Quando se deu o 25 de Abril de 1974 eu era mesmo muito pequenino. Não me lembro de nada, mas as minhas primeiras recordações datam-se ao Verão quente de 1975, quando eu já estava no infantário. Contudo posso-me considerar dentro da geração que nasceu logo antes ou logo após o 25 de Abril. É um dia especial que me traz boas recordações, principalmente de comícios, comezainas e bailaricos. O 25/4 era sempre um pretexto para apanhar uma bebedeira ou comer uns coiratos, e até dar um pulinho ao rio para nadar, se fizesse bom tempo.
Tenho recordações muito vivas das músicas de intervenção daqueles tempos, pois os meus pais compravam os discos - para desagrado dos meus avós, que achavam tudo aquilo muito sinistro. Tive lá em casa "early influences" como Fausto, José Mário Branco, Adriano Correia de Oliveira, José Barata Moura e claro, Zeca Afonso, que nem era um dos favoritos. Aprendi a usar o gira-discos aos 4 anos com o "Avante, Camarada", e devo ter ouvido esse disco umas mil vezes. Penso que toda esta lavagem cerebral comuna tornou-me num gajo refilão.
Aqui em Macau a Páscoa tardia baralhou o 25 de Abril. O Domingo de Páscoa foi ontem, hoje foi feriado em Hong Kong e em Macau trabalhou-se em toda a parte menos nos bancos, na Escola Portuguesa e no Consulado Geral de Portugal. Isto a juntar às férias da Páscoa, que levaram muitos dos nossos compatriotas a paragens mais solarengas, se bem que aqui também não se esteve mal.
Os meus colegas chineses ficaram um pouco baralhado com os feriados e não-feriados, e perguntaram-me o significado deste dia. Estes colegas de que falo são chineses de Macau, todos de nacionalidade portuguesa e nascidos depois do 25 de Abril. Não é por culpa deles que não saibam que dia é hoje em Portugal; levaram uma boa lavagem cerebral para entender que isto é uma coisa "dos portugueses". Por "portugueses" estão-se a excluír a eles próprios, naturalmente, apesar do passaporte dizer o contrário. Para os chineses o que conta é o sangue, e disto já estamos todos carecas de saber.
É impossível tentar explicar-lhes a importância que o 25 de Abril teve para o futuro de Macau. O território esteve em risco de ser instantaneamente "descolonizado", como se fez em África, e entregue à China de Mao em plena Revolução Cultural. É claro que os interesses instalados neste entreposto mexeram-se de modo a evitar uma tragédia, e hoje Macau é o que é (recomendo
estes artigos do blogue Macau Antigo). É inútil explicar isto à nova geração de chineses de Macau porque isto "não interessa", e a história de Macau é "irrelevante". (Ainda estou para descobrir o que realmente lhes interessa).
Resta-me pedir desculpa por esta pequena divagação abrilesca, e desejar a todos os leitores em Portugal um bom feriado, e que comemorem o 25 de Abril nem que seja a falar mal...do 25 de Abril. Quem sabe se no futuro este dia deixa de ser feriado, por algum tipo de revisionismo histórico, mas meus amigos, isso seria dar a vitória à tal da "reacção".
PS: Hoje na imprensa de Macau gostava de destacar o
dossiê do JTM, com testemunhos de personalidades do território, e a
excelente entrevista de três páginas a José Mário Branco, no Ponto Final. O Hoje Macau teve folga.