Há fumadores que estão a ser alvo de processos disciplinares conducentes ao despedimento, no âmbito da Lei do Tabaco, que começa a ser usada como «instrumento» para dispensar funcionários indesejados. Os patrões falam em quebras de produtividade de 15 por cento e admitem penalizações laborais.
Só nos gabinetes jurídicos de Lisboa e Porto da Associação Nacional das Pequenas e Médias Empresas (ANPME) estão a ser acompanhados 12 processos disciplinares com vista ao despedimento com justa causa, revelou à agência Lusa o presidente daquele organismo, Augusto Morais.
Salientando que 40 por cento dos 2,3 milhões de trabalhadores das pequenas e médias empresas (PME´s) em Portugal são fumadores, Augusto Morais vaticina que «este é apenas o início» dos muitos litígios laborais que vão decorrer da nova legislação, em vigor há apenas cinco meses.
Embora algumas empresas tenham criado espaços para fumadores, «na grande maioria das PME´s» os funcionários têm de abandonar as instalações ou inventar formas de acender um cigarro sem ser descobertos.
«Arranjam sempre esquemas para abandonar o local de trabalho e ir fumar para a casa-de-banho ou outros sítios como corredores e varandas. Temos até conhecimento de que, no sector da hotelaria, os trabalhadores metem-se dentro dos quartos», disse à Lusa o presidente da associação portuguesa e vice-presidente da Confederação Europeia das PME.
Se muitos patrões optam por «fechar os olhos» a estas práticas, sobretudo quando consideram que o trabalhador é bom profissional, outros «vêem a Lei do Tabaco como um instrumento para poder despedir com justa causa».
«A entidade patronal verifica que os trabalhadores abandonam os seus postos de trabalho para fumar um cigarro e surge a possibilidade de lançar contra o trabalhador faltoso um processo disciplinar com o objectivo de o despedir com justa causa, principalmente quando o trabalhador é ´persona non grata`», explicou o responsável, lembrando o caso dos sindicalistas ou de funcionários com muitos anos de casa que são vistos como «indesejados».
O especialista em Direito do Trabalho Fausto Leite, que já representou um trabalhador ameaçado de despedimento por saídas injustificadas da empresa para fumar, corrobora: «há patrões que se servem da questão do tabaco para tentar despedir».
«Há um caso em que os trabalhadores saíam das instalações para fumar à porta da empresa e os patrões fingiam tolerar. Com má-fé, foram somando todos os minutos das pequenas ausências e quando esse tempo correspondeu a cinco dias úteis avançaram com um processo de despedimento por justa causa», lembrou o jurista, considerando que provar a «justa causa» em tribunal é complicado e o vício é «uma grande atenuante».
Além do risco de despedimento com justa causa, que não prevê o direito a indemnização nem a subsídio de desemprego, o presidente da Confederação do Comércio e Serviços, José António Silva, lembrou outros perigos.
«Poderá acontecer que um fumador possa vir a ser penalizado a nível da avaliação. Não acredito que vá acontecer generalizadamente, mas admito perfeitamente que possa vir a acontecer», alertou.
A entrada em vigor da Lei do Tabaco não está apenas a ter consequências para os trabalhadores. Patrões e empresários queixam-se da redução de produtividade, em parte causada pelas ausências temporárias dos fumadores.
O presidente da Associação Nacional das PME´s lembra que nos sectores mais afectados - hotelaria, restauração e empresas industriais - registam-se já «problemas sérios ao nível da produtividade, com 15 por cento de queda desde 01 de Janeiro».
Também o presidente da Confederação do Comércio e Serviços admite que a «quebra de rendimento» dos fumadores venha a trazer «prejuízos acumulados em termos de produtividade».
Actualmente já existem empresas que só aceitam trabalhadores não fumadores. Numa pesquisa feita na Internet, a Lusa encontrou cinco anúncios que «cometem a ilegalidade».
Paquete, vigilante de piscina, assistente administrativa, colaborador de loja e assistente de bordo são algumas das ofertas de trabalho que «exigem» aos candidatos ser «Não fumador», um requisito expresso em alguns anúncios como sendo mesmo um «factor eliminatório».
«Esses anúncios violam o princípio da igualdade no emprego. Pura e simplesmente não são admissíveis e são inconstitucionais.Um empregador não pode discriminar alguém por ser fumador», salientou o advogado Fausto Leite.
Em declarações à Lusa, José Cordeiro, da UGT, classifica como «discriminação brutal» a recusa de candidatos fumadores, mas teme sobretudo a «discriminação indirecta», mais difícil de provar em tribunal.
Na TAP, por exemplo, começou este fim-de-semana o recrutamento de 400 candidatos ao cargo de assistente de bordo, sendo que a empresa não esconde dar «preferência a não fumadores».
Para Cristina Vigon, do Sindicato Nacional do Pessoal de Voo da Aviação Civil, «a empresa não pode exigir aos trabalhadores que não sejam fumadores, mas apenas que não fumem no local de trabalho».
«O problema é que as pessoas têm tendência a não se queixarem porque precisam do emprego», lamentou.
In Diário Digital