sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Portugal é a razão


Portugal é hoje, aos olhos de mundo e “de facto”, um país pequeno, atrasado e pobrezinho. É pena, mas é uma realidade. Não temos dinheiro para fazer cantar um cego, especialmente se o cego for o Stevie Wonder, somos uns tesos, e não no bom sentido do termo, e ninguém nos leva a sério. Se viajamos por um daqueles países onde o sistema de ensino considera “inútil” as aulas de História e os mapas mundo, apercebemo-nos que ninguém sabe o que é Portugal ou onde fica. Dizemos que somos de Portugal, olham para baixo a abanar a cabeça, não se sabe se por vergonha da própria ignorância ou por pena de nós, por virmos de um país insignificante, Depois dizemos que “fica ao lado de Espanha”, e eles dizem “ah!”, com um sorriso aberto, o que no fundo vai dar ao mesmo: continuam sem saber o que é Portugal, mas já ouviram falar da Espanha.

Mas nem sempre foi assim. Há 500 anos Portugal era uma das grandes potências mundiais. Uma das poucas, a par da Espanha e da Inglaterra. Existissem os Estados Unidos nesse tempo, e podíamos ser arrogantes com eles, da mesma forma que hoje eles nos tratam como se fossemos um povo de olivicultures e varinas. É pena que todos conheçam a Espanha, que está tão ou mais falida que nós, e poucos saibam o que é Portugal, ou o que foi, e das contribuição do nosso povo para o mundo moderno. As marcas que Portugal deixou no mundo nos séculos XV e XVI ainda são visíveis em pleno século XXI. Portugal deu ao mundo uma queca que ele nunca esqueceu. Portugal é como aquela nódoa de caneta num fato Armani que mal se nota, mas está lá, e por muito que se lave nunca sai. O que Portugal é pouco importa se olharmos para o que Portugal foi um dia. Enche-nos de orgulho o nosso passado. Chega-me a vir uma lágrima ao olho. Ah esperam, é apenas a ventoinha. Vou desligá-la antes que me voem as folhas.

Primeiro a “globalização” de que toda a gente tanto fala, o comércio à escala global, o “trade”, o “import/export”, nunca teria sido possível se Vasco da Gama, um português, não tivesse iniciado uma rota de comércio por mar entre o Ocidente e as Indias. Uma vénia ao Vasco. O primeiro navegador a dar a volta ao mundo, Fernão de Magalhães, era português, isto apesar de representar a coroa espanhola e não ter acabado a viagem. E o Brasil, aquele país do samba, da praia, do futebol e das gajas boas? Fomos nós que descobrimos aquilo, pá. E não me convencem que era a mesma coisa se fossem outros a descobrir. Se tivessem lá chegado os ingleses primeiro, era um tédio, como a Austrália ou a África do Sul, e em vez def utebol jogavam rugby e cricket. Se fossem os espanhóis, não existia Brasil. Era parte da Argentina, e os brasileiros seriam uns tipos atarracados sem pescoço, vestidos de mantas coloridas a tocar gaita de beiços. De nada, não precisam de agradecer.

Mais do que a vertente expansionista, há ainda a linguística, a cultural e a étnica. O português fala-se em todos os continentes, desde o Brasil a Timor-Leste, passando pelas áfricas, residualmente na Ásia, e na Europa, naquele cantinho onde estão hoje os tais 10 milhões de coitadinhos. A nossa língua deve ser a mais etnicamente diversa do mundo depois do inglês: índios do Brasil, negros, malaios, indianos, chineses, timorenses, todos a falar a língua de Camões, mais ou menos bem, com mais ou menos sotaque. É comovente ver um tipo de toga ou outro com o lábio discado e setas atravessadas na cabeça a falar a nossa língua. Chuif...chuif...desculpem...é a maldita ventoinha outra vez. Perdão.

Em termos étnicos, somos pioneiros da hibridez genética. Criámos o mulato, misturámo-nos com os chineses, e em locais remotos da Malásia, Tailândia ou Birmânia. De quando em vez alguém descobre uma aldeia qualquer no meio de nenhures onde os homens têm um bigode atípico e as mulheres pêlos nas pernas porque lá em mil quinhentos-e-troca-o-passo houve um grupo de marinheiros tugas que por ali foi ficando, e resolveu o problema da comunicação com os indígenas através de “linguagem gestual”. Há quem lhe tenha chamado “miscigenação”, uma palavra cara, mas na verdade tudo aquilo foi sem querer. Nunca nos passou pela cabeça criar novas raças e o camano. Somos danados para a brincadeira, isso sim. Quando chegámos ao Brasil, se em vez de índias houvessem só vacas, eram as vacas que marchavam. Por causa desta pouca vergonha, hoje temos indivíduos em Goa e no Sri Lanka com o apelido Fernandes e nem sabem bem porquê.

E aquelas curiosidades deliciosas dignas de constar daquelas páginas do “você sabia...”? E você sabia que foram os portugueses que introduziram o cristianismo na Indonésia, e que em Medan, onde existe a maior comunidade cristã do maior país muçulmano do mundo, andavam por lá portugueses? Sabia que Taiwan é também conhecido por Formosa, pois era assim que os portugueses chamavam esta ilha? Sabia que foi um aventureiro português, Duarte Barbosa, que deu a conhecer o nome “China” ao Ocidente? O Tempura japonês deriva em nome da palavra portuguesa “tempero”, e em género assemelha-se aos nossos peixinhos da horta? E especula-se que “Arigatô” é um “primo” do nosso “Obigado”? Fazia ideia que o “vindaloo” indiano é uma corrupção do português “vinha d’alho”? Numa conferência há alguns meses ouvi a dra. Anabela Ritchie contar que o piri-piri foi o nome que os indianos deram à malagueta depois dos navegadores portugueses o terem provado e exclamado “puta que pariu!”. Não sei se isto está devidamente documentado, mas é bem possível que seja verdade. Quem diz “vindaloo” em vez de vinha d’alho...

Isto são as marcas indeléveis da nossa presença, meus amigos. Podemos não valer nada hoje em dia, mas tempois houve em que fomos como o WC Pato: chegámos onde os outros não chegam. Faltam-nos muitas das conquistas da era moderna; nunca ganhámos um campeonato do mundo de futebol, um óscar, e os Nobel contam-se pelos dedos de uma mão. Mas essas coisas são canja, algumas até se fazem sentadas e em casa, quando comparadas com os nossos feitos gloriosos. Nunca tememos nada nem ninguém. Não havia rochedo demasiado tenebroso, mar demasiado revolto ou povo demasiado exótico que nos parasse. Suspirai, lusitanas gentes. Algures debaixo desta caparaça de miseráveis trapaceiros, pantomimeiros e espertalhões, estão os genes daqueles barbudos de ceroulas que limparam esta merda toda. Viva Portugal!

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