quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Vinte doçis anos


O grupo de teatro Doçi Papiáçam di Macau comemorou esta semana 20 anos de existência, com a apresentação de um espectáculo no Venetian Theatre no Sábado e um jantar na Torre de Macau na quarta-feira. Os meus afazeres profissionais e as limitações em termos de agenda não me permitiram ir ao espectáculo "Dále Más!!!", que foi mais uma vez um grande sucesso. Não tive tempo nem energia para adqurir os bilhetes a tempo, e apesar de me terem oferecido um (simpatia da mãe do Leocardo, a senhora Leocarda), marquei outro compromisso, alheio à coincidência das datas. As datas são um problema quando nos falta o tempo para fazer tudo: cumprir as obrigações, descansar e ainda guardar um bocadinho para o lazer. No entanto não pude recusar o simpático convite que me foi endereçado pelo encenador e figura de proa do grupo, Miguel de Senna Fernandes, para o jantar de ontem, onde tive o privilégio de partilhar da festa dos Doçi, a quem não faltaram os seus elementos, do presente e do passado, amigos e simpatizantes, e aprender um pouco mais sobre este maravilhoso grupo de amadores - "amadores" no sentido de amar. Eles amam o que fazem, e só assim se explica o seu sucesso e longevidade.

O Miguel, fundador do grupo que em Outubro de 1993 se juntou por ocasião da visita do então Presidente da República Mário Soares, convidou-me na condição de "crítico". De facto venho desde 2007 a publicar um "post" sobre a participação do grupo no Festival de Artes, e não perdi um espectáculo desde então, mas não lhe chamaria bem uma "crítica", pois não tenho qualificações para tamanha presunção. É apenas a minha opinião, baseada sobretudo no meu gosto pessoal, com apreciações básicas sobre os aspectos do argumento e da interpretação. Qualquer pessoa podia fazer o mesmo. A minha modesta e despretenciosa análise é feita ainda com base em algo muito importante, que para mim tem um enorme peso: a reacção da plateia. Não há espectáculo dos Doçi em que as pessoas não riam, aplaudam, vibrem ou simplesmente se remetam a um atento silêncio enquanto acompanham o desenrolar do enredo, e em menos que nada o vazio é preenchido por uma explosão de sonoras gargalhadas.

Criticar, ou opinar sobre o trabalho dos Doçi é fácil, ao contrário do que possa parecer. Por cada momento menos feliz há outros que tornam a experiência enriquecedora, e assim torna-se impossível dizer mal. Não digo mal por dizer, ou receando represálias, ou por respeito aos elementos dos grupo que conheço pessoalmente. Como se pode dizer mal quando é evidente o trabalho, o cuidado, a preparação intensiva do espectáculo para que tudo saia bem, a paixão que todos os intervenientes colocam no que fazem, a alegria com que o público retribui? Se qualquer coisa corre menos bem, não é por falta de empenho. É como uma equipa que empata mas fez tudo para ganhar, ou perde mas vende cara a derrota. Às vezes isso tem mais valor do que ganhar sem fazer nada para o merecer. Podemos não gostar deste ou daquele detalhe, desta ou daquela fala, mas certamente há quem não ache que correu assim tão mal, ou até quem goste.

Luís Machado, um dos regulares do grupo, disse durante um dos discursos da prache esta quarta-feira que "há vinte anos nunca pensou estar aqui hoje". E de facto foi apenas graças a muito esforço, muita vontade, muita abnegação e uma grande dose de carolice que os Doçi passaram a fazer parte da montra cultural de Macau, como os guardiões do dialecto maquista, o crioulo local, de que já estamos cansados de saber do que se trata, e ainda bem. E muito graças aos Doçi, que o vão mantendo como grande referência do convívio entre as culturas chinesa e ocidental. Foi comovente assistir ao pequeno "pot-pourri" de imagens de apresentações do passado, e observar como o grupo evoluíu, e adquiriu o carácter de semi-profissionalismo que tem hoje. Foi emocionante recorder alguns dos antigos elementos do grupo, alguns deles que já não estão entre nós, e constatar a renovação pela qual têm passado, trazendo para o palco jovens talentos macaenses, a comunidade local mais geneticamente dotada para o linguajar dos seus ancestrais. E quanto ao futuro? Bem, alguém pensou no futuro há vinte anos quando o grupo começou a dar os primeiros passos? Daqui a outros vinte logo se vê.

Parabéns, Doçi Papiaçam di Macau!

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