfoil" das oito e pediu-me se podia recarregar o telemóvel e o iPod, e trocar dois dedos de conversa enquanto fazia tempo. "Claro que sim" - retorqui - "não se perde nada, a não ser o meu precioso sono, de que vou precisar para me aguentar de pé até às seis da tarde". Perguntou-me como vai a vida, se tinha alguma novidade, e foi então que lhe falei do sr. rato, que seria o que de mais emocionante me aconteceu nas últimas 48 horas antes da sua visita. A sua reacção deixou-me deveras surpresa: "Tens aí um rato? Que fixe! Onde é que ele está?". Boa pergunta, e isso também gostaria eu de saber, mas prometi-lhe que se encontrasse o seu esconderijo, chamava-a para vir cá buscá-lo. Mudámos de assunto, mas enquanto punhamos a conversa em dia, Joan ia respondendo aos SMS. A certa altura pede-me desculpa pela interrupção e faz uma chamada. Não estava a prestar muita atenção ao telefonema, mas o pouco que entendo de tagalog era suficiente para perceber que estava a dar instruções de como chegar à minha casa. Perguntei-lhe quem vinha aí, e de como não gosto que leve desconhecidos até à minha residência, mas com o ar mais descontraído do mundo disse-me que "é apenas uma amiga, deixa lá". Amiga, com "a"? Nesse caso tudo bem. Há alguns meses visitou-me e trouxe consigo um indivíduo tailandês com um aspecto asqueroso, que me levou a expressar a minha reprovação à sua frente e tudo. Mas uma amiga não faz mal. Nunca são demais, as amigas.

III

Pouco depois disse-me que ia buscar a amiga, com quem ia depois para Hong Kong. Disse-lhe para manter a porta da rua encostada, para não me obrigar a descer novamente, e antes que pudesse compôr a casa de modo a disfarçar o meu desleixo de homem só, eis que subiam a escada, e Joan apresentava-me a amiga, uma tal Joy. Não era nenhuma miss Filipinas, que por acaso agora também é miss Universo, longe disso, mas era "simpática". Uma figura tão banal que tenho receio de quando a vir na rua não a reconhecer. Como ainda iam ficar pelo menos mais uma hora, convidei-a a sentar-se - Joan por seu lado não precisa que lhe diga, a mimada malucona. Servi umas bebidas, e sentei-me na cadeira em frente ao computador, de costas para a entrada, e em frente às minhas convidadas, sentadas no cadeirão da sala. Demos início à sessão de conversa fiada, que como sempre passa por me perguntarem quanto pago por mês de renda, patati, patatá, e a certo ponto Joy distrai-se com algo que vê junto às escadas, perto da saída. De olhos bem abertos e sorriso rasgado, exclama com entusiasmo: "Que giro! É teu?". Um nanosegundo foi quanto bastou para formular e responder à pergunta que se impunha: o que é "giro" e "meu" e não estava ali antes quando Joy chegou? Virei-me e confirmei com os olhos o que o meu subconsciente já sabia. Era o sr. rato, ali, no topo da escadaria a olhar para nós. Estranhei não se ter posto de imediato em fuga, como acontece sempre que alguém estabelece com ele contacto visual. Levantei-me e aproximei-me dele - pela primeira vez estávamos a menos de meio-metro de distância um do outro. Continuou a olhar para mim, sereno, mexendo o focinho como se me estivesse a farejar. Tivesse ali ali comigo um objecto pesado e contundente e fazia dele "minchi" de rato. Perante a sua indiferença abri os braços e vociferei."Então? Não vais fugir?". Virou as costas e desceu o primeiro degrau muito devagar. De seguida voltou-se e olhou para mim, como quem pede para ficar e juntar-se à festa. Permaneci ali até ter a certeza que ele ia embora, e já agora para ver por onde saía. Foi descendo vagarosamente, degrau a degrau, demorando-se para cheirar cada um deles, e desisti. Fosse por onde fosse que ela saía, encontrava um jeito de entrar por outro buraco. Voltei às minhas convidadas, e Joy disse-me que "tinha um rato engraçado". Joan divertia-se com o meu ar apreensivo e tranquilizava-me "é apenas um rato...". Engraçada esta simpatia dos filipinos com os ratos, que para nós são considerados uma praga. Talvez sendo aquele país composto maioritariamente de vegetação, com campo a perder de vista, olham para o rato da mesma forma que olhamos para um esquilo. Pelo menos não subiram nas cadeiras a dar gritinhos histéricos enquanto seguravam as bordas das calças quando viram o sr. rato. Para entrar em pânico já estou cá eu.

IV

Deixaram-me por volta das sete, desejei-lhes boa viagem, e que tenham juizinho. Era tarde para voltar a dormir e cedo para ir trabalhar, por isso resolvi tomar um pequeno-almoço demorado, um duche e escrever umas linhas, e ia pensando no meu encontro com o sr. rato, do nosso "tête-a-tête". Foi a primeira vez que tive a oportunidade de o ver de perto, e olhá-lo do focinho à cauda. Fiquei aliviado por ter confirmado que se trata de um rato comum e não de uma nociva ratazana. É um pouco maior do que eu julgava, mas longe do tamanho daquelas criaturas imundas que habitam os esgotos, que emergem para espalhar epidemias e devorar bebés e galinhas. Tem o pêlo castanho escuro, não demasiado escuro, assemelhando-se à côr do chocolate de leite, e os olhos igualmente castanhos e pequenos, enquanto as ratazanas são normalmente pretas e viscosas, com olhos negros como o breu ou vermelhos da tez do demónio. A cauda, santo Deus, a cauda, essa é que me causa arrepios. É a componente mais infeliz da anatomia do bichinho. No sei o que estava o sr. rato a pensar quando olhava para mim. Talvez tivesse o mesmo propósito de se certificar até que ponto seria eu uma ameaça. Se calhar julgava que o podia devorar, que era um furão ou uma raposa tamanho-família. A sua expressão não indicava medo, a sua postura não era defensiva, e muito menos se preparava para a eventualidade de se precisar defender de alguma investida da minha parte. Era com curiosidade que o sr. rato me contemplava. Era como se apresentasse: "sou eu quem procuras, ó humano". Pelo menos espero que sim, e que não estivesse apenas a observar que parte de mim ia morder primeiro quando eu for dormir. Deixei-lhe o arroz num pratinho junto à caixa, onde todas as noites tenta chegar ao "tesouro". Estou a pensar se devo depois passar à segunda parte do plano e envenená-lo. Será mesmo necessário? Passaram-se quase 48 horas desde o nosso encontro, e o sr. rato não apareceu mais, e o arroz permanence intacto. Começo a pensar que se veio despedir de mim nesse dia. Era o ideal, pelo menos para mim. Mas duvido e faço pouco. Suspeito que muito em breve vou ter mais um encontro com o sr. rato.

Blatter, o palhaço


O suíço Joseph Blatter teve um comportamento muito inapropriado para quem é presidente da FIFA, o orgão máximo do futebol mundial. Falando para uma plateia de estudantes e outras personalidades na Universidade de Oxford, Blatter comparou os dois melhores jogadores da actualidade, Lionel Messi e Cristiano Ronaldo, a que sempre se referiu como "o outro". De Messi disse que era um grande jogador e uma óptima pessoa, enfim, sou faltou dizer que se alguma vez o argentino tivesse vontade de lhe papar o rabiosque era só dizer. De Ronaldo, ou "o outro", que "é um comandante", ao que se seguiu uma mímica e uns grunhidos inexplicáveis, e que "gasta muito dinheiro no cabeleireiro". Isto só pode mesmo ser inveja de careca, coitado. A audiência riu-se, e para lhes dar o benefício da dúvida, ter-se-á rido da figura de palhaço do presidente da FIFA, e não do que ele pensa do jogador português. Ronaldo reagiu com alguma indiferença, dizendo que "isto só vem confirmar o que já se sabia", e que existe uma campanha de endeusamento de Messi e outra contra ele. Os presidentes do Real Madrid e da Federação Portuguesa de Futebol, dirigentes das equipas por onde C. Ronaldo alinha a nível de clubes e de selecções repudiaram as macacadas de Blatter, e este já apresentou um pedido de desculpas. Opps, desculpem lá isso, é que ontem tinha-me esquecido de tomar a medicação. Acontece aos melhores, e aos piores ele também, como no seu caso.

terça-feira, 29 de outubro de 2013

Quem somos, realmente? Parte IV: o avô


A figura do avô é querida a todas as crianças, adolescentes e jovens adultos. Tive pena de ter perdido os meus avôs muito cedo; o materno faleceu tinha eu 3 anos, e o paterno aos 10. Eram os dois consideravelmente jovens para “avôs”. O primeiro não tinha sequer 50 anos, e ao segundo teria 62 ou 63, não sei ao certo. Não chegaram nem à idade estabelecida para definir aquilo que se chama de “terceira idade”, uma fase da existência em que os transportes públicos passam a ser gratuitos, os documentos vitalícios, e ninguém nos leva a sério. É o Inverno da vida. E os meus avôs nem sequer lá chegaram. Deixaram-ne no Outono. É um facto da vida que nos custa a aceitar, não ter aprendido mais com o avô.

Crescendo sem avôs, não me restou senão o posto de mero observador dos avôs dos outros, os meus amigos e colegas. Quando queria ver e ouvir um avô de carne e osso, “cravava” uma visita a casa de um neto da minha confiança, que se dispunha a fazer de guia turístico. Recordo-me de uma visita a casa de um amigo que vivia com o avô, um senhor já bem entrado na casa dos setenta, e a caminho dos 80. O velhote, simpático e ávido de atenção, falava pelos cotovelos, com a conversa a ir em todas as direcções a alta velocidade, e nem sempre fazia sentido. Foi interessante observar a técnica de domínio do avô da parte do neto. Enquanto jogávamos no Commodore Amiga, o velho botava faladura a um ritmo que parecia que morria se parasse por dois segundos. O meu amigo mantinha os olhos no jogo enquanto respondia com monossíbalos, concordava com tudo, e dava uma risadinha na hora certa. Parecia que estava a ouvir tudo o que avô dizia, e nem sequer se aborrecia com a cacofonia do velho.

A paciência do neto com o avô é retribuída com protecção. Quando o pai do neto lhe dá um raspanete, entra em acção o avô, que se apressa a recordar como ele “era ainda pior” e entretém o resto da família com as tropelias do filho. Os netos mais crescidos e vivaços aproveitam a embalagem, e entiçam o avô: “Ah sim, avô? Enfiou a cara do pai num monte de esterco e depois fez o quê”. O pai, entre dois fogos, suporta a humilhação dos filhos por respeito ao seu pai, que lhe deu uma educação “à antiga”. Os netos adoram as histórias do avô, especialmente porque são tão paradoxais para o tempo actual que dariam um conto de ficção científica. Qual é o neto hoje em dia que não gosta de saber o que se fazia ao Domingo à tarde em 1955? E falam de como os seus pais sofriam nas mãos dele. Vingança, doce vingança.

À medida que o avô vai envelhecendo e a sua massa encefálica adquire a consistência de uma esponja fofinha, vai-lhe começando a faltar a noção do tempo e da realidade, vai sentindo o tapete a fugir-lhe dos pés, e então fala, fala, fala que nunca mais acaba, para que todos fiquem a saber que ainda está vivo e ainda sabe o que diz. O pior é que não sabe. Os mais novos evitam-no sempre que podem, inventam compromissos para encurtar as visitas, arranjam desculpas para não aparecerem durante meses a fio, e isto quando não o internam num asilo, um final triste para quem tanto se esforçou para se manter à tona, mas que o pedregulho da demência arrastou para o fundo. Um avô não pode ir para o asilo, minha gente. E não digam que “ali dão-lhe os cuidados especiais de que ele necessita e não temos a capacidade de lhe dar”. Não sejam aldrabões, pá. Se isso fosse verdade iam pelo menos visitá-lo mais vezes por ano do que apenas no Natal e no seu aniversário – e isto quando se lembram da data. E quais cuidados? Ele mudou-vos tantas vezes a fralda, será que não podiam agora fazer o mesmo por ele?

Mas mesmo para quem quer evitar o avô, não escapa das reuniões de família, e é a mesa do almoço ou do jantar que o avô jarreta atinge o seu ponto de rebuçado. Todos o respeitam como patriarca da família: não fosse pelas quecas que ele deu, e não estavam ali. O velho aproveita que estão todos ali para exercitar a oratória, e repete a mesma história vezes sem conta. Algumas famílias mais pacientes escutam pela enésima vez como se fosse a primeira. Até já sabem de cor o que o ansião vai dizer a seguir. Os resignados vão escutando enquanto mastigam a comida, e esperam que ele acabe de falar para ver se alguém tem qualquer coisa de novo para dizer – e é bom que tenha, senão salta mais um conto do arco-da-velha em “replay”. Ninguém se atreve a chamar-lhe a atenção para o facto que já contou aquela história vezes sem conta, senão o velho fica furioso e berra que “ninguém o respeita”. Mesmo que se peça com modos ou com recurso a um truque do tipo “espere aí avô, essa não foi aquela vez que foi à caça e atingiu por acidente o seu irmão, que por causa disso ficou manco de uma perna?”, não interessa. A história tem que ser contada do princípio ao fim como se fosse a primeira vez, e tivesse acontecido nesse mesmo dia.

O avô tem uns dias melhores que outros. Uns em que está muito chato, e outros em que é impossível de aturar. Todos os seus comentários são datados, despropositados ou involuntariamente insultuosos ou embaraçosos. Muitas vezes é preconceituoso, machista ou racista, ou tudo junto, e se passa das marcas um dos filhos diz-lhe “coma, pai, que a caldeirada está a arrefecer”. Esta sugestão é uma forma diplomática de tentar que ele se entretenha a processar as espinhas de bacalhau e os tentáculos da lula sem deixar cair a placa, e assim não consiga falar. Se o mandarem calar directa ou indirectamente, protesta e barafusta, ou chora e diz que “não lhe ligam nenhuma”. Isto varia com a medicação que lhe foi receitada. Se a conversa não lhe interessa, finge que adormece, e passa o tempo todo a ensinar maneiras aos netos mais pequenos, com menos de cinco anos – os que ainda não sabem negociar a relação avô-neto, e que fruto da inocência infantil deixam sair às vezes coisas como “o avô tem um cheiro esquisito”.

Ser levado a sério durante a velhice tem tudo a ver com a forma como se encara essa fase, ou se é possível comprar uma saída. Mick Jagger tem 72 anos, mas ninguém quer saber, pois continua a subir num palco de tronco nu a agitar as ancas e a lamber os dedos com cara de maníaco. Os ricos, que têm poder e influência que cheguem para mandar toda a gente se calar são outro bom exemplo. Pinto Balsemão, Sílvio Berlusconi ou Hugh Heffner, patrão da Playboy e grande referência para todos os velhos, têm dinheiro para ter a idade que quiserem, e toda a gente os leva a sério. Depois há os que estão completamente gágás mas que ainda têm tempo de antena, por respeito pelo seu passado, como é o caso de Mário Soares, que já não joga com os berlindes todos, mas ainda vai arrotando postas de pescadossauro de vez em quando.

Envelhecer, ver a areia do tempo escorrer por entre os dedos, e assistir à própria decadência do corpo e da mente não é nada fácil. É um castigo. Os velhos têm doenças de velhos, como a esclerose, o reumatismo, a artrose ou a Alzheimer, e outras que partilham com os mais novos, como a Parkinson’s ou a diabetes. Esta última pode aparecer em qualquer idade, até na juventude, mas quando alguém é diagnosticado com diabetes, é como se lhe estivessem a passar uma certidão de óbito provisória. Cada ano que passa vamos ficando um ano mais velhos, lógico, e nem damos por isso, aceitando graciosamente a passagem das folhas do calendário. Se alguém que não nos via há 20 anos nos disser “epá, ‘tás tão velho!”, podemos responder “A sério? Não dei por isso...e tu? Ficaste mais novo ou quê?”. Antecipando-me à queda das folhas, tenho tudo pleaneado para quando chegar a avô rabugento, isto é, SE lá chegar. Confiram os meus dez mandamentos do avô:

1) Vou usar bengala, mesmo que não precise. Dá imenso jeito para quando se é velho, pois podemos insultar os mais novos e eles nem nos tocam, limitando-se apenas a dizer: “olha lá ó velhote”, ao que respondemos “Olha lá o quê lingrinhas? Anda cá se és homem, ó palhaço”. E não acontece nada! A bengala é o passaporte diplomático da terceira idade, e serve para mais uma data de coisas como vamos ver mais à frente.

2) Vou fingir que sou duro de ouvido e pedir para repetir o que disseram até me começarem a gritar ao ouvido. Aí ponho uma cara séria e respondo “Olhe, não me grite que eu já ouvi, está bem? Não sou surdo”.

3) Perto da passagem dos peões, espero que o sinal verde esteja intremitante e só então atravesso, muito devagarinho. A meio da travessia o sinal muda para vermelho, os carros começam a apitar e eu a agitar a bengala, com um ar desorientado e a berrar “Sou velho, respeitem-me!”.

4) Se estiverem miúdos a jogar à bola perto de casa, saio com uma faca, furo-lhes a bola e uso a desculpa de que tenho medo que me partam uma janela.

5) Durante o Telejornal, cada vez que se falar de política ou aparecer um político, começo a berrar “chulos, são todos uma cambada de chulos!” vezes sem conta, não deixando ninguém ouvir as notícias em condições.

6) No Natal e nos aniversários, ofereço sempre peúgas aos meus netos, mesmo que já sejam adolescentes. Às netas ofereço cintas de liga, e começo a gritar “Epá! Elá!” quando elas abrirem o embrulho.

7) Quando passar uma colegial boa, encolho os lábios como quem não tem dentes, faço um som de chupanço, digo-lhe obscenidades e ponho a bengala em frente à braguilha das calças, enquanto produzo gemidos.

8) Se ainda for casado, mando calar a minha mulher cada vez que ela abrir a boca, lambuso as noras com beijocas, e belisco o rabo das namoradas dos netos quando eles as levarem a casa, enquanto lhes digo "anda cá coisinha boa, queres colinho?".

9) Vou usar as pomadas e unguentos com o cheiro mais insuportável que encontrar, e ter um penico debaixo da cama.

10) Finalmente quero uma enfermeira em “full-time” que me dê banho e me lave as peles mais flácidas. Tem que ser jovem, bonita e boa. Sou velho, trabalhei toda a vida, e se não fosse por mim estavam todos por nascer!

O Facebook ou a morte


O Facebook, quando usado com moderação, pode proporcionar momentos de diversão, mas injectado para a veia pode tornar-se prejudicial. Foi o que aconteceu com Aishwarya Dahiwal, uma jovem indiana de 17 anos da cidade de Perbhani, que se enforcou depois dos pais lhe terem tirado o acesso à rede social. Segundo a polícia, os pais "apenas a aconselharam a dedicar mais tempo aos estudos", pois passava várias horas por dia no Facebook, quer no PC, que no telemóvel. Se era mesmo assim como dizem as autoridades, é estranho que a jovem tenha acatado o conselho dos pais e depois se tenha suicidado. Num bilhete de despedida Aishwarya disse que não aguentava ficar em casa com tamanhas restrições, e que não podia viver sem o Facebook. Bem, esta foi a sua última mensagem, mas nenhum dos seus amigos vai poder fazer "like".

A culpa é dos meninos


O arcebispo Jozef Michalik, líder do Episcopado da Polónia e principal figura da Igreja Católica naquele país está debaixo de fogo, depois de ter insinuado que a culpa dos abusos sexuais de crianças da parte de padres católicos era em parte por culpa das próprias crianças. Em declarações durante uma reunião com jornalistas há duas semanas, Michalik disse que uma criança problemática "procura proximidade com outros e pode perder-se, fazendo com que a outra pessoa também se envolva". Azar dos azares, de tanta gente por onde escolhar, estas "crianças perdidas" vão ter com os padres católicos. Deve ser porque são super-atraentes, como o sr. arcepispo, aqui na imagem. Michalik diz que foi mal interpretado, pois claro, e aquilo que ele pensa é exactamente o contrário do que ele disse, e que "nunca afirmou que as crianças abusadas eram responsáveis pelos abusos". Bem, assim com essas palavras não disse. Tem razão. As declarações do clérico deixaram indignados os polacos, e reabriu o debate sobre os crimes de pedofilia na igreja, que na Polónia teve 27 denúncias desde 2001. As coisas ficaram piores para o lado de Michalik quando foi revelado que em 2004 apoiou incondicionalmente um pároco acusado de pedofilia. O sr. arcebispo polaco se calhar até não é má pessoa. Deve ser é muito crente, coitado.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Deixem-me comer em paz!


São servidos? Ai são? Peçam um para vocês, ora...

Portugal é no Ocidente, e mais Ocidente que isso não há, e a China é no Oriente, e mesmo um bate-chapas da Bobadela com a quarta classe que não saiba apontar os continentes no mapa sabe que "fica longe", e que é tudo "muito diferente". Vivemos há 500 anos com o "choque", mas isto porque nos temos conseguido respeitar mutuamente, sem grandes assomos de arrogância ou complexos de superioridade. Mas tivemos e temos as nossas "turras" sim, os nossos choques, mas é apenas sem querer. Cada vez que um chinês se incompatibiliza com um português aponta para a nossa pequenez e laxismo, e sempre que nos desentendemos com eles chamamos-lhes de "cabeçudos", como quem diz, são uns tipos difíceis de entender e de entender os outros. Os macaenses têm razão de queixa dos dois, e os dois retribuem, e enquanto concordam nesse aspecto, arranja-se outro ponto de discórdia e acabam todos a torcer o nariz aos restantes. É um torneio triangular: todos contra todos.

Quem é sociável, culto e desinibido - como eu - não tem problemas em meter conversa seja com quem for, mesmo que a pessoa desconfie do excesso de simpatia, ou do facto de nunca terem passado do simples "bom dia" ou "boa tarde" e estejam subitamente a discutir um tema elaborado há mais de dez minutos. Quem é mais reservado, tímido ou desconfiado - e falo de alguns fdp que por aí andam que pensam que têm uma vida espectacular e que os outros querem saber mais sobre ele porque têm inveja - não sabe ter uma conversa de jeito, ou pelo menos entra com o pé esquerdo na hora de querer conhecer melhor alguém. Com alguma sorte, arranja duas ou três pessoas mais pacientes que lhe dão outra oportunidade. Contudo há gente que simplesmente não sabe como meter conversa. Sendo eu português e passando a maior parte do tempo que estou consciente rodeado de chineses e macaenses - os colegas de trabalho - há aspectos que para eles podem parecer uma coisa normal, mas que ultrapassam a minha compreensão. O convívio e as relações de trabalho complicam-se ainda mais quando além do obstáculo da língua, sempre um problema, existem diferenças culturais difíceis de converter num denominador comum. Nada como ir directo ao assunto e dar alguns exemplos, usando como referência algo que todos fazemos, independente da origem, etnia, idade ou cultura: comer.

Por vezes estou a comer uma banana, chega alguém que não me é muito íntimo mas quer ser simpático e pergunta: "estás a comer uma banana?". Querendo ser agradável, respondo apenas "sim, sim", mas se quisesse rebaixar esta pessoa e expô-la ao ridículo que ela própria criou, respondia: "muito bem! vejo que não faltaste ao jardim de infância no dia em que aprenderam a reconhecer uma banana". Mas para quê perder o fôlego? Respondo que sim, estou a comer uma banana, e se a outra parte tiver o mínimo de modos diz "bom proveito" - o que nunca acontece. Assisti a casos de colegas que estão a comer uma refeição da McDonald's, com sacos do McDonald's, hamburgueres embrulhados em papel do McDonald's, copos com o logotipo do McDonald's, um cheiro de comida do McDonald's no ar e alguém a montar um brinquedo que ganhou numa "happy meal", e chega um cromo que pergunta: "Estão a comer McDonald's?". Os mais diplomáticos podem responder: "Sim...és servido?", mas o que dá vontade é de rematar com um sardónico: "McDonald's? Na...não se vê logo que isto é dobrada com feijão-manteiga?" E as probabilidades dele entender o sarcasmo seriam poucas.

E o que responder quando alguém nos pergunta se "somos servidos"? Ora, primeiro é preciso entender se a pessoa que nos está a oferecer comida é bem intencionada ou está a gozar com a nossa cara. Se for uma sandes ou um gelado já comidos pela metade, pode responder-se "não, podes enfiar isso no cu que é mais perto da meta e economizas tempo na digestão" - a não ser que se trate de um retardado mental, que nesse caso é preciso dar um grande desconto. Nos outros casos, o melhor é recusar, dizendo "não obrigado, bom proveito", ou se lhe apetecer gastar mais saliva explicar que já almoçou, ou que vai almoçar com uns amigos, ou que tem que almoçar duas vezes, uma com a mulher e outra com a amante, e tem que ter apetite para os dois almoços para que nenhuma desconfie. Talvez neste último exemplo se deva limitar a "não obrigado, bom proveito". No entanto há tipos que levam o esforço longe demais, e quando lhes perguntam se são servidos, levam a mão ao estômago, fazem cara de enjoados e fingem que arrotam, como quem quer dizer "se eu comer isso agora vomito as paredes e o tecto". Basta dizer "não obrigado", ó tanso!

Quando se trata de comida, torno-me bastante defensivo. Deve ser a minha costela de canídeo, mas se alguém me aborrece enquanto estou a comer, tenho tendência para morder. É por isso que não gosto de "yum-cha" e esse tipo de restaurantes chineses onde mais que uma pessoa mete a colher no mesmo prato das restantes, e nos restaurantes "à la carte" não tenho o hábito de "dar a provar" aos outros aquilo que estou a comer. É isto que me apetece comer e mais nada, pronto, portanto tirem as mandíbulas do meu "morfes", se não se importam. Por vezes estou a almoçar sozinho e chega um gajo qualquer com que não tenho grande conversa e me pergunta "isso é bom?", quero responder-lhe: "não, é uma porcaria mas eu sou masoquista". Se for no modo afirmativo, "isso é bom!", dá-me vontade de lhe dizer "eu sei, vai comprar um para ti e demora-te, para eu poder comer em paz". Se a aproximação é num tom paternalista, do tipo "não comas isso tantas vezes que faz mal", ou o pior de todos "isso não presta", é preciso respirar fundo e contar até mil para não perder a calma e dizer um palavrão. Ou vinte.

Sendo um ocidental, ou um "kwai-lou", desperta-se a curiosidade alheia sobre aquilo que como. "Qual é a ração que se dá aos estrangeiros?", interrogam-se eles. Se abro uma embalagem com massa frita ou outro prato tipicamente chinês-da-tasca-da-esquina olham para aquilo abismados e exclamam "waaa...!", como quem nunca imaginou que eu fosse capaz de comer aquilo, pois afinal, não sou chinês, não falo chinês, e nem percebem como fui capaz de explicar ao gajo da loja o que queria. Se calhar enganei-me, e com esse conceito presente às vezes perguntam: "você gosta disto???". O que me faz subir a mostarda ao nariz, especialmente se estiver a comer um cachorro-quente, é quando dois ou três me rodeiam e fazem um interrogatório completo sobre a minha refeição: "o que é isto?", "quanto custa?", "onde comprou?", "têm mais o quê?" - só falta perguntar a proporção de cada nutriente e de cada aminoácido. Sinto-me como um animal raro que os visitantes do zoo fazem questão de observar na hora da refeição. E não é que estejam mesmo interessados em comprar, a não ser que lhes diga que "é grátis, e ainda oferecem uma bebida". Nesse caso passam a almoçar e jantar lá todos os dias, e levam a família toda.

Uma vez estava com a minha mulher numa tasca do Mercado da Mitra a comer um "min" com aquele pudim de sangue de pato, uma especialidade regional que aprecio, sendo um grande adepto da cabidela e derivados. Uma senhora chinesa de meia-idade aproximou-se de mim e perguntou em inglês "você sabe o que é isso que está a comer?", enquanto fazia uma cara de marota. Olhei com indiferença e respondi-lhe que sim, que sabia. Meio desiludida com a consciência daquilo que estava a levar à minha própria boca, fechou a cara e disse, gaguejando: "pois...é que muitos estrangeiros não gostam, é só isso". Encolhi os ombros, e já com os olhos no prato, que queria comer em paz e sossego, disse "mas eu gosto...". A minha mulher criticou a frieza com que lidei com a situação, mas o que devia ter eu feito? Fingir que não sabia, sorrir que nem um parvinho quando me dissesse o que era, e dizer: "a sério??? ena pá! Uau! Fosga-se! Bestial!" ou então entrar em pânico, largar os pauzinhos, vomitar em cima dos outros clientes e no fim esfregar a língua coma escova de lavar as panelas? Ela ia para casa toda satisfeita e produzir uma tese de mestrado subordinada ao tema "chineses e ocidentais são de planetas diferentes".

Portanto quando chega a hora da refeição, o melhor mesmo é evitar o preconceito. Se o racismo é a discriminação com base na raça, então isto será...gastronomismo? Se vejo um chinês a comer bacalhau ou um bitoque, não me ponho a rir e bater palmas enquanto lhe tiro uma fotografia para mostrar ao mundo esta disparidade, este fenómeno do Entroncamento. Quando vejo alguém a comer sossegado não lhe vou perguntar "se gosta", pois percebe-se que gosta. Está a comer! Nunca seria capaz de dizer que a comida do tipo do lado "não presta", e se ele me perguntar o que penso, no máximo digo-lhe que "não gosto", e apenas se no gostar mesmo. Uma vez estava num desses "buffets" insonsos desses hotéis de luxo da treta que por aí abundam e peguei em meia dúzia de fatias de sashimi de salmão. Fui buscar um pires com molho de soja, mas todos tinham uma caganita de wasabi lá dentro. Como detesto wasabi, fui pedir um pires vazio onde pudesse deitar o molho se soja, e o empregado reagiu como se estivesse a pedir algo impossível, fora deste mundo, a coxa de algum animal extinto, como o dôdô. Perante a minha insistência e o um ar de quem não estava a achar muita piada à brincadeira, acabou por atender o meu pedido. Fosse eu um gajo mesmo sacana pedia-lhe para me chamar o gerente, e já agora a sua mãe também. O gerente para lhe dizer que ele nunca devia estar a trabalhar ali, e a mãe para lhe dizer que nunca devia ter nascido.

Quem somos, realmente? Parte III: quanto mais me bates...


Os casos de violência doméstica e outros abusos da parte de um dos cônjuges são o lado negro de uma relação. Tratando-se do uso da força, normalmente a vítima é a mulher, e os casos são frequentes, infelizmente. Há cada vez menos mulheres que se sujeitam às agressões do marido ou do companheiro, mas os casos são ainda em número suficiente para compôr as estatísticas e dar emprego a assistentes sociais e afins. As mulheres que se submetem à brutalidade do parceiro envergonham as feministas, que as encorajam a sair daquela situação: “deixa-o, já viste em que estado tens essa boca, toda rebentada”. A vítima, resignada, responde “ele é assim mas gosta de mim”, uma mentira em que acredita ao ponto de achar estranho se fica muitos dias sem levar um tabefe: “Há quanto tempo não me bates, ah? Andas a bater noutra, é?”.

Naqueles desaguisados domésticos onde voam pratos, cadeiras e vasos, choram as crianças e ladra o cão, há sempre um vizinho que chama a polícia. Chegados ao local da rixa, paira subitamente o silêncio, a mulher abre a porta devagarinho, baixando a cabeça para não revelar a cara amassada, e murmura entre dentes partidos “não se passa nada, senhor guarda...foi um mal-entendido”. Se depois de mais um enxerto de porrada a pobre mulher foge para casa dos pais, volta um pouco mais tarde acompanhada destes, e o sogro do agressor, se ainda gozar de saúde, pede-lhe satisfações: “o que fizeste à minha filha, seu cabrão?”. De repente a esposa solta-se dos braços da mãe, que a amparava enquanto chorava, e berra “Não paizinho! Pára paizinho! Eu amo-o!”. Alguém explica o sentido desta tragicomédia?

No extremo, a coisa acaba em tragédia. São muitas as histórias de faca e alguidar envolvendo casais desavindos. Na maior parte dos casos onde se dá uma fatalidade, as mulheres são mais uma vez as vítimas. O marmanjo "passa-se" de vez, dá-lhe um tiro, enfia-lhe a moleira num dos cantos da bancada da cozinha, aperta-lhe o pescoço e continua a apertar, mesmo depois da pobre vítima ter passado há muito pelos estágios de vermelho, roxo, azul e o cinzento final. Quando as mulheres perdem as estribeiras e resolvem cobrar os anos de abuso a que foram sujeitas, usam uma faca, envenenam o tirano, trocam-lhe os remédios ou cancelam-lhe a Sport TV no dia em que se joga o Benfica-Sporting. Quando chega a polícia na frente do séquito de vizinhos, a pobrezinha está encostada a um canto, apavorada e ofegante. As vizinhas mais velhas levam as mãos à cabeça e berram, em prantos: "Ai mulheri! Ai o que fotes fazeri. Ai mãezinha, que desgraça-tes a tuvida!". Aceita-se, e recordo que estamos a falar no extremo, e para tudo o mais há o divórcio, que a mulher reaja desta forma ao fim de anos de maus-tratos. Não digo que deva ser perdoada, mas pelo menos há uma atenuante. O que não se aceita é que corte a piroca ao marido enquanto este dorme. Senhoras, tudo bem que se sintam oprimidas, violentadas e tudo mais, mas vamos lá a fazer jogo limpo.

Muitas mulheres toleram maridos que lhes batem, insultam, desprezam e lhe são infiéis porque têm medo de ficar sozinhas e que mais ninguém as queira. Sofrem em silêncio, mantêm as aparências e são estupidamente infelizes. Quando lhe perguntam porque não se divorciam, desculpam-se com disparates como “ele não é assim tão mau”, “eu amo-o muito” ou “é um bom pai”, mentindo a si mesmas. Algumas, num acesso de pragmatismo, ainda respondem “e depois vou para onde?”. Isto até se justifica se a mulher for doméstica, pouco qualificada ou esteja debaixo da alçada dos talibã, mas acontece com muitas mulheres educadas e produtivas em países democráticos e civilizados. É uma daquelas coisas que se explica recorrendo à sabedoria popular: ”quanto mais me bates, mais gosto de ti.

O regresso do sr. rato


Sábado, cinco da manhã. Não passavam nem duas horas após ter ido dormir o sono dos justos, e sou acordado de sobressalto por um estrondo que vem da cozinha. Seria a queda de um objecto de loiça ou de vidro, possivelmente uma garrafa. Mal abri os olhos e alguns segundos depois já suspeitava da razão daquele ruído: era o sr. rato, regressado depois de uma breve ausência. Detive-me a pensar na última vez que tinha deixado veneno no chão à volta da máquina de lavar, perto do buraco por onde passa o tubo que escoa a água, e por onde ele entrava. Foi já há algum tempo. Bolas, tenho mais que pensar do que na possibilidade da vinda do sr. rato. Por acaso já nem le lembrava dele, e pensava que depois do nosso último encontro tinha desistido de me fazer as suas visitas nocturnas, intimidado pelo veneno e pela minha Gulliveresca presença. Substimei-o.

Só podia ser ele, claro. A mobília, a loiça ou as panelas não se mexem sozinhas, e é impossível a um ladrão entrar na minha casa a não ser pela porta. Restassem dúvidas, e enquanto ainda me conformava com o seu possível regresso, o sr. rato deixa bem claro que não me enganei, e nem estava a sonhar, e começa a guinchar. Guinchava alto e bom som, querido e estimado leitor. Uma sinfonia de guinchos que se prolongou por mais de dois minutos, subindo de tom, como se estivesse a cantar para mim. Fiquei imóvel no colchão, arrepiado, pensando no que me esperava caso me levantasse da cama. Pelo sim, pelo não, fechei a porta do quarto. Os guinchos haviam cessado.

Duranto cinco longos e angustiantes minutos, medi a temperatura dos meus medos. Seria este o mesmo rato, que agora voltava para me visitar e ver se lhe deixei alguma bucha que ele pudesse petiscar? Será que nunca me deixou, e passou a frequentar o meu domicílio apenas durante a minha ausência? Seria outro rato? E se fosse uma ratazana? O sr. rato de que me lembro dificilmente produziria guinchos tão sonoros. E se os guinchos fossem de dor, por lhe ter caído um objecto em cima? Nem queria pensar na possibilidade de encontrar o bicho esmagado, com metade das tripas de fora, e ainda de olhos abertos, aguardando pelo último estertor. Que grande merda pá. E logo num Sábado à noite.

Ainda pensei em voltar a dormir, e inteirar-me da situação no decurso dessa manhã. Debalde, pois os guinchos já me tinham deixado alerta, e a adrenalina era tanta que as pernas podiam correr uma meia-maratona naquele preciso momento. Foi aí que me levantei, decidido a colocar um ponto final a tudo isto. Afinal aqui o homem era eu, e o rato era ele. Se fosse o mesmo sr. rato da última vez, certamente que ia ser ele a fugir. Se fosse outro roedor mais afoito, e no evento de me atacar ou desafiar a minha presença, tinha os meus argumentos para vencer a contenda. Não há rato no mundo capaz de contrariar o génio humano. Bem, talvez o Rato Mickey, mas isso é ficção.

Abro a porta do quarto, acendo a luz da sala, e confirmam-se as minhas suspeitas - as suspeitas e não os receios, para bem do meu pobre coração, que começava a querer pular do peito e fugir para outro sítio onde não houvessem ratos. Ao perceber que perturbou o meu descanso, e que lhe vinha pedir satisfações, o sr. rato sai da cozinha como um raio, e esconde-se atrás do frigorífico. Pelo menos não estava ferido, e muito menos com as tripas de fora. E agora? Estaria encurralado? Enquanto pensava no meu próximo passo, eis que lá vem ele, aos pulinhos pelo chão, pequenino e encolhido, saltando por cima de uma caixa de sapatos e zás! pela escada abaixo e puf! desaparece sem deixar rasto. Dejà vu. Eis que me foge outra vez o meu visitante, sem que nos pudessemos sentar e ter uma conversa de homem para rato.

Com o sr. rato fora de cena, vou a cozinha ver de onde partiu o barulho que me tinha acordado, e reparo que as garrafas do azeite e do óleo foram derrubadas, sem que contudo se tivesse entornado uma gota. O azeite e o óleo estão num prato em cima de uma caixa de cartão - o som que ouvi foi o do impacto da garrafa de vidro no prato de loiça - e dentro dessa caixa está um saco de arroz. Como é impossível àquela criatura abrir a caixa, e sendo de cartão duro e liso, não consegue roê-la. Os guinchos que ouvi naquela noite eram de frustração por não poder chegar ao arroz. Se eu percebesse ratês entendia o seu lamento: "Porquê meu S. João Ratão? Porque não me deixais chegar ao arroz?".

Resolvido este mistério, começa a dar-me alguma larica, pois com isto tudo já passavam das sete horas e luz do dia entrava pela janela do quarto. Não valia a pena voltar para cama, pelo menos por agora. Abro o frigorífico e não encontro nada que se coma, e não me apeteciam massas instantâneas. Vou até ao Circle K comprar uns iogurtes, e quando regresso dez minutos depois - ousadia das ousadias - encontro o sr. rato no meio da sala, possivelmente a fazer o aquecimento antes de mais uma investida na caixa de arroz. Olhou para mim espantado, como quem diz "voltaste tão depressa?", e estando eu no topo da escadaria, a sua escapatória habitual, corre no sentido oposto e sai pelo ralo da casa-de-banho, que tal como na máquina de lavar, é um buraco no canto da parede. Mais uma pista sobre a origem do sr. rato, e por onde ela entra sem ser convidado.

Passei ao mais importante: procurar um jeito do sr. rato não ir mais lá a casa, pois a sua teimosia em não querer contar os seus problemas, as razões que ali o levam e tudo mais passou dos limites. Nunca me preocupei muito em identificar e vedar os possíveis acessos do sr. rato à minha casa, e tudo o que fiz foi selar o buraco da parede atrás da máquina de lavar, e deixar veneno espalhado naquela área. Desconfio que quem anda a comer as bolinhas vermelhas destinadas ao sr. rato são as baratas, pois tenho encontrado uma ou outra jazendo inerte no chão da cozinha. As tontas. Pelo menos o veneno serve para qualquer coisa.

Tapei o ralo da casa-de-banho com um tijolo, uma solução provisória. Comi os iogurtes, vi um pouco de televisão e por volta das 11 horas fui dormir, tentando compensar as horas de sono perdidas por causa do sr. rato. Acordei depois das 2 da tarde, e de cabeça fresca lembrei-me de um plano genial. Nessa noite deixaria o ralo da casa-de-banho aberto, a porta fechada, e um pratinho de arroz no chão. Se o sr. rato optasse por esta entrada, comeria o arroz, e talvez depois fosse à vida dele. No dia seguinte o mesmo procedimento, só que desta vez juntaria veneno ao arroz. Na esperança de encontrar mais arroz, o rato regressaria, só que agora no lugar de um banquete a refeição seria um...mata-bicho, literalmente! Boa piada, admitam.

Sei que isto é uma solução cruel para o sr. rato, mas para grandes males, grandes remédios. Um dos meus colegas com o mesmo problema comprou um daqueles tapetes pegajosos cujo cheiro atrai os ratos, que ao meterem as patas em cima da armadilha ficam lá colados. Eu nem quero imaginar o sr. rato ali colado, morto pelo cansaço, com os olhos bem abertos em desespero e a língua de fora, evidenciando uma luta até à exaustão para se livrar de tão triste destino. Podia ser que se o sr. rato comesse o veneno fosse morrer para longe dali, e se fosse mesmo esperto não comia de todo, e fazia-me um manguito "à rato". Os dados estavam lançados; a minha empregada chegou ao final da tarde, e eu preparava-me para ir jantar fora. Pedi-lhe que colocasse o tijolo de volta no ralo da casa-de-banho depois de fazer a limpeza, e saí cantando e rindo, ansioso para levar a cabo o elaborado raticídio. Mal eu sabia que outras surpresas me reservava o sr. rato.

Voltei cerca das 11 horas, casa limpa, arrumada, tijolo no sítio, tudo impecável. Melhor ainda ficaria depois de eliminar o sr. rato - pelo menos foi o que eu pensei. Depois de me pôr mais à vontade, sentei-me em frente ao PC, onde planeava ficar meia-hora ou pouco mais antes de ir dormir, sem que antes deixasse o prato de arroz na casa-de-banho e garantir que a porta ficaria bem fechada. Não tinham passado dois minutos e o meu plano foi pela água do sanitário abaixo. Escuto um barulho vindo do sótão, olho para trás e vejo nem mais nem menos que o sr. rato a tentar descer, qual artista convidado saído de trás de um cenário luminoso num qualquer "talk-show". Foi sol de pouca dura, pois mal me viu, deu meia volta, "oops! esquece lá, fica para a próxima", e reentra no sótão.

Foi aqui que me caíu o coração aos pés. O sótão? Como é possível? Já lá estive várias vezes e nem sinal de ratos. As telhas estão cobertas com um placado, e a pequena janela que dá para a rua está tão presa que nem dá abrir. Como foi ali parar o sr. rato? Apesar do alçapão estar aberto, não me recordo de o ter visto a subir pelas escadas, e para ele isto seria como praticar montanhismo. Foi aí que me acendeu uma lâmpada por cima da tola, como na banda-desenhada. Eureka! Já sei de onde vem o rato, porque insiste em visitar-me, e de como consegue aparecer tão de repente e desaparecer sem deixar rasto. A descoberta, contudo, deixou-me ainda mais desanimado que antes. Preferia continuar na ignorância.

Como já referi no episódio anterior e também neste, o sr. rato desce a escada e "desaparece", como num acto de ilusionismo. É o Houdini dos ratos. É impossível que escape por debaixo da porta, onde mal cabe uma porta, e o buraco por onde passa o contador da água está tapado com cimento. Esta escadaria que vai da porta da rua até à sala tem um tecto baixo, feito em tábuas de madeira, e por cima está o sótão. É possível - mais do que isso, quase certo - que o sr. rato fuja por uma fresta nas tábuas, e se esconda num pequeno vão entre a escada e o sótão. Desta mesma maneira tem acesso ao sótão, e sabe-se lá que outras entradas, saídas, atalhos e esconderijos existem neste autêntico labirinto.

A primeira conclusão a que cheguei, e que me deixou apreensivo é esta: o sr. rato não me vem visitar. O sr. rato vive ali. Quando me mudei em Junho, recordo-me de no dia seguinte a ter comprado a secretária para o computador ter encontrado excrementos de rato em cima da mesma. Na altura não dei muita importância a esse facto, e julguei uma vez com a casa habitada, os ratos faziam a trouxa e punham-se a milhas. Aparentemente para ele eu é que sou o invasor. E depois que sentido fazia que o mesmo rato me visitasse em diferentes intervalos de tempo? A verdade é que está e sempre esteve a morar debaixo do mesmo tecto que eu, num vão algures entre a escada e o sótão.

Uma segunda conclusão, que não é bem uma conclusão mas antes uma forte possibilidade que me deixa em pânico, é a do sr. rato ter família: a sra. rata e o rato júnior - e durmo mais descansado assumindo que como são chineses, cumprem com a política do filho único. Terá, portanto, uma ninhada, e isto deverá ser um facto recente, pois só assim se explica as visitas mais regulares dos últimos dias, e os guinchos de desespero em frente ao santuário do arroz. Podia estar a implorar por comida, que tem bocas para alimentar, e um dia destes ainda me aparece à porta o sindicato dos ratos a exigir que eu lhe dê um subsídio em arroz. É ainda possível que a sra. rata lhe tenha feito um ultimato: "ou começas a trazer o arroz para casa ou logo à noite não te dou a menina" (as meninas têm "rata", portanto as ratas têm "menina").

Mesmo assim vou levar o meu plano adiante, só que vou deixar o prato de arroz na cozinha; um primeiro "plain", um segundo "aldente", com veneno do bom. Espero que ele caia no truque, e que os ratos não tenham também a sua versão do provérbio "quando a esmola é muita, o pobre desconfia". Custa-me saber que deixo uma viúva e orfão ou orfãos, mas não me agrada a ideia de partilhar a casa com alguém que não paga a renda, não me faz companhia e não dá sequer uma ajudinha em coisa nenhuma. Se ainda me pudessem ficar lá para abrir a porta ao técnico da CTM para me instalar a ligação por modem, e cujo horário coincide sempre com o meu, ainda tinham alguma utilidade. Assim não. Aparecer o chefe de família de surpresa a pregar-me um cagaço e a cantar o fado ratado às cinco da madrugada, mesmo que num Sábado, não pode ser. Veneno é a solução.

Mas ainda vai a tempo de me fazer mudar de ideias, sr. rato. Apareça lá na sala um dia destes, e em vez de correr disparado quando me vê, sente-se comigo e converse um bocadinho. Não seja tímido. Tenho lá um queijinho flamengo da Mimosa que podemos petiscar, umas cervejolas para mim e água da sanita para si. Se quiser posso deixar a sua parte do queijo na lata do lixo de um dia para o outro, conforme o seu gosto. E depois ficamos a conhecer-nos melhor, partilhamos as nossas ratices, falamos de tudo em pouco...até de ratas, claro. Vá pensando nisso, e até ao nosso próximo encontro.

Morreu Lou Reed


Morreu ontem Lou Reed, uma das grandes lendas do rock. Nascido em Nova Iorque em 1942, fundou nos anos 60 com o amigo de infância John Cale o grupo Velvet Underground, cuja (curta) existência influenciou a cena musical do pop e rock norte-americano e mundial. Uma vida de sexo, drogas e rock'n'roll, e terá valido a pena. Foram 71 anos bem vividos.

Vettel vezes quatro


Sebastian Vettel sagrou-se ontem tetra-campeão mundial de Fórmula 1, ao vencer o GP da India, realizado no Buddh International Circuit, em Greater Noida. O alemão da Red Bull precisava apenas de um quinto lugar, e apenas se o seu perseguidor mais próximo, o espanhol Fernando Alonso, vencesse a corrida. Mas Vettel voltou a ter um fim-de-semana em grande, obtendo a "Pole-position" e dominando a corrida de início ao fim. A única vez que rodou fora do primeiro lugar foi após a primeira paragem na boxes para reabastecimento, altura em que o seu companheiro de equipa Mark Webber "guardou" a liderança. Alonso estava obrigado a ganhar e ainda dependia de muita, muita sorte, mas o bi-campeão mundial não conseguiu sequer terminar nos pontos, quedando-se pelo 11º lugar. O domínio da Red Bull no circuito indiano não foi possível devido ao abandon de Webber na 39ª volta, devido a uma avaria no alternador do seu carro, e o 2º lugar foi para Nico Rosberg, em Mercedes. Romain Grosjean, em Lotus, obteve o 3º lugar pela terceira vez consecutiva, uma época sensacional do jovem piloto francês. Filipe Massa lavou a honra da Ferrari com o 4º lugar, a sétima vez consecutiva que o brasileiro termina nos pontos. Sergio Perez foi quinto, terminando com seu McLaren à frente do Mercedes de Lewis Hamilton e o Lotus de Kimi Raikkonen, um tanto surpreendentemente. Os dois Force India terminaram em oitavo e nono, com Paul di Resta à frente de Adrian Sutil, e o australiano Daniel Ricciardo, em Toro Rosso, fechou os lugares dos pontos. Com este quarto título mundial consecutivo, Sebastian Vettel igualou o recorde de títulos do francês Alain Prost, e fica a um título do mítico Juan Manuel Fangio, e a três do seu compatriota Michael Schumacher. Com os títulos de condutores e construtores decididos para Vettel e para a Red Bull, as restantes três corridas do calendário deste ano servirão apenas para isso mesmo: cumprir calendário. A próxima é já no próximo Domingo no Yas Circuit, em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos.

SOS Torres


τσελσισιτι στιγμιοτιπα by ourmatch
O Chelsea sofreu para vencer o Manchester City em Stamford Bridge por 2-1, com o golo da vitória a chegar já nos instantes finais, autoria do avançado espanhol Fernando Torres. O alemão Schürrle adiantou os "blues" aos 33 minutos, e no início do segundo tempo, aos 49, o argentino Agüero empatava para os visitantes. O relógio marcava 89 minutos e 40 segundos quando Torres recebe uma bola longa da defesa, desmarca-se, passa pelo guardião Joe Hart, que estava adiantado, e remata com sucesso para dentro da baliza deserta. Uma demonstração de pujança física e de inteligência da parte do espanhol, que parece ter deixado para trás os problemas que interferiram com o seu rendimento inicial no futebol inglês. Com esta vitória o Chelsea alcança o Liverpool na vice-liderança com 20 pontos, menos dois que o Arsenal e mais um que o Tottenham. A equipa de André Villas-Boas venceu em casa o HulL City por 1-0, e isolou-se no quarto lugar.

Porto a mais para o "novo" Sporting


O FC Porto derrotou ontem à noite o Sporting por 3-1 no Estádio do Dragão, na partida mais aguardada da oitava jornada da Liga ZON Sagres. Frente a frente estavam as duas equipas ainda sem derrotas na Liga, e a expectative era elevada para ver até que ponto o "novo Sporting" de Leonardo Jardim teria estofo para discutir os primeiros lugares. O Porto foi mais forte, e aproveitou a timidez dos jovens leões, a quem falta ainda alguma experiência para jogos deste nível. Josué marcou o primeiro de penalty na primeira parte, o Sporting empatou por William Carvalho, já na segunda, Danilo e Lucho Gonzalez fizeram os restantes dois golos com os campeões nacionais "despacharam" o seu rival. Com este resultado o Porto lidera mais destacado, com cinco pontos de vantage sobre o Sporting e agora também Benfica, que bateu na Luz o Nacional por 2-0.

Três macacos


Mais um fim-de-semana que nos deixa, prometendo regressar na sexta-feira, e desta vez para ficar três dias - sabe sempre tão bem. Para começar a semana em beleza, deixo-vos com o artigo de quinta-feira do Hoje Macau. Boa semana de trabalho!

Quando eu tinha os meus doze anos, numa visita ao zoo de Lisboa, assisti a uma cena que nunca mais esqueci, e que me ensinou muito sobre a vida. Numa jaula estavam três macacos, que encostados à grade aguardavam pelos amendoins que os visitantes lhes atiravam. Um deles, aparentemente o chefe, açambarcava todos os amendoins, e crescia para os outros dois se estes tentavam apanhar algum. A certa altura um deles enche-se de coragem, apanha um amendoim, trepa pelos troncos, e é perseguido pelo “chefe”. O terceiro, sozinho perante os visitantes, estica o braço de fora das grades com a mão aberta, enquanto vai virando a cabeça para se certificar que o macaco guloso não o via. Se falasse dizia qualquer coisa como “vá lá, despachem-se; dêm-me um amendoinzito antes que ele volte”. Foi uma imagem que me ficou na retina. Estes primos distantes dos humanos a comportarem-se igualzinho a eles. Ou será que somos nós que nos comportamos às vezes como macacos?

Em Macau temos macacos no jardim da Flora. Pelo menos penso que ainda lá estão. Temos ainda pessoas, muitas pessoas, mais de meio milhão e com tendência a aumentar. Em vez de amendoins, estas pessoas gostam de patacas. Os que têm poucas querem muitas, os que têm algumas querem mais, e os que têm muitas nunca estão satisfeitas. Em comum têm apenas uma coisa: a fome de patacas, e são as patacas a única coisa que os faz sair à rua, bater o pé, sacudir as grades da jaula, pular e urrar. Tal como naquela cena com os macacos a que assisti na infância, há pessoas que apanham todas as patacas, deixando as outras à míngua. Ao contrário dos amendoins, o apetite pelas patacas é insaciável, e os que têm poucas não podem sequer esperar que os mais gulosos fiquem empanturrados e deixem os restantes apanhar algumas.

Macau é um mercado livre, dizem. Viva a liberdade, mas só na hora de fazer dinheiro. Mas do que vos queixais? Todos têm a mesma oportunidade, ora essa. Só que há uma regra de bolso da Economia: “dinheiro chama dinheiro”, e quem tem muitas patacas pode investi-las e obter cada vez mais patacas. Quem não tem o suficiente para investir chupa no dedo. Nem se pode dizer que existe um fosso entre ricos e pobres em Macau, até porque aqui não há assim tantos pobres – valha-nos isso. O que há é um fosso entre os remediados e os estupidamente ricos. E esses são sempre os mesmos, as suas famílias, e eventualmente os seus filhos. É como se o macaco mandão morresse um dia e deixasse lá um dos seus filhos a sacar os amendoins aos outros dois.

A inflação é um fenómeno interessante. No outro dia fui ao mercado aqui atrás de casa, e comprei duas batatas médias, que nem eram grande coisa, e paguei 15 patacas. Ainda me lembro de pagar 12 patacas pelas mesmas batatas alguns meses antes, e 10 patacas o ano passado. Uns dias antes comprei um molho de brócolos pequenos, deprimidos, com um verde já algo pálido, era o que havia ao fim do dia, paciência. Paguei 14 patacas. Fazia algum tempo que não comprava brócolos, mas tinha a ideia que aqueles custariam qualquer coisa como 7 ou 8 patacas; pelo menos esse seria o preço mais que justo. A habitação anda pelas ruas da amargura, com as rendas a aumentar todos os anos, sem que se saiba porquê. Uma renda de 5000 passa a seis mil no ano seguinte, mas é a mesma casa, no mesmo sítio, com a mesma área. Às vezes os senhorios não investem um centavo no imóvel, responsabilizam os inquilinos pelas reparações, e deixam qualquer melhoramento ao seu critério. Tudo aumenta, e porquê?

Não é preciso reunir uma equipa dos melhores detectives para encontrar o motivo. Cada vez que o Governo anuncia subsídios, aumentos na função pública, ou os cheques do plano de comparticipação pecuniária, tudo aumenta. Especialmente no caso dos cheques: vai o Chefe à televisão anunciar o dinheiro grátis, e no dia seguinte tudo aumenta. Há quem considere que esta forma de distribuição das receitas é um caso raro em todo o mundo, especialmente nestes tempos de vacas magras, e que a população de Macau “tem muita sorte”. A verdade é que o Executivo tem capacidade para dar oito mil patacas a cada residente todos os meses, e não apenas uma vez por ano. O problema é que as batatas e os brócolos iam passar a custar 100 patacas ou mais, em vez de 14 ou 15. Pouco importa se atiram dez, vinte ou cinquenta amendoins para a jaula, pois o macaco guloso vai apanhá-los todos, e os outros ficam a coçar as pulgas.

As pequenas e médias empresas têm a vida cada vez difícil, com as rendas absurdas que se vão praticando nos espaços comerciais. Mesmo que um comerciante encontre um buraquinho mais ou menos jeitoso a um preço acessível, o proprietário vai lá espreitar de vez em quando para saber como vai o negócio, qual abutre à procura de carniça. Se a loja está sempre cheia, pimba!, afinca-lhe com um aumento da renda, apenas “porque sim”. O lucro obtido pelo comerciante é fruto do seu esforço, do suor do seu rosto, da qualidade do seu serviço e da sua persistência, enquanto o senhorio não mexeu um dedo, e ainda se acha no direito de meter foice em seara alheia. Aquilo para mim só tem um nome: roubo. Agarra que é ladrão!

Macau é livre. O mercado de Macau é livre. Viva o neo-liberalismo “Macau style”. Viva a liberdade. Yupi! Cheira-me que anda aqui alguém muito enganado quando ao conceito de “liberdade”. Para perceber o que isso é não basta apenas consultar o dicionário. A minha liberdade não me dá o direito de fazer o que muito bem me apetece, entrando pela liberdade dos outros. Liberdade não é apanhar os amendoins todos, e se alguém reclama, dizer: “O que é que querem? Apanho mais amendoins porque cairam no chão da minha jaula, e depois vão cair muitos mais, e toda a gente tem direito aos seus”. Já era tempo deste macaco fazer uma dieta, e deixar os outros engordar um pouco.