segunda-feira, 14 de abril de 2008

O erro do Mandarim


Não sendo eu membro da Associação de Pais da Escola Portuguesa de Macau (APEP), e não tendo tido voto na matéria, nem participado em qualquer decisão, não posso no entanto deixar de lamentar o terrível erro que foi optar pelo Mandarim como “lingua chinesa” naquela instituição de ensino.

Aparentemente os critérios que pesaram na decisão são tidos como “indiscutíveis”, ou seja, é a língua oficial, fala-se em toda a China (a mentira que mais se teima em repetir) e é, realmente, uma aposta no futuro. O Cantonense pode ser, no papel, o dialecto da província de Cantão, mas na realidade é uma lingua com uma estrutura muito própria, falada por mais de 70 milhões de pessoas no mundo inteiro, é a lingua franca de Macau e Hong Kong, e falada pela maior parte das comunidades chinesas da Malásia, Tailândia, e até Estados Unidos, entre outras. O primeiro presidente da República da China, o Dr. Sun Yat-Sen, tinha o Cantonense como lingua materna.

Nem me apetece aqui discutir o carácter pragmático desta decisão. Basta olhar para as restantes instituições de ensino chinesas do território e perceber que o Cantonense é a lingua lá ensinada. E então isto dá-nos algum tipo de vantagem? Será essa a ideia? Se por acaso a aprendizagem do Mandarim se insere no contexto de uma “grande China”, então é caso para dizer que o resto da população está condenada a ser considerada, num futuro próximo, analfabeta. E para mais ensina-se o Mandarim com o recurso aos caracteres simplificados, conceito terminantemente rejeitado em Macau, Hong Kong e até Taiwan, onde a lingua oficial é, como se sabe, o Mandarim.

O ideal seria fazer – como já acontece nas restantes escolas de Macau – começar pelo ensino do Cantonense e passar ao Mandarim no ensino secundário. Que sentido faz ensinar a crianças do ensino básico uma lingua que a maioria dos adultos e mesmo a população mais jovem do território não domina? E não seria muito mais fácil para os jovens portugueses, filhos de portugueses que não dominam o Cantonense, ter os seus filhos a aprender um idioma que podiam usar no dia a dia em Macau, e até assim aperfeiçoá-lo?

Só me resta concluir que esta ideia saiu da cabeça de alguém que não conhece a realidade de Macau, e muito menos da região. Um dos argumentos mais utilizados e que não colhe, é o da tendência do Cantonense em “desaparecer”, ou ser absorvido pela lingua oficial, mais dia, menos dia. Com a força que o Cantonense tem nesta região, principalmente em Hong Kong, esse dia vai chegar, sim, daqui a uns cinco séculos! Mesmo os quadros chineses que vêm para Macau trabalhar acabam por aprender o Cantonense. São as pessoas que se adaptam à lingua, e nunca o contrário

Qual o objectivo de ambientar os jovens ao ensino do Mandarim desde tão tenra idade, e num território onde predomina o Cantonense? Torná-los elegíveis para a ANP? Agora vem o responsável da APEP dizer que afinal em Macau o Mandarim não se fala todos os dias, e é difícil recrutar professores, etcetera e tal. No shit, Sherlock. E quando se optou por esta via? Não era já assim? Será que era preciso a visita de um sr. deputado da República Portuguesa (cada vez mais raras, cada vez mais preciosas) para que se constatasse esta realidade?

9 comentários:

C disse...

Resultado do politicamente-correctês ou do diplomaticamente-correcto. O mesmo que nas instituições PRIVADAS de MATRIZ PORTUGUESA colocarem os títulos/caracteres chineses em cima e os portugueses em baixo. Será algum tipo de complexo, tendencialmente optar por ficar de joelhos? O politicamente correcto em acção? ou simplesmente graxa? Do meu ponto de vista apenas falta de carácter, falta de espinha dorsal. Pois não se trata de subjugar nem de insultar ninguém, mas tão somente e apenas ao direito em afirmar a nossa lusa posição, e cortesia é deixar em simultâneo a tradução em chinês. O mesmo compreendo a lógica das instituições governamentais em colocar o chinês em primeiro e o português em segundo, porque afinal de contas a soberania de Macau é indiscutivelmente e de facto chinesa, mas quanto às associações de carácter privado não têm que seguir essa lógica...

Outra coisa ilógica e profundamente estúpida é a alteração da disposição do nome das ruas, colocando em primeiro o chinês e por baixo o português? Será complexo de inferioridade dos decisores politicos ou apenas e mais uma vez graxa? Pois antes, o nome das ruas em chinês estava na vertical, que até se lia melhor com mais espaço ao passo que com a "revolução cultural", nem a toponímia em chinês, nem em português se lêem bem... às vezes é mesmo e apenas a falta de bom senso e oportunismo para mostrar trabalho "patriótico" de quem nunca foi patriota...pesos de consciência?

Caro Leocardo, achei um piadão ao seu postal :))

Leocardo disse...

A questão do chinês vir primeiro é um tema interessante, principalmente se tivermos em conta o despesismo que foi os milhões que se gastaram em placas, placards e plaquinhas, selos, carimbos e papéis, quando a ordem dos factores é completamente irrelevante. Os portugueses vão ler só o português, e os chineses vão ler só o chinês. Em Hong Kong, por exemplo, isto não aconteceu. Só um patetinha vai achar que a ordem das línguas é "um sinal de soberania". Mas olhe, para mim, que sou um cavalheiro, as chinesas vêm sempre primeiro...

O postal não era para ter piada, mas mesmo assim obrigado :)))

Anónimo disse...

Acho que o tempo irá dar razão a quem achou que a opção pelo mandarim era a melhor.
2049 está cada vez mais próximo...

C disse...

Caro Leocardo,

A intenção de trocar as ordens do português e do chinês para chinês em primeiro e português em segundo foi feito com a intenção de subjugar o português, com a intenção clara para dizer que o chinês está acima do português.

Os chineses aí admiro de certo modo a sua sensibilidade, no sentido em que todo o mais ínfimo gesto dos xinas terem um significado, é talvez um sinal de refinação, sofisticação civilizacional.

1. A luz do farol da Guia foi apagada logo a seguir à transição, luz essa ininterrupta na história de Macau desde a sua construção, para quebrar a "luz portuguesa";

2. Nomes das ruas alteradas na sua ordem;

3. O apagar das armas portuguesas em MONUMENTOS!!! i.e. Portas do Cerco e não em Edifícios Governamentais ou de repartições públicas;

4. Tudo isto teve significado, mas os artolas que fizeram isso, não foram nem de longe nem de perto os de Pequim, mas sim os artolas e ortodoxos mais papistas que o Papa de Macau, milionários à custa de Portugal, capitaleiros e de repente devotos "nacionalistas", xenófobos ortodoxamente pro-Pequim;

5. O que valeu o bom senso dos líderes de Pequim em chamar subtilmente a atenção a esses artolas que o português não pode ser maltratado, de modo que se converteram religiosamente à causa da lusofonia;

Percebo tudo isto, porque essa gente endinheirada é vindo da ralé e sem cultura, é gentalha sem estudos e tradição, ao contrário da "aristocracia" dos Mandarins.

Uma amiga chinesa continental contou-me algo muito curioso, no Ministério dos Estrangeiros da RPC, normalmente os diplomatas de carreira são normalmente das tradicionais famílias de mandarins, tudo porque segundo ela, as famílias de origem aristocrática (no sentido do poder dos melhores i.e. sistema mandarinato) são geralmente mais íntegras do que um pé rapado que mais facilmente será tentado pelo enriquecimento rápido e corrupção. Gentinhas que nunca tiveram nada é natural serem complexadas e rancorosas e terem desejo ardente em tornarem-se "milionários", na conquista do material em detrimento da conquista espiritual, ou seja no levantar do olhar (i.e. samurais)...a pirâmide de necessidades de Maslow explica bem isso.
Normalmente os complexados provinciandos são os mais citadinos dos citadinos...mas nem com a capa amarela do imperador se fazem parecer com a realeza...

Anónimo disse...

Caro Leocardo,
em todas as escolas internacionais na China, incluindo Hong Kong, Cantão e outras cidades da provincia de guangdong, a lingua chinesa que se ensina é o mandarim. E tambem em Xangai, onde se fala o xangainense ou em cidades da provincia de Fujian, onde se fala o dialecto utilizado tambem em taiwan.
E penso tambem que nas escolas internacionais em barcelona se vai ensinar o castelhano e não o catalão, isto só para dar um exemplo fora da china.
Em qualquer universidade estrangeira onde se ensina lingua chinesa, a lingua chinesa ensinada é o mandarim, incluindo em paises em que uma elevada percentagem da comunidade chinesa residente nesses paises é cantonense, como é o caso dos Estados Unidos ou da Inglaterra.
Concordo quando diz que o mandarim não é utilizado em Macau, mas o mandarim é a lingua de contacto entre todas as comunidades linguísticas da China, ou não fosse o mandarim conhecido como putonghua, ou seja " lingua comum". Cada vez mais pessoas de Macau e Hong Kong o falam, mesmo não sendo a sua lingua materna.
As crianças de Macau podem muito bem aprender cantonense com a sua vida quotidiana, com a televisão, etc, tal como gerações de macaenses aprenderam.
Mas para um estudo escolar de lingua chinesa e para prepara-los quem sabe para uma vida em qualquer parte da China, é mais lógico ensinar mandarim.
Quanto á questão dos caracteres concordo consigo. Eu tive lições de chinês em Macau (mandarim) em que utilizei caracteres clássicos. Depois disso fiz um curso em Pequim onde utilizei caracteres simplificados e não tive qualquer problema com essa transição. O oposto jã não é assim tão simples

Anónimo disse...

O Vitorio, para variar, está cheio de razão.
Não fossem os falantes de mandarim e os falantes de cantonense cuspiam-nos na cara, por mais simpáticos que hoje nos pareçam.

Anónimo disse...

Mais uma vez, uma intervenção pertinente, caro Leocardo.

De facto, sempre achei interessante esse argumento de que "aprender o mandarim é que é". " A visão do futuro", etc. Gostaria de partilhar um ponto de vista diferente.

A escolha do mandarim como lingua de ensino na Escola Portuguesa é, a meu ver, falta de visão.

Porquê?

O cantonense é a lingua desta terra. A lingua falada pela população , a lingua materna da população chinesa de cá. A rádio, televisão, etc. emitem em cantonense. Os jornais são escritos em chinês tradicional, e as manifestações culturais genuinas da região são, evidentemente, em cantonense.

Ter uma visão de futuro para a comunidade é, em primeiro lugar, integrar a comunidade nos afazeres locais, criando laços de comunicação a nivel local e regional. Não aprender o cantonense é fechar as portas á comunicação local e local num nivel e intimidade permitidos apenas aos conhecedores da lingua materna.

Sou falante de cantonense, e digo que o carinho e cumplicidade com membros da populaçãolocal é muito maior em comparação com os falantes de mandarim. Os naturais de Macau e residentes permanentes de Macau diferenciam os falantes de cantonense dos de mandarim. Muito facilmente se identifica um membro" vindo do interior" de um natural de cá.

Por outro lado, aprender o cantonense não implica não se aprender mandarim. Aliás, como disse um outro anónimo neste bloco de comentários, que foi facil a adaptação para o chinês simplificado a partir do tradicional. Reparem que várias chefias de serviços públicos de Macau falantes de Cantonense, em apenas dois meses de estágio em Pequim, aprenderam a falar fluentemente mandarim. O contrário é extremamente dificil, pela musicalidade da lingua e fonética.

Gostaria de deixar à reflexão este ponto: Não será muito mais uma visão de futuro dar aos nossos miudos o conhecimento da lingua desta terra onde crescerão, para compreenderem verdadeiramente as nuances da comunicação e da cultura chinesa, integrando-os e abrindo verdadeiramente portas para o futuro, ou limita-los a aprender o mandarim, que qualquer individuo em qualquer parte do mundo pode aprender?

Não será a verdadeira mais valia esta possibilidade de dar aos nossos miudos a possibilidade de conhecer uma lingua a que as pessoas de Macau, Hong-Kong, Cantão, etc. tem orgulho? E, acreditem, é uma lingua que traz consigo um certo "glamour" e fascínio por parte do próprio Chinês do interior, dado ser a lingua do "seu Hollywood". (Hong-Kong, como todos sabem, é a Hollywood da China).

Ensinar aos nossos miudos o cantonense é dar-lhes uma capacidade única. O mandarim, que facilmente aprenderão em meses, será lugar comum. E tenham a certeza que, enquanto Hong-Kong for espaço de glamour e fascínio para os Chineses, o Canotnense prevalecerá. É uma lingua milenar que une milhões de pessoas.

Ensinem o cantonense aos míudos. Depois, deixem-nos aprender o mandarim. Isso sim, seria visão de futuro.

Mas de falta de visão da comunidade portuguesa já estamos habituados.

Leocardo disse...

Muito bem. Obrigado pela sua contribuição.

C disse...

E só por acaso o Delta do Rio das Pérolas é a região mais rica e próspera da República Popular da China.