quinta-feira, 17 de abril de 2008

O crime em Macau


Ainda me lembro bem de quando cheguei a Macau, nesse longínquo ano de 1992, que uma das coisas que mais me surpreendeu, e que tive o prazer de contar aos meus amigos, era a forma como se podia andar por qualquer parte da cidade a qualquer hora em segurança. Uma das formas que usei para conhecer melhor Macau era perder-me. Perdia-me pelas ruas estreitas e desconhecidas, pelas travessas escuras, e mais cedo ou mais tarde criei os necessários automatismos que me permitiram dizer “conhecer Macau”.

Nunca, por uma única vez foi abordado por qualquer tipo de meliante, ou me vi metido em qualquer situação embaraçosa, mal entendido ou altercação. Para quem veio de Lisboa (nos últimos anos que vivi em Portugal), esta foi uma mudança bem vinda. Não que evitasse passar por bairros pobres; fiquei a conhecer bem a zona norte da cidade, a Ilha Verde, o Fai Chi Kei e a área das Portas do Cerco. Cheguei a viver na zona do Bairro do Iao Hon durante uns tempos. E dei com gente muito mal encarada.

Os problemas eram praticamente todos relacionados com o jogo, o submundo da prostituição, das seitas. Lembro-me que era considerado “perigoso” andar na Taipa na Terça-feira à noite, uma vez que havia corridas de cavalos e alguns apostadores crónicos cometiam roubos. A Rua Abreu Nunes, conhecida ainda hoje por “Rua dos Tailandeses” era também considerada problemática. “Ouviam-se lá tiros”, diziam. Os mais marialvas batiam-se numa ocasional briga de bar ou discoteca. Tudo problemas perfeitamente isolados e com uma fronteira perfeitamente definida do cidadão médio.

Existiam, é claro, as histórias mais ou menos verídicas, ou apenas com um fundo de verdade, que falavam de altas traições, de paixões que terminavam em tragédia, que envolviam vingança e morte, com um certo je ne sais quoi de lenda urbana, típicas da vivência numa terra distante, com costumes tão diferentes dos nossos, de venenos chineses, e até de uma certa loucura que alguém ousou associar à excessiva humidade da Ásia das monções.

Com o desenvolvimento económico, deu-se também um natural crescimento da criminalidade. O povo queixa-se em surdina que “a culpa é dos vistos individuais”, que permitem que cada vez mais criminosos passem a fronteira, quando antes, com os grupos, vinham apenas os turistas. Foi um mal necessário. Afinal foi graças à política dos vistos individuais que começaram a haver apostadores de sobra para encher os quase 20 novos casinos que abriram e deram os resultados que se conhecem.

São portanto, como diria Deng Xiaoping, “moscas que entram quando se deixa a janela aberta”. Mas em alguns casos, que moscas estas. Varejeiras imundas e da pior espécie. Roubos à luz do dia, aumento do número de carteiristas, aumento drástico dos números da criminalidade violenta, cidadãos que têm medo de sair da sua própria casa. Enfim, é um nunca mais acabar de situações que vêm dar razão aos que temiam o pior, aos tais velhos do Restelo de quem os críticos riem em alguma imprensa, reiterando ao mesmo tempo a sua plena confiança nas autoridades. Riem, mas sem que se saiba muito bem do quê. Talvez só riam até que o azar lhes bata à porta

E as tais autoridadades, conseguem dar resposta? Talvez conseguissem, e talvez tenham mesmo experiência para tal. Afinal foram anos a combater indivíduos perigosos, crime organizado, e estiveram mesmo no passado envolvidos em trocas de tiros e outras acções mirabolantes. Talvez seja a falta de experiência, a velha convicção de os malfeitores estão sempre um passo à frente dos policias. O que fica das tais LAGs, apresentadas todos os anos em Novembro, é que a Secretaria para a Segurança apresenta sempre “os resultados menos positivos”.

Hoje as principais vítimas desta criminalidade violenta são os idosos e as mulheres, mas já se sabe, não existem limites para o desespero. Não que a situação de hoje seja um completo caos. Mas as diferenças entre 1992 e os dias de hoje são evidentes. Ainda não temo quando ando pelas ruas em Macau, mas já olho por cima dos ombros quando levanto dinheiro das caixas ATM, por exemplo.

E já agora, quem são aqueles indivíduos operários da construção civil que estão todos os dias de manhã sentados nos degraus da entrada da Escola Portuguesa? Tenho a certeza que se eu, por exemplo, me sentasse nos degraus do Colégio de Santa Rosa de Lima todos os dias de manhã, já tinha sido avisado, pelo menos...

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