sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Critico, logo existo (parte II)


Em Macau existe um défice de críticos e de crítica, talvez porque a produção artística seja escassa, ou a um nível amador que não justifique ser apreciado pelos padrões da crítica. Um espectáculo de teatro organizado por um jardim de infância é concorrido por pais babados de câmara de filmar na mão apontada ao seu filho ou filha, e pouco lhe importa que a peça esteja bem ou mal escrita, ou representação seja competente. O pouco que se faz na música – e perdoem-me a sinceridade, que nem chega a ser uma crítica – é medíocre, mas há casos em que o artista é o filho de alguém importante, de um respeitável elemento da comunidade, e estudou lá fora, e cada vez que dá um espectáculo vão lá os amigalhaços do pai e os ex-colegas de liceu do artista aplaudir. Pode ir lá com uma ceroula enfiada na cabeça e arranhar um prato com um garfo, enquanto deita a língua de fora, que é “um génio”. Se está lá alguém que não tem qualquer relação com o artista ou com o paizinho, e foi apenas assistir ao espectáculo, e ousa fazer um comentário honesto do tipo “mas que merda é esta?”, é mandado calar. O mais provável é ouvir de algum porta-voz da tribo qualquer coisa como “alguém te perguntou a opinião? ‘tá mas é caladinho ”. E depois continuam a apreciar a sinfonia do prato arranhado.

Macau peca pela escassez de artistas e pelo excesso de artolas, e dos seus amigalhaços. Incrível como não existe uma companhia de teatro, por exemplo, e de como a única orquestra é financiada com fundos públicos e composta parcialmente por músicos estrangeiros. Temos companhia de bailado? Não, mas temos meninas de 5 e 6 anos que frequentam aulas de ballet uma vez por semana e dão um espectáculo para os paizinhos uma vez por ano, o que é “a mesma coisa”. Os artistas plásticos são um fenómeno interessante; após uma exposição merdosa onde os objectos são demasiado rasos para servir de cesta do lixo, ou muito ásperos para se limpar o rabo com eles, queixam-se da falta de financiamento, de condições para trabalhar, dificuldade em encontrar material, problemas desde o primeiro dia, etc., etc. Dá vontade de lhes perguntar: “Se o problema era esse, porque não disse antes e a gente dava um jeito? Agora que nos mostra esta merda já é um pouco tarde, não acha?”.

Finalmente há o caso do desporto, que em Macau é o que a dimensão do território permite que seja. Temos 500 mil habitantes, falta de cultura desportiva, e as poucas infra-estruturas de qualidade são recentes, e em alguns casos mal aproveitadas. Eu diria antes que são mal geridas, fruto da falta de gente que perceba o mínimo de gestão e de desporto. O futebol está entre os piores do mundo, as goleadas são constantes, e quando parece haver algua evolução, acaba por voltar tudo à estaca zero. É melhor assim, que já estamos habituados. Imaginem que as selecções de Macau começam a evidenciar alguma melhoria. Era mais difícil aceitar o regresso ao estatuto de saco de pancada. Nos restantes desportos, temos o judo e o karate com alguns resultados que são motivo de orgulho – mais uma questão de preferência regional que outra coisa. Os atletas de Macau que vão conquistar medalhas em competições secundárias, como no caso recente dos Jogos da Ásia Oriental, são normalmente atletas medianos da China continental, a quem foi atribuído o estatuto de residente. É preciso ganhar umas medalhinhas de qualquer jeito, enfim, e para Macau é o melhor que se pode fazer. Criticar é gastar saliva para nada.

Não podia deixar de referir o exemplo do hóquei em patins, uma modalidade que no território é considerada um exclusivo da comunidade portuguesa. Estranhamente, até a comunidade portuguesa se mostra crítica, principalmente na hora das derrotas expressivas contra potências de outros continentes que não a Ásia, onde o hóquei em patins tem uma expressão residual e Macau é a melhor selecção. No entanto muitos se passaram "para o outro lado" quando a equipa de Alberto Lisboa foi (finalmente) agraciada em 2012 com uma medalha de mérito desportivo pelo governo da RAEM, enquanto outros abriram os olhos e descobriram que existe uma modalidade onde Macau é - pasme-se - campeão asiático, e participa em campeonatos do mundo.

E por falar em campeonatos do mundo de hóquei, o recente mundial de sub-20 na Colômbia permitiu-me observar algumas reacções curiosas. Como os leitores mais assíduos repararam, fui comentando a participação dos jovens macaenses, bem como actualizando os resultados no mesmo dia. É lógico que a juventude, a inexperiência e as condições em que treinam os jovens da formação não lhes permitia chegar muito longe, e só mesmo alguém com muita fé poderia pensar que se bateriam de igual para igual contra formações como a Espanha, campeã mundial, ou a Colômbia, a equipa da casa. Contudo alguns dos meus comentários, e penso que até a simples divulgação dos resultados - que foram, como se esperava, negativos - foram mal recebidos por alguns leitores, especialmente aqueles com laços familiares ou afectivos com elementos da delegação que foi ao mundial. O que tenho eu a dizer sobre isto?

Primeiro sou completamente insuspeito; gosto de hóquei em patins, o meu filho é praticante nesta mesma escola, e não me venham com conversas de ressabiamento ou inveja por ele não ter sido chamado, pois tem apenas 12 anos. Este blogue apoiou o hóquei em patins de Macau desde a primeira hora, vibra com os feitos que lhe são permitidos dadas as limitações de que sofre, e lamenta que não lhe seja dado mais apoio, ou seja mais divulgado na comunidade chinesa. Mesmo que possa ter tratado esta ou aquela derrota com alguma ligeireza ou algum humor, nunca foi no sentido de menosprezar o esforço de atletas e técnicos. O que querem que eu diga quando Macau perde 14-0 com a Espanha? Que devia ter ganho? Devo chorar? Sou agoirento e má rês se previ que ia perder de goleada? Devo falar só quando ganha? É preciso não misturar as coisas, e esta é uma das funções da crítica: apontar os defeitos para que se possa fazer melhor da próxima vez. Sem a crítica é que nem se ouvia falar de muita gente...

1 comentário:

Jorge disse...

Bom dia
Gostei deste post efico feliz com a defesa do Hóquei em Patins em Macau, no entanto deixo aqui um texto, longo mas penso que vale a pena ler e refletir:

´´ NA BATALHA DA VIDA AQUILO QUE CONTA NÃO É A CRÍTICA, NEM QUEM APONTA OS DESLIZES COMETIDOS PELOS QUE TRABALHAM, NEM QUEM ASSINALA OS PEQUENOS ERROS QUE PODERIAM SER MELHORADOS NUMA DETERMINADA TAREFA QUE FOI CUMPRIDA. O CRÉDITO DEVE SER DADO PELO CONTRÁRIO, AOS QUE EFECTIVAMENTE SE ENCONTRAM NO PALCO DA ACÇÃO, COM FACES MARCADAS PELO SUOR, PELA POEIRA E PELO SANGUE; AOS QUE SE ESFORÇAM POR ENCONTRAR; AOS QUE ERRAM E VOLTAM A TENTAR, POR SABEREM QUE NÃO PODE HAVER EVOLUÇÃO SEM ERROS; AOS QUE PROCURAM EFECTIVAMENTE FAZER ALGO DE CONCRETO; AOS QUE CONHECEM O ENTUSIASMO E A DEVOÇÃO; QUE DEFENDEM UMA CAUSA QUE LHES PARECE JUSTA; AQUELES QUE, SE TUDO LHES CORRER BEM, PODEM NO FIM CONHECER O PRAZER DAS GRANDES REALIZAÇÕES, MAS QUE SE FALHAREM, FAZEM-NO DEPOIS DE TENTAREM CONSEGUIR UM OBJECTIVO, PELO QUE O SEU LUGAR NUNCA PODERÁ SER AO LADO DAQUELES QUE, FRIOS E TÍMIDOS, NUNCA EXPERIMENTARAM NEM A VITÓRIA NEM A DERROTA ´´
Thodore Roosevelt (in The Coach, de R. Sabock)