quarta-feira, 18 de junho de 2008

A droga, essa desconhecida


Existe em Macau um indivíduo de aparência portuguesa que costuma estar no Largo de Senado, mau aspecto, cara de poucos amigos, que de vez em quando “crava uns trocos” a transeuntes e conhecidos, alegando ser “para comer”. Quem o conhece normalmente recusa, sabendo que se trata, na verdade, de um toxicodependente. Diz-se que recorre também a pequenos furtos e outros expedientes para obter dinheiro para sustentar o vício. Recentemente terá sido detido pelas autoridades por furtar tampas de esgoto (?), que iria vender no ferro-velho. Como ele existem muitos, a maioria longe dos olhares do cidadão comum.

É um submundo que abrange cada vez mais os mais jovens, alienados, muitas vezes atirados para as garras do vício por indivíduos mal-formados e sem escrúpulos, ignorados pelos familiares, que muitas vezes só se apercebem do problema quando é tarde demais. Quem lida com este problema diariamente, e falo dos profissionais da área do combate à toxicodependência em particular e acção social em geral (e continuam a faltar este tipo de profissionais, tanto em quantidade como em qualidade), sabe melhor que ninguém o que sofrem estes doentes, e por que passam as suas famílias.

Não se pode considerar anormal que em Macau, meca do jogo, onde proliferam negócios paralelos como a prostituição e a agiotagem, exista um problema de droga. A droga coabita com os locais onde normalmente é consumida: as discotecas, os bares, os karaokes. Tem-se assistido a um aumento do consumo de drogas recreativas, e as apreensões têm-se feito a um ritmo quase diário. É a ketamina, a cannabis, o ecstasy. Atente-se à designação: recreativas. Analisando o problema mais profundamente – e não me cabe fazê-lo agora, e muito menos aqui – não será que existe em Macau um défice de recreação, ao ponto que se tenha de recorrer à escapatória da droga? Muito se tem debatido em Macau a questão do consumidor, do traficante, do traficante-consumidor, das distinção da quantidade para consumo e para tráfico, sem que se consiga chegar a um consenso.

Quem fala do ponto de vista sociológico, considera o toxicodependente “um doente”, por outro lado há quem considere que quem procura estas tais “drogas recreativas” está a ajudar o traficante, e é, portanto, cúmplice. Uma grande parte da população mete tudo no mesmo saco, sejam drogas leves, duras ou recreativas. Nem me atrevo a fazer aqui a apologia da descriminação do consumo ou mesmo da liberalização de algumas drogas proibidas, que tão bons resultados têm tido em alguns países, livrando a sociedade em geral do ónus de ter que cuidar dos seus toxicodependentes (presos custam dinheiro e meios ao Estado, e esse dinheiro sai dos impostos, sabiam?), ou das salas de injecção assistida que dão a esses toxicodependentes condições de higiene que evita que venham a adquirir (e transmitir) infecções perigosas, e que os afasta de edifícios em ruína e parques públicos.

Não interessa, e a reacção normal é “não quero saber dessas porcarias”, e apelam ao carácter preventivo da lei, que passa por prender seja quem for que esteja relacionado com drogas. Isto até um dia o azar lhes bater à porta. Que tenham um dia um filho, irmão ou cônjuge preso por uma estupidez qualquer, aí tomam contacto com uma realidade completamente diferente, e se calhar já não pensam da mesma forma. A ignorância é muitas vezes perigosa quando se lida com este tipo de problema tão sensível. A solução passava por sensibilizar a população, quer miúdos, quer graúdos. Quando estava no 9º ano, fiz juntamente com dois outros colegas um trabalho de pesquisa sobre a droga, que ia desde os efeitos dos estimulantes mais comuns (café, chá, cacau) até às drogas duras, passando pelas psicotrópicas e pelo alcool. O trabalho mereceu grande destaque numa campanha de combate à droga em Vila Franca de Xira esse mesmo ano.

É importante combater os tabus e educar no que diz respeito às drogas, aos seus efeitos, e sobretudo transmitir a ideia de que nem todas as drogas são iguais. Seria um passo enorme em relação às pobres campanhas que temos hoje nos media, que apelam a que os jovens “vivam uma vida impecável”, sem droga, ou da tal dialética “desporto sim, droga não” ou ainda a insistência em deixá-los saber que a droga “é ilegal”. Será que não passou pela cabeça de ninguém que na idade da rebeldia os jovens podem sentir-se tentados a experimentar drogas por essa mesma razão? Porque é ilegal? Vejo muitas vezes no canal de Hong Kong um anúncio em que se explica os efeitos do ecstasy, onde se vê um indivíduo completamente tresloucado aos gritos pela rua, e ouço um comentário do tipo “o ecstasy faz o seu consumidor ranger os dentes”. Esse deve ter sido o contributo da Associação de Odontologia, sem dúvida.

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