segunda-feira, 19 de abril de 2010

Nem sangue, nem ópio


Ainda a propósito da posta de ontem subordinada ao tema da História de Macau, ou da "Macaulogia" que é transformada numa Macaufobia, gerou-se uma interessante discussão na secção de comentários sobre a origem da presença dos portugueses nesta parte da China. Macau foi oferecido ou emprestado? Tomado ou roubado? Quem nos pode responder já está no país das caçadas eternas ainda antes do nosso tempo neste mundo, e isso nunca poderemos saber ao certo. A verdade é que pelo menos posso ter a certeza que não foi através de nenhum expedientes utlizado por alemães ou franceses no continente, nem por intermédio do ópio como fizeram os nossos irmãos mais velhos, os britânicos, aqui ao lado em Hong Kong.

A questão da devolução de Macau à China aconteceu simplesmente porque tinha que acontecer. A designação "território chinês sob administração portuguesa" é uma coisa mais ou menos recente, considerando os mais de quatro séculos de História. Se o leitor perguntar a qualquer macaense com mais de 40 anos se em 1980 a questão da entrega de Macau à China alguma vez se punha, este respondia-lhe logicamente que não. Alguns macaenses "lamentam-se" de não ter aprendido chinês, alguns foram aprender já na idade adulta, porque nunca lhes foi colocada essa opção durante o ensino do regime colonial. A declaração-conjunta só foi possível porque existiam garantias de que a China estaria disposta a manter o modus vivendi de Macau, e as negociações foram sempre feitas de boa vontade de ambos os lados.

O facto de Hong Kong ter sido devolvido mais cedo no papel tranquilizou as hostes, visto que desde sempre - e mesmo hoje - a RAEHK tem uma tradição mais democrática, um povo mais educado e contestatário, e um interesse muito maior por parte da China. Hong Kong é a "jóia". Porque havia Macau de ter medo? Claro que logo os menos optimistas pensaram em fazer as malas, outros esperaram para ver o que dava, e destes últimos a maioria nunca chegou a partir. É absurdo pensar que Macau ia ser muito pior, uma vez que a própria China está em abertura, com os resultados que se vêem, pelo menos no aspecto da economia. Quem não pensa na China quando se fala de economia hoje em dia?

E é de abertura que se vai falando todos os dias. Macau não foi devolvido porque foi roubado, como sugeriu um leitor. Algo que se dá ou empresta também pode ser devolvido mais tarde; mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Há 100 anos tinhamos um território mais ou menos funcional, onde funcionava sobretudo a paz e harmonia. A grande China estava dividida e debatia-se com profundos problemas estruturais, alguns resolvidos e outros agravados pela aparição da RPC. Mas nunca fez tanto sentido devolver Macau à China depois das reformas políticas de Deng Xiaoping - algumas que podiam ser bem utilizadas pelos políticos autónomos local. E é claro que tudo isto foi graças a muita diplomacia, e como a História sempre foi de amizade e/ou tolerância, não acredito que Macau tivesse sido roubado ou tirado à China. Não é uma história nem de sangue, nem de ópio.



PS: Quanto ao que se ensina aos jovens de Macau sobre História de Macau, deve ser mais ou menos o mesmo que a minha mulher aprendeu: nada. Aprendia História da China e História Universal. É só normal que assim tenha acontecido durante vários anos. A administração portuguesa sempre tolerou que a comunidade chinesa de Macau vivesse num espécie de Mini-China, muito diferente da Pátria Mãe, sem interferir com os seus usos, costumes, tradições, e claro está, com a língua. Teria sido uma tarefa herculea, mas se a administração portuguesa quisesse tinhametido a população inteira a falar e pensar em português, mas isso não convinha muito a quem tinha que administrar e tratar dos negócios da China que sempre se foram por aqui fazendo.

18 comentários:

Anónimo disse...

Claro que Macau será sempre muito importante para a China por causa dos...casinos.Os casinos servem para muitos chineses fazerem a lavagem do dinheiro sujo.enquanto houver casinos em Macau os macaenses podem estar descansados.O Stanley Ho é que teve visão para estas coisas,ainda bem para Macau.

Anónimo disse...

Acho piada àqueles que vêm para aqui chamar ignorantes aos que dizem que Macau foi um caso único e que houve, indubitavelmente, uma cedência de Macau a Portugal por parte da China. Isto está mais que provado. Talvez se lessem mais sobre o assunto (pelo menos metade do que eu já li, já não digo mais) se apercebessem de quem é que, afinal, era o ignorante. As análises históricas são feitas através da literatura da especialidade e de documentos antigos, e não através de factos que acontecem "a posteriori", vários séculos depois, em ambientes políticos completamente diferentes, como foi o caso da devolução de Macau à China. Isso não prova nada. Aprendam a recuar até ao século XVI, porque aí é que estão os factos históricos, e não no que aconteceu quase 500 anos mais tarde.

Estaria a História do mundo todo muito mal contada se se recorresse a argumentos simplistas como "se Portugal devolveu Macau à China, é porque Macau nunca foi cedida a Portugal".

Anónimo disse...

acho que o anónimo das 15h12 ainda não viu o video do José Hermano Saraiva sobre Macau no youtube.

http://www.youtube.com/watch?v=w0Wf7zUkCMo

Anónimo disse...

"Os portugueses desembarcaram em Macau entre 1553 e 1554, sob o pretexto de secar a sua carga. As autoridades chinesas, em 1557, autorizaram finalmente os portugueses de estabelecerem-se permanentemente em Macau e concedeu também um considerável grau de auto-governação para eles. Vários historiadores, como por exemplo o famoso mercador e historiador sueco Anders Ljungstedt (1759 - 1835), defendem que os portugueses estabeleceram-se em Macau sem o conhecimento e a autorização do Imperador mas por meio do consentimento, da concessão e obviamente de subornos às autoridades locais e regionais e aos seus funcionários, os mandarins, de Cantão e da região próxima de Macau.
Mas, segundo uma outra versão (embora com pouco fundamento histórico) sobre a origem do estabelecimento comercial português de Macau, esta autorização foi uma recompensa dada aos portugueses por estes terem contribuído de modo fulcral para a derrota dos piratas chineses liderados pelo célebre Chang-Si-Lau. Estes bandidos violentos e selvagens pilharam, incendiaram e arruinaram vastas áreas da região de Cantão e espalharam terror não só nos campos mas também nas cidades. Eles operavam principalmente na região do Delta do Rio das Pérolas.
Independentemente das muitas versões sobre a sua origem, o certo é que nasceu o primeiro verdadeiro entreposto comercial europeu (depois cultural e religioso) entre o Ocidente e o Oriente no Sul da Península de Macau. O nome de Macau parece ter origem num dos primeiros locais acessados pelos portugueses, a Baía de A-Má (em cantonês, "A-Ma Gao"), nome esse que se deve à existência nessa baía de um templo em homenagem à deusa A-Má. A-Ma Gao se tornaria, Amacao, Macao e, por fim, Macau. Durante mais de 400 anos de história, Macau foi orgulhosamente o baluarte da presença e cultura portuguesa no longínquo Oriente."

Anónimo disse...

" Os portugueses estabeleceram-se ilegal e provisoriamente em Macau entre 1553 e 1554 sob o pretexto de secar a sua carga. Em 1557, as autoridades chinesas deram finalmente autorização para os portugueses se estabelecerem permanentemente em Macau, concedendo-lhes um considerável grau de auto-governação. Em troca, os portugueses foram obrigados a pagar aluguer anual (cerca de 500 taéis de prata) e certos impostos a estas autoridades, que defendiam que Macau continuava a ser parte integrante do Império Chinês. As autoridades chinesas, desde sempre portadoras de algum medo e desprezo pelos estrangeiros, passaram a supervisionar atentamente os portugueses de Macau e a exercer, até meados do século XIX, uma grande influência na administração deste estabelecimento comercial."

Anónimo disse...

Julgo que Macau nem foi oferecido, nem emprestado. Apenas os portugueses se instalaram por estas bandas e por aqui ficaram. Na altura o poderio militar da armada lusitana metia medo aos mandarins que gostavam da nossa presença por fomentar as trocas comerciais. Um pouco como actualmente, portanto. A história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro.

Interessante o comentario do Leocardo sobre a lingua portuguesa e sobre a inercia das autoridades que nunca quiseram pregar a nossa lingua nestas paragens.

AA

Anónimo das 15:12 disse...

Vi o vídeo do José Hermano Saraiva, sim. Só que esse vídeo, e o documento nele lido, provam uma vez mais que, devido ao problema de pirataria que existia e ao comércio justo que os portugueses fizeram por estas bandas, houve acordo dos chineses para que os portugueses se estabelecessem aqui de forma permanente. Muito diferente de todas as outras possessões europeias no mundo, em que tudo foi feito pela força das armas. Macau foi um caso único.

EJSantos disse...

Blogue muito bom. Parabéns.

Anónimo disse...

Fantástico! Bocas, palpites, comentários de café... E ainda a malta diz que precisa muito da Livraria Portuguesa! As estantes estão cheias de livros recentes sobre a questão. Para já não falar do blogue Macaulogia que o Leocardo bem referiu, porque não ler ~uma das últimas edições do defunto IPOR onde se traduziu para português o que de melhor tem publicado a historiografia chinesa sobre o assunto, sobretudo da mão do historiador chinês Jin Guoping. E já agora juntem-se as coisas de Rui Loureiro que também na LPortuguesa. Chega de disparates e iliteracia!

Leocardo disse...

Obrigado.

Cumprimentos.

Anónimo disse...

Isso tudo é muito discutivel,se Macau foi oferecido ou alugado.Porque ninguem aqui viveu naquela epoca.Tal como é muito discutivel se Camões afinal esteve ou não em Macau,uns dizem que sim e outros dizem que não mas não há provas nenhumas.

Anónimo disse...

Oferecido ou alugado, uma coisa é certa: não foi conquistado pela força das armas. E é nisto que o caso de Macau difere de todos os outros.

Anónimo disse...

" não foi conquistado pela força das armas" mas sabes lá?Estiveste lá para presenciar??

Anónimo disse...

Há uma disciplina chamada História, anónimo das 05:08, que estuda documentos antigos para se saber o que aconteceu. Não havia disso na escola onde andaste ou o professor esteve de baixa durante todo o ano em que estudaste?

(só faltava agora que este mesmo anónimo fosse religioso. Se for, é porque já viu Deus à sua frente, porque desse nem documentos há)

Anónimo disse...

Anónimo das 05h17 já devia saber que muitas vezes a história não é verdadeira,por isso que volta e meia aparecem uns historiadores que aparecem com novas provas .Tambem aprendi na escola que o Camões esteve em Macau mas há muitos historiadores que provaram que Camões não esteve em Macau

Anónimo disse...

Então devia perceber que, no caso de Macau, pode não se saber muito bem como tudo aconteceu, mas nenhum historiador a sério, seja ele português, chinês ou de outra nacionalidade qualquer, afirmou que Macau foi conquistada pela força das armas. Essa é uma questão pacífica entre todos os historiadores. E quando assim é...

Anónimo disse...

E que interessa se Macau foi ou não conquistada pela força das armas?Isso é só para mostrar ao mundo que os portugueses nunca usaram a força para conquistar terras?Quando Portugal colonizou Àfrica e Brasil não usou a força?Se calhar devem ter conquistado com diplomacia,sentaram todos numa mesa,comeram e decidiram que podiam colonizar as terras´,tudo nas calmas :))

Anónimo disse...

Há realmente gente que mistura tudo. Ninguém aqui disse que o Brasil ou África não foram tomados pela força, o que se afirma é que Macau é um CASO ÚNICO!